Cem anos de revolução Russa: um conto de duas Alemanhas

Como a divisão geográfica, ideológica e institucional influenciou (e ainda influencia) o desenvolvimento Alemão.

Neste centenário de revolução Russa fica a pergunta: o que pode ser mais impactante economicamente? Passar por duas guerras mundiais ou extinguir os direitos de propriedade e a economia de mercado?

Avaliando o caso praticamente laboratorial das Alemanhas, a resposta parece começar a se estruturar. Em 1913, pouco antes da Primeira Guerra Mundial, da qual foi protagonista, a Alemanha tinha PIB per capita equivalente a 69% do Americano. Passados os horrores da guerra, em 1920 esta proporção cairia para 50%.

Apesar das imposições esdrúxulas do Tratado de Versalhes, que minariam profundamente a economia alemã, o país conseguiu, com todos os absurdos humanos e morais associados, se recuperar de maneira impressionante. Apenas 16 anos depois, em 1936, seu PIB per capita chegaria à mesma proporção pré-guerra em relação ao Estadunidense.

Tal vigor econômico, aliado a um forte revanchismo acirrado por lideranças políticas moralmente podres, colocaria o novamente poderoso complexo militar-industrial Alemão como protagonista de mais uma guerra em 1939.

A Segunda Guerra Mundial foi talvez ainda mais destrutiva para a economia Alemã, que dela saiu (felizmente) derrotada e (infelizmente) dividida em Oriental, sob domínio da URSS em uma ditadura socialista, e Ocidental, sob domínio de potencias Aliadas.

Segue-se, daí, um rol interessante de comparações que denotam a importância de certos pilares institucionais distintos entre ambos os sistemas.

Em 1936, as regiões que constituiriam anos mais tarde a Alemanha Oriental apresentavam PIB per capita agregado curiosamente maior, em pequena proporção, que aquele das regiões Alemãs Ocidentais e equivalente a 77% do PIB per capita Americano.

[caption id="attachment_11166" align="aligncenter" width="624"] Fonte: Banco Mundial[/caption]

Em 1950, 5 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, a riqueza por cabeça destas mesmas áreas, já integrantes oficialmente da Alemanha socialista, havia despencado 41% em relação aos níveis pré-guerra, caindo de 77% para 29% do PIB per capita Americano. O conflito também teve efeitos graves sobre a riqueza da Alemanha Ocidental, que se reduziu em 6% dos níveis pré-guerra e passou a equivaler a 45% da riqueza média Americana, mas estes foram certamente menores que no Oriente.

Nos anos 60 o PIB per Capita da Alemanha Ocidental voltaria, em proporção aos EUA, para os níveis pré-guerra, próximos a 70%, e já em 1973 chegaria a 79%. Neste mesmo período, a riqueza proporcional da Alemanha Soviética, próxima ao seu auge, equivaleria a apenas 46% da Americana.

Há de se considerar, obviamente, a importância do Plano Marshall sobre a Alemanha Ocidental pós-Segunda Guerra, mas, levando seus potenciais efeitos em conta, haveria de considerar também a recuperação de ambas as Alemanhas no período entre-guerras, em que não só não havia incentivos significativos como o Plano Marshall, mas se impunham, pelo contrário, restrições brutais via Versalhes. Mesmo em tal contexto, no entanto, em um forte sinal de que as diferenças no desenvolvimento econômico nas décadas seguintes não se deram por características inerentes às regiões, mas sim às instituições que as governavam, a Alemanha Oriental se recuperou rapidamente e inclusive superou, em PIB per Capita, as regiões Ocidentais no período imediatamente anterior à segunda guerra.

[caption id="attachment_11167" align="aligncenter" width="594"] Fonte: Banco Mundial[/caption]

Se na década de 30 ambas as Alemanhas haviam se recuperado de maneira bastante parelha de um evento cataclísmico como uma guerra mundial, com a Alemanha Oriental até mesmo se sobrepondo economicamente em pequeno grau à Ocidental, na época da reunificação pós-socialista, em 1990, o quadro era inverso e demonstrava contrastes assustadores.

No momento em que o Muro caiu, um Alemão Ocidental tinha em média 81% da riqueza de um Americano, contra 20% dos seus compatriotas ex-socialistas, o que equivale a dizer que a Alemanha capitalista era quase 400% mais rica, proporcionalmente, que os estados ex-soviéticos. O contingente empobrecido, de baixa produtividade, comparativamente baixa qualificação e criado em 40 anos de enormes diferenças culturais se tornaria um significativo problema social e econômico para a Alemanha moderna, que precisou injetar mais de dois trilhões em fundos para reduzir minimamente o até agora persistente gap social e econômico entre as duas regiões.

Apesar dos pesados investimentos feitos desde a queda do Muro, que levaram a um significativo, mas efêmero, catch-up nos anos 90 graças a imensos ganhos marginais disponíveis na realocação de capital e trabalho, e de quase 30 anos de reunificação, o PIB per capita da Alemanha Ocidental em 2016 ainda é uma vez e meia o da Alemanha Oriental. O processo de convergência entre as duas regiões, que havia sido relativamente intenso na primeira década de reunificação, desacelerou para ritmo quase nulo a partir dos anos 2000 e não dá sinais de retomada, mesmo com insistentes e muito dispendiosos esforços do governo Alemão.

Para referência, em 2016 o PIB per capita da Alemanha Oriental equivalia ao da Alemanha como um todo em 2004, enquanto o PIB per capita apenas da Alemanha Ocidental era maior que o do país inteiro hoje. Por mais estranho que isso pareça, é apenas o efeito negativo que o enorme déficit de produtividade dos estados ex-Soviéticos exerce sobre geração de riqueza proporcional do país como um todo quando agregados o produto e a população de ambas as regiões.

[caption id="attachment_11168" align="aligncenter" width="605"] Fonte: Banco Mundial[/caption]

Para trazer os números à nossa realidade tupiniquim, tropical, é como se a Alemanha Oriental estivesse a um Brasil de distância absoluta, em termos de PIB per capita, da sua irmã Ocidental. Proporcionalmente, comparar as duas Alemanhas pelo PIB per capita é quase como comparar o estado de São Paulo ao Mato Grosso do Sul.

Em resumo, a Alemanha levou cerca de 20 anos para se recuperar, como um todo, de guerras mundiais que a reduziram a pó, mas há 30 anos, apesar de ser uma das economias mais sólidas do planeta, não consegue superar definitivamente a destruição institucional e econômica promovida pelo Estado soviético na sua porção oriental. Assim, talvez mais prejudicial para o desenvolvimento que passar por duas Guerras Mundiais no seu próprio território em 20 anos, seja, de fato, passar por algumas décadas de ditadura socialista.

E olha que nem falamos sobre a península Coreana.

João Lisboa Economista pela Universidade de Brasília (UNB)

Notas: *Gk$ 1990 exceto para 2016 **Turíngia, Saxônia-Anhalt, Saxônia, Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, Brandemburgo, Berlin Oriental *** Demais estados Fontes: Bolt, J. & J. L. van Zanden (2014). The Maddison Project: collaborative research on historical national accounts. The Economic History Review, 67 (3): 627–651. Statistische Ämter des Bundes und Der Länder, Banco Mundial MADDISON, A. (2001). The world economy: a millennial perspective. Paris, France, Development Centre of the Organisation for Economic Co-operation and Development.

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