Bom nos negócios, bom na presidência?

O descontentamento com políticos tradicionais parece ser global. Após a eleição de Trump no final de 2016, tivemos também a vitória de Macron na França no ano seguinte. No Brasil não é diferente, desde pelo menos 2014 a operação Lava Jato vem dominando o debate político e fica a sensação (provavelmente não só a sensação) de que “se gritar pega ladrão, não fica um meu irmão”. Portanto é natural que haja uma demanda por renovação. Mas será que um presidente que venha da iniciativa privada é melhor do que o chamado político profissional? A proposta desse artigo é olhar para a história dos EUA para tentar chegar a alguma conclusão.

A eleição de Donald Trump nos EUA foi inédita. É a primeira vez que um presidente sem nenhuma experiência política ou militar assume a presidência do país. Ironicamente Barack Obama, que havia sido senador por 12 anos, era chamado de inexperiente pelos republicanos durante a campanha eleitoral que o levou a presidência.

Antes de Trump, em média, os ex-presidentes dos EUA tinham 13 anos de experiência política e 5.6 anos de experiência militar ao assumir o posto. Os três presidentes que não tinham experiência política Zachary Taylor (1849-1850), Ulysses E Grant (1869 – 1877), e Dwight Eisenhower (1953-1961) tinham juntos mais de 100 anos de experiência militar. Os Estados Unidos já tiveram 18 presidentes que antes eram deputados, 16 senadores, 14 vice presidentes e 17 governadores. Mais da metade deles também serviram nas forças armadas do país.

Apesar de não ter havido antes de Donald Trump nenhum outro presidente sem experiência política, os EUA tiveram sim, vários presidentes que passaram também uma parte importante da sua carreira no mundo dos negócios.

Durante os anos 20 e 30 do século passado, os EUA tiveram 3 presidentes que vieram da iniciativa privada: Warren G Harding (1921-1923), Calvin Coolidge (1923-1929) e Herbert Hoover (1929-1933).

Antes de ser político, Harding era um bem sucedido empresário do ramo de comunicações. Faleceu em 1923, de infarto cardíaco, no exercício da presidência. Durante o seu governo, foi bastante popular, mas vários escândalos de corrupção envolvendo a sua equipe próxima, somados a revelação de que ele tinha uma amante mancharam a sua reputação e hoje ele é considerado por analistas políticos um dos piores presidentes da história.

Harding foi sucedido por seu vice, Calvin Coolidge, que também tinha feito carreira na iniciativa privada como executivo do mercado financeiro antes de ter sido governador do estado de Massachusetts. Coolidge era defensor de uma política de estado mínimo e representava os valores da classe média americana da época. Deixou o governo com alta popularidade, mas o seu legado hoje é controverso. Alguns analistas são fãs da sua política econômica liberal do estilo laissez-faire outros jogam nas suas costas a culpa pela grande recessão de 1929, que começou apenas 6 meses depois que ele deixou o cargo.

O sucessor de Coolidge também vinha do mundo dos negócios, Herbert Hoover foi um bem sucedido empresário do setor de mineração. Antes de assumir a presidência Hoover ficou conhecido pelo Movimento de Eficiência, que buscava eliminar as ineficiências tanto no setor público quanto no privado. No governo, porém, tentou combater a depressão econômica com obras faraônicas e aumento de impostos. A represa Hoover Dam (aquela que aparece no filme do super homem) por exemplo, foi construída no seu governo. Não adiantou. A economia continuou em um espiral negativo e tudo isso, aliado ao seu apoio a proibição do comércio de bebidas alcoólicas no país, fez com que ele fosse massacrado nas urnas em 1932 pelo democrata Franklin D. Roosevelt e sua promessa de New Deal.

Mais recentemente, tivemos 3 ex-presidentes que também tiveram parte importante da carreira na iniciativa privada. Jimmy Carter (1977-1981), George H. W. Bush (1989-1993) e o seu filho George W. Bush (2001-2009).

Jimmy Carter tinha sido governador da Georgia antes de assumir a presidência, mas antes disso passou praticamente toda a sua vida adulta como fazendeiro de amendoim, o que lhe rendeu o apelido de “Peanut President”. No início do seu governo, a economia ia bem, com crescimento de cerca de 3% ao ano e mais de 10 milhões de empregos gerados. Mas da metade para o final do seu mandato o país entrou em um processo de estagflação e Carter recebeu muitas críticas por não conseguir delegar funções e ser incapaz de promover uma retomada no crescimento econômico. No fim, seu governo ainda ficou marcado pela crise diplomática com o Iran, quando um grupo terrorista islâmico sequestrou 52 autoridades americanas que estavam naquele país. Carter terminou o governo com aprovação de apenas 34% e com isso acabou apanhando nas urnas do candidato republicano Ronald Reagan e não conseguiu ser reeleito.

George H. W. Bush havia sido deputado, diretor da CIA e embaixador dos EUA junto a ONU antes de assumir a presidência, mas também tinha feito carreira como executivo a indústria de petróleo no Texas, onde se tornou milionário antes de completar 40 anos. Externamente, seu governo foi marcado pela queda do muro de Berlin, pelo fim da guerra fria e pela primeira guerra do golfo. Internamente, seu governo é lembrado pelas políticas de guerra `as drogas e pela recessão econômica e foi duramente criticado quando assinou um aumento de impostos para bancar os gastos crescentes com investimentos militar. Bush pai terminou o governo com aprovação de 56% e é considerado por analistas políticos como um presidente acima da média. Mesmo assim não conseguiu ser reeleito, perdendo a disputa em 1992 para o democrata Bill Clinton.

George W. Bush, seguiu os passos do pai na política e no mundo dos negócios e também havia sido executivo da indústria de petróleo antes de entrar na vida pública. Além disso, Bush-filho também foi um dos donos do clube de Beisebol Texas Rangers. Sua eleição contra o democrata Al Gore foi marcada pela controvérsia a respeito da recontagem dos votos no estado da Flórida quando foi o quarto presidente eleito sem a maioria do voto popular (Trump é o quinto). Seu primeiro mandato foi marcado pelo ataque terrorista de 11 de setembro e pela invasão do Afeganistão, quando conseguiu o recorde de 90% de aprovação. Já o segundo mandato é lembrado pelo colapso da economia entre 2006 e 2008, quando o mercado imobiliário perdeu mais de 50% do seu valor e fez com que o presidente saísse do governo com apenas 34% de aprovação.

No Brasil, a gente já sabe que maus empresários não dão bons presidentes. A ex-presidenta Dilma, que na década de 90 faliu duas lojas do tipo 1.99, saiu do governo com aprovação de apenas 10% da população (número que agora nem parece tão pequeno frente aos 3 a 6% de aprovação de Michel Temer). Mas será que bons empresários seriam capazes de navegar pelos meandros das negociações políticas e serem bons presidentes para o país? A contar pela história dos EUA, é pouco provável.

Renata K. Velloso Médica, formada em administração pública, vive e trabalha na Califórnia.Referências:

https://www.bankrate.com/finance/politics/businessmen-as-us-president-1.aspx https://www.vox.com/policy-and-politics/2016/11/11/13587532/donald-trump-no-experience

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