Como medidas para conter a inflação nem sempre dão resultado

A questão dos preços represados tem atormentado os economistas. Como eu escrevi em meu último texto, os preços administrados têm crescido menos que os preços livres. Esse desalinhamento não consegue se sustentar no longo prazo. Logo, há uma expectativa que a inflação suba em algum momento do tempo.

Apesar de o relatório Focus não detalhar, a expectativa de uma aceleração da inflação em 2015, mesmo com o aumento da taxa de juros, tem como principal componente a convergência dos preços administrados aos preços livres.  Conversas com economistas apontam para isso e a grande maioria acredita que esse evento certamente ocorrerá ano que vem após as eleições, seja com quem estiver no poder. [1]

No entanto, pensando sobre o assunto, fiquei curioso em saber outra coisa. Ao invés de reajustar essa defasagem de preços para frente, quanto é que seria a inflação no passado se não houvesse essa discrepância? Como é que seria o processo inflacionário sem as medidas do governo que ajudaram a inflação a permanecer dentro da banda estabelecida pelo regime de metas nesses últimos quatro anos? Nesse sentido, tentei fazer um exercício simples: eliminar qualquer medida do governo que fez com que a inflação caísse, mas teve em contrapartida uma piora no fiscal. Assim, poderia visualizar uma inflação “limpa” e enxergar de uma maneira melhor o processo inflacionário para frente.

As medidas foram várias. Começando com a mais óbvia: a manutenção dos preços da gasolina pela Petrobras. A queda do preço de energia na marra, anunciada por nossa presidente no começo do ano passado também entra no rol de medidas “desinflacionárias”. Da mesma forma, não podemos nos esquecer da redução do IPI para automóveis em meados de 2012 e por que não incluir a redução de IPI para linha branca e a desoneração da cesta básica entre diversas outras. Percebe-se que o pacote de medidas não foi pequeno e que ele não se limita em influenciar apenas os preços administrados. Por outro lado, para ser justo, houve medidas que resultaram no aumento da inflação como a elevação dos impostos sobre cigarros, que nesse caso também retirei no exercício.

Abaixo, mostro no gráfico a diferença entre a inflação passada oficial e a hipotética, tirando esses efeitos das medidas governamentais. Além disso, incorporo no gráfico minha projeção até dezembro de 2015 para ambas as curvas. Já a tabela discrimina os efeitos de cada medida retirados da inflação oficial (em bps):

Elaboração do autor

Elaboração do autor

Antes de tirar qualquer conclusão, cabe fazer algumas ressalvas:

  1. Não me preocupei muito com o timing exato das medidas. Portanto, o formato da curva pode ser que não esteja exatamente correto, apesar de se aproximar muito.
  2. A inflação ex-medidas pode estar superestimada, pois como o exercício apenas retira o impacto das medidas, não considerei outros fenômenos como a inércia da inflação nem um possível efeito renda (se gasto menos com gasolina, por exemplo, tenho renda disponível para consumir outros produtos e estimular a inflação desses outros bens).
  3. Por fim, nota-se que minha projeção original da inflação é bem alta (7% em 2014 e 6,6% em 2015). Acredito que sou a ponta mais pessimista do mercado, mesmo com várias casas do mercado financeiro terem projeções acima de 6,5% para 2014 e 2015.

Feitas as ressalvas, podemos ver que, se não fossem as medidas do governo, a inflação estaria num patamar mais alto hoje. Teria estourado o teto da meta de 6,5% em fevereiro de 2013, terminando em 7% no ano de 2013. Continuaria nessa região por quase toda a extensão de 2014, voltando para os limites da banda apenas em meados de 2015.

Entretanto, o lado positivo é que, olhando para frente, ela estaria acelerando menos como mostro em minhas projeções e haveria uma desaceleração forte (queda de mais de 1%) em 2015. O processo inflacionário não se apresentaria tão trágico como se apresenta hoje.

O meu ponto com esse exercício é que nem todas as medidas que trazem a inflação para baixo são desinflacionárias. O governo através de tais medidas piorou o processo inflacionário, fazendo com que ela como um todo, na verdade, subisse. Por outro lado, o argumento também vale como solução. A retirada dessas medidas não seria tão inflacionária como muito pensam. Lógico que no primeiro momento a inflação aumentará, mas o processo inflacionário poderá reagir de forma mais natural à alta da taxa de juros e teríamos, no final, uma inflação menor.

[1] http://www.valor.com.br/brasil/3537380/peso-das-tarifas-sobre-ipca-pode-ir-alem-de-2015

Victor Wong

 
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