Brasil e sua insegurança jurídica: como investir aqui?

Olhando para o curto prazo, o período compreendido entre a eleição de Jair Bolsonaro e os dias de hoje mostra uma certa reversão de expectativas no que tange ao crescimento da economia. Houve quem dissesse no último trimestre de 2018 que “o mínimo que o PIB cresce em 2019 é 3%”. Viramos o ano, mudanças estão sendo tocadas, mas a cada nova semana vemos no Boletim Focus uma redução nas expectativas para o crescimento em 2019. Em artigos anteriores discutimos o porquê do Brasil ter dificuldades de crescimento – gasto e consumo, de curto prazo, estão estrangulados, enquanto a saída é de prazo maior e chama-se investimento. Neste, discutiremos outro aspecto que nos prende a um crescimento baixo: a insegurança jurídica.

Insegurança jurídica é um termo geralmente de ampla discussão e pouco alvo. Neste texto, definir-se-á como sendo a união entre o desrespeito a regras e contratos (pelos agentes sujeitos a eles) com a alteração intensa nas regras do jogo (por quem as organiza e coloca em prática). Em nosso país, esse fenômeno recorrente desincentiva novos investimentos. Vamos a alguns exemplos.

A empresa Rappi, um verdadeiro “delivery de tudo”, é um sucesso em grandes cidades. Serviço que permite que até compras de supermercado sejam feitas por alguém e entregues em sua casa. De um lado, uma praticidade a quem pode pagar por ela. De outro lado, uma oportunidade de fazer dinheiro por quem está precisando. Boa ideia, não? Aparentemente não para a prefeitura de São Paulo, que discute proibir o serviço de entregas que cobre – o que deixaria em situação bastante complicada a Rappi, que foi recentemente avaliada em US$2,5 bilhões pelo SoftBank. Se essa medida realmente vira realidade, a empresa passa a depender mais de lobby com a prefeitura do que de sua prestação de serviços para seguir em frente.

A Crocs, empresa de sapatos, passou por certos apuros recentemente com o Carf. A história beira ao surrealismo. Fiscais da Receita Federal, da Câmara de Comércio Exterior (Camex) e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) se debruçaram sobre a indispensável pergunta: “Crocs é sandália de borracha ou sapato impermeável?”. O motivo: a depender do NCM em que se encaixasse, haveria uma tributação diferente. Detalhe importante: a empresa havia se formalizado com o NCM de tributação maior e estava sendo punida por isso – ao que, por certa racionalidade, o correto seria, caso confirmada a mudança para tributação menor, que fosse reembolsada no que pagou a mais. Outro detalhe: produtos retidos no porto de Santos enquanto não se resolveu. Quer mais insanidade? Esse caso ocorreu em 2016 e, no ano seguinte, outro auditor fiscal disse que, na verdade, estava correto o NCM inicial. Imagine quanto tempo se perdeu entre advogados e tributaristas enquanto se poderia ganhar pensando em estratégias comerciais.

Extintor ABC, Kit de Primeiros Socorros, Simulador de Auto-Escola… São inúmeros os casos de exigências que passam a ocorrer, depois desaparecem e deixam a ver navios quem minimamente espera por previsibilidade para investir ou fazer negócios. Isso sem falar em quando não ocorre também o questionamento de contratos feitos, assinados e estabelecidos – contrariando o que deveriam ser os contratos, verdadeiras leis entre as partes.

A insegurança jurídica é uma dificuldade que demora muito a ser revertida, está longe de ser questão de curto prazo e ajuda a exemplificar em termos práticos a clássica frase de Tom Jobim: “o Brasil não é para amadores”. Tenha certeza: crescemos menos que nossos pares em desenvolvimento, dentre outros motivos, por este.

Artigo originalmente publicado na revista Associação do Comércio e Indústria de Franca

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