Capitalismo de quadrilha: o problema dos incentivos e da moral

Nos últimos anos, o Brasil importou um tipo de sistema econômico muito comum na Rússia e na China: Capitalismo de Quadrilha.

Este termo, que foi mais bem empregado pelo economista Gustavo Franco, refere-se ao inglês Comrade Capitalism (Capitalismo de Compadrio). A Reuters já fez um ótimo trabalho acerca deste tipo de capitalismo na Rússia[1].

Pois bem, como disse Franco[2]: esse capitalismo de quadrilhas, comparsas, gangues, máfias, laços ou companheiros, assume variadas vestimentas ideológicas, conforme o contexto. Meros disfarces e sua lógica é simples: a pilhagem. O aumento da presença do Estado, com gastos públicos ineficientes e questionáveis, com o forte aumento da presença de “amigos do rei” e benefícios seletivos, desaguando em esquemas que começam a ser desmascarados na Operação Lava Jato e que são reflexos deste tipo de capitalismo.

Podemos fazer uma analogia com o Filme “O Poderoso Chefão”. A história você conhece: trata de uma quadrilha familiar que, por meio da troca de favores, se perpetua no poder em Nova York. Vale lembrar que a quadrilha era encabeçada por um líder (primeiramente Don Vito Corleone, depois seu filho Don Michael Corleone). De forma semelhante ao filme, o Capitalismo de Quadrilha, por sua vez, trata da relação incestuosa, via troca de favores (e incentivos econômicos), entre setor público e privado, encabeçado por um líder (que aqui pode ser desde a figura de Lula/Dilma até o próprio PT em si). As negociações para se perpetuar no poder envolviam 39 partidos da coalizão, além de diversas empresas – como foi o caso da Odebrecht, por exemplo, que parasitava nos cofres públicos.

A corrupção ganha chances de se proliferar num Estado grande e interventor, reflexo desse Capitalismo de Quadrilha.

Bom, então basta diminuir o poder do Estado e a corrupção perderá espaço? De fato, há alguns estudos que indicam que onde há maior liberdade econômica, com menor presença do Estado, há menos corrupção[3].

Mas tenho a impressão que, embora correta, esta impressão não é o bastante para acabar com a corrupção. A liberdade econômica pode ser condição necessária, mas não suficiente para a queda da corrupção.

Talvez uma elucidação mais profunda da corrupção deva ser feita, alertando sobre sua raiz na fraqueza da educação moral no país, e, por que não, da educação em si. Para tanto, utilizaremos uma mistura de hedonismo e utilitarismo, onde maximiza-se o prazer e diminui-se a dor.

Comecemos com Freakonomics[4]: seres humanos respondem a incentivos

Esta conclusão não é originaria de Steven Levitt, autor de Freakonomics, mas seu livro certamente abrirá seus olhos para esta ideia de uma forma mais profunda.

Entender os incentivos é a chave para abrir as portas do castelo das situações cotidianas que costumamos analisar pelo senso comum, ou como diria J.K. Galbraith pela “sabedoria convencional”. O nosso tema, a corrupção, nos poderia fazer refletir sobre o que leva as pessoas a roubarem. Ai então se concluiria: aqui há corruptos por que há sensação de impunidade. Bom, esta resposta também não é o bastante (assim como da liberdade econômica) pois, existem pessoas que estão (ou que se estivessem) em iguais condições e não roubam.

Aqui entra o papel dos incentivos.

Os incentivos são uma alavanca, uma chave, que dita o rumo das nossas deliberações, principalmente em busca da maximização de nosso prazer individual. Você sabe que se correr acima da velocidade permitida em uma via fiscalizada você levará multa.  Mas tomar uma multa para poder chegar no horário certo de uma entrevista de emprego num dia que você saiu atrasado pode até ser compreensível, não é mesmo? O pano de fundo continua sendo a maximização do prazer.

Esta maximização do prazer responde a três tipos de sabores: econômico, moral e social.

Muitas vezes um único incentivo acompanha as três variedades, de forma negativa ou positiva. A corrupção responde a estes incentivos.

Normalmente o incentivo econômico deve superar o risco de ser pego e preso (o que geraria um incentivo moral negativo). Se pensarmos, a possibilidade de acabar preso e perder emprego, casa e liberdade – punições de caráter econômico – é um incentivo de peso. Ainda assim, a corrupção gera prazeres que superam os incentivos sociais de não querer ser visto preso. São também os incentivos sociais de melhor padrão de vida ou pelo melhor aporte de capital para as próximas campanhas que pretende-se vencer.

Mas mais do que isto, a corrupção suprime os incentivos morais, como o de não cometer um ato considerado errado. Você vai contra seus próprios princípios. Os incentivos econômicos e sociais te levam a flexibilizar seus princípios, no que podemos chamar de ética à la carte, moral líquida, valores customizados. A moral líquida é o melhor exemplo. Se o caminho para o sucesso for uma jarra, você cabe. Se o caminho para o sucesso for um copo você cabe também. A corrupção pressupõe uma moral líquida.

Mas então devemos pensar: como reduzir incentivo econômico e social desta situação para reduzir a corrupção? Devemos arbitrá-los pelo medo? Pelo aumento do risco de ser pego?

Bem, voltando ao caso da multa e dos radares … quando estão diante da repressão dos radares, o que costuma fazer o motorista? Acelera no trecho sem radar e diminui a velocidade no trecho em que pode ser flagrado. No próximo radar e ele acelera e diminui, e depois no outro novamente acelera e diminui. Ele costuma agir adequadamente em função da repressão, ou do incentivo econômico da multa. Moral líquida.

Nada disso seria necessário se tivéssemos uma sociedade com moral adequada, porque ai cada um, diante dos incentivos, saberia responder de uma forma mais adequada de acordo com a ética.

A ética é o que nos separa dos animais, que são uma eterna busca pelo prazer. Prazer, é um valor que te ajuda o tempo inteiro. Platão, descrevendo a apologia de Sócrates, define este valor como a redução do desconforto físico de existir. Come-se para diminuir a fome, bebe-se para diminuir a sede. O prazer gerencia sua existência, como diria Erving Goffman.

Mas se todos buscássemos maximizar o nosso prazer o tempo todo, o mundo seria um caos. Uma guerra de todos contra todos. Nesse sentido entra a ética, que te dá o poder de deliberar. Esta é uma opção que deveríamos saber usar com melhor clareza. Com melhor proveito.

O aperfeiçoamento da repressão é uma forma isoladamente eficaz de diminuir a corrupção, de dar incentivos morais, econômicos e sociais para não efetua-la. Mas creio que haveria outra maneira de resolver o problema: bastaria que tivesse uma moral suficientemente desenvolvida para não atentar contra o coletivo. Portanto, no ato de corromper, o incentivo que atingiria sua moral deveria ser suficiente para não fazê-lo.

O problema da multa, que é um empecilho em situações normais mas pode ser perfeitamente compreensível numa situação de entrevista de emprego (abrindo espaço para um acidente), e isso me faz lembrar de a uma história contada por Platão em A República, quando ele narra a lenda do pastor Giges, no Mito do Anel de Giges:

Num dia qualquer, após uma tempestade, uma fenda se abre no chão e o rebanho do pastor Giges é engolido. Ele resolve entrar na fenda e encontra, no fundo do abismo, o cadáver de um gigante, que trazia apenas um anel em um dedo. Giges coloca o anel e este lhe dá o poder da invisibilidade. Eufórico com a descoberta, Giges vai ao palácio e, estando lá, coloca o anel e fica invisível. Agora, longe de qualquer punição, Giges seduz a rainha, assassina o rei e usurpa o trono, iniciando sua longa dinastia.

Platão nos conta que, ao desfrutar da invisibilidade e movido pelo desejo de poder, o pastor passa a agir sem escrúpulos, seduz, rouba e mata. Os incentivos sociais e econômicos vencem o incentivo moral. Além disso, o filósofo nos propõe a seguinte questão: os homens são bons por escolha própria ou simplesmente porque temem ser descobertos e punidos?

Na esfera pública, o meio de impedir que os políticos tenham seu anel de Giges tem sido a transparência de seus atos e a punição de algum desvio. Em dados momentos, os corruptos imaginam ter achado o anel de Giges e acreditam que não serão pegos nem atingidos pela punição. Somente um louco cometeria atos de corrupção se tivesse a certeza de que seria descoberto, processado e punido. Seguramente, os malfeitores fazem cálculos e agem apostando na probabilidade de não serem pegos. De vez em quando, eles erram no cálculo e a justiça funciona.

A ética é um incentivo para a moral que nos fazer agir de tal forma que, mesmo em situações que pudéssemos ser invisíveis, continuaríamos íntegros e honestos aos valores que são os nossos.

Bom, esta parte do texto provavelmente você irá pensar: mais um utopista.

Como liberal, eu tenho que defendê-la. A regulação excessiva comprime a liberdade.

Voltando à questão de como reduzir a corrupção, há uma maneira de controlar via repressão e há outra maneira de atacar a corrupção por meios não-repressivos, fazendo investimentos de uma educação moral. A escola desde o princípio deveria oferecer subsídios cognitivos de conhecimento, para que o aluno tenha condições de deliberação moral.

No entanto, lamentavelmente quem fala da importância da ética não tem condições de perceber que a ética pressupõe competência reflexiva, pressupõem reportório, pressupõe domínio de certos princípios que são da esfera do pensamento, que são da esfera da formação escolar e intelectual.

Por que deveríamos esperar grandes performances de reflexão na hora de deliberar ou na hora de quais incentivos atender, quando alguém assume e um cargo público. Por que esperar resultados melhor?

Temos uma formação escolar sucateada e, portanto, isso tem consequências em tudo que é campo da reflexão e do conhecimento. A educação não serve apenas para melhorar a produtividade de um país, mas também para melhorar a sua organização e convivência.

Mas eu sei a longa jornada que isto levaria. Por hora, fiquemos com os mecanismos repressivos que incentivam o contrário da corrupção. Mas saibam que não é a mais adequada.

Quando um dos principais debates sobre como combater a corrupção é a independência da Polícia Federal e não da melhora da educação, fica claro que a sociedade pouco aprendeu e que o Capitalismo de Quadrilha ficará encubado apenas por tempo determinado, até que consiga agrupar novos membros que hoje fazem parte do sistema que os reprimi.

Juntamente com a liberdade econômica, a melhora da educação moral é fundamental para acabar com o Capitalismo de Quadrilha e com outras formas de corrupção, por menores que sejam. As pedaladas de Dilma, muito antes de exercerem um incentivo econômico (garantiu espaço para gastos) e social (garantiu as eleições), ela obstruiu o frágil canal dos incentivos morais que ainda restavam na presidente. Defendê-la dizendo que ela fez pelos mais pobres, além de ingenuidade, é compactuar com um crime.

Ainda assim, o autor de Freakonomics nos dá um tapa na cara: o moralismo representa a forma como as pessoas gostariam que o mundo funcionasse, enquanto a economia representa a forma como ele realmente funciona.

Arthur

Editor Terraço Econômico

[1] http://www.reuters.com/investigates/section/comrade-capitalism/

[2] http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,capitalismo-companheiro,1714862

[3] http://ordemlivre.org/posts/quer-diminuir-a-corrupcao-no-brasil-tire-poder-das-maos-de-politicos

[4] Freakonomics – O lado oculto e inesperado de tudo que nos afeta. Levitt, Steven. Editora Campus, 2005.

Arthur Lula Mota

Mestre em Economia Aplicada pela Universidade de São Paulo (USP/ESALQ) e Bacharel em Economia pela Universidade Federal de São Paulo. Já trabalhou no mercado financeiro, auxiliando mesa de operações de fundos institucionais e departamento econômico com análises macroeconômicas.

2 Comentários

  1. O capitalismo de quadrilha só existe porque existem quadrilhas acobertadas por partidos políticos, ou, fantasiadas como tal.
    Defendo há 40 anos que a democracia será melhor exercida sem a intermediação de partidos políticos. Eles são desnecessários. A escolha de candidatos, que é uma das prerrogativas dessas quadrilhas, pode ser feita perfeitamente pelos eleitores. As quadrilhas só nos impõem candidatos com prontuário em vez de currículo. Daí ao eleito acobertar o roubo do dinheiro publico por parte do seu empregador (partido político), é só uma questão de oportunidade, e se ela não surge, eles criam.
    http://capitalismo-social.blogspot.com.br/2016/02/66-novo-sistema-eleitoral.html

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