Comparando estatais petroleiras: Noruega 7 x 1 Brasil (parte 1)

Não é de hoje que a campanha pela autonomia brasileira no campo do petróleo é tema latente nos debates entre progressistas [adeptos ao monopólio estatal] e ‘entreguistas’ [apelido carinhoso dado aos adeptos à abertura do mercado petrolífero ao capital privado e estrangeiro]. E, ao contrário do que pode parecer nos livros de história, essa discussão nasceu muito antes do slogan “O Petróleo é Nosso!” da campanha de Vargas em 1953.

Exércitos, marinhas, dinheiro e mesmo populações inteiras nada valem diante da falta de petróleo (…) a burocracia federal não perfura, nem deixa que se perfure (…)”.

O Escândalo do Petróleo – Monteiro Lobato

Um dos promotores desse debate, autor do nosso querido Sítio do Pica Pau Amarelo e nacionalista convicto, foi Monteiro Lobato, cujo livro O Escândalo do Petróleo (1936) era um protesto indignado sobre a inoperância e o descompromisso de um governo corrupto que deixava à revelia das empresas estrangeiras a exploração do petróleo em terras tupiniquins.

Lobato misturando ficção com realidade: incluía nas suas histórias infantis seus protestos e indignações

O debate durou alguns anos até que o #TeamLobato venceu.O monopólio estatal só acabou em 1995, quando o governo FHC aprovou a emenda constitucional seguida pela chamada Lei do Petróleo, que permitia ao capital estrangeiro atuar em todos os elos da cadeia do petróleo, realizando desde a prospecção e refino, até transporte. A partir daí, iniciou-se uma nova fase de licitações e aportes de investimentos privados estrangeiros, estimulando o crescimento e aprimoramento das técnicas do setor petrolífero brasileiro.

Art. 5o  As atividades econômicas de que trata o art. 4o desta Lei serão reguladas e fiscalizadas pela União e poderão ser exercidas, mediante concessão, autorização ou contratação sob o regime de partilha de produção, por empresas constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no País.

Essa fase durou até o fim do segundo mandato de Lula, quando voltam à tona os debates acerca do monopólio estatal, visto que os sentimentos nacionalistas estavam aflorados pelo início da exploração do pré-sal no Brasil em 2009.

Ao passo que os progressistas se baseavam no argumento principal de que as empresas estrangeiras remetem aos seus países de origem os dividendos e lucros obtidos, os ‘entreguistas’ rebatem dizendo que elas geram para o país de exploração, no caso o Brasil, royalties, fatias gordas de pagamento de impostos, empregos, crescimento e também transferência de tecnologia.

Porém, Lula achou que não valeria a pena correr o risco de desagradar a ala sindical da Petrobras, defensora ardorosa do monopólio estatal. Então, para não decepcionar os eleitores de sua futura sucessora Dilma e, de certa forma, aproveitar a oportunidade de resgatar os ideais de monopólio estatal, Lula suspendeu as rodadas de licitações para outras empresas privadas ou multinacionais.

O governo, então, mudou a legislação e viu escapar por entre seus dedos o momentum dos investimentos: a partir dali, seria obrigado que todos os campos de exploração de petróleo tivessem no mínimo 30% de sua operação sob o comando da Petrobras, isso sem mencionar a exploração do pré-sal brasileiro, que é de operação exclusiva da estatal.

Aproveitando o ensejo, vamos a alguns números do mastodonte “Petrossauro”:

O que esses números representam? Que a mão pesada do Estado está presente em todo o processo produtivo. Isso é ruim? O fato de ser ou não ser estatal não torna uma empresa fadada ao fracasso. Da mesma forma, privatizá-la não a torna imune à corrupção e má gestão. Qual a solução? Os professores Sérgio Lazzarini e Aldo Musacchio, em seu livro Reinventando o Capitalismo de Estado dizem: há muito mais modelos de negócios entre o privado e o estatal do que sugerem os debates polarizados. De acordo com os professores, a melhor solução para o Brasil seria a criação de um ambiente institucional robusto com uma agência reguladora forte. Com leis mais claras sobre a atuação das estatais, sobre papel do governo e sobre a nomeação de conselho e corpo executivo, a empresa fica menos suscetível a oscilações.

No caso brasileiro, temos a ANP, Agência Nacional do Petróleo, que em teoria deveria prezar por um ambiente institucional mais organizado e fiscalizado. Entretanto, na prática sua atuação está longe de ser considerada eficiente. E é graças à inoperância dessas agências que garantam o funcionamento das estatais independentemente das necessidades do Estado, que empresas do mundo todo, apesar de considerarem o Brasil uma enorme potência nos setores mineral e energético, pensam duas vezes antes de investir – ou porque temem o risco e alto custo de explorar petróleo no Brasil, ou porque estariam sujeitas às intervenções discricionárias do governo.

Enquanto de um lado temos multinacionais que reconhecem todo o potencial brasileiro, de outro, estamos assistindo à investigação do maior esquema [até agora] de lavagem e desvio de dinheiro, envolvendo a Petrobras, empreiteiras e políticos da baixa e alta cúpula. A Gigante Nacional não consegue lançar um balanço auditado e tem que vender ativos para pagar as contas.  É o escândalo do Petrolão. Pobre Lobato que por um aumentativo errou o título do seu livro.

Mas há no mundo estatais que estão indo “muito bem, obrigada” e que são benchmark em eficiência e desempenho das ações, principalmente ao saber lidar com o quadro de queda abrupta do preço do petróleo. Um exemplo cujas estratégias de mercado tem feito com que a empresa domine cada vez mais o setor petrolífero brasileiro é a estatal norueguesa Statoil.

A Statoil é uma estatal na qual simula o funcionamento de uma empresa privada: as regras que a guiam são geridas pela lógica do mercado. Ela não tem direito automático de exploração em todas as áreas da Noruega. Ou seja, ela pode decidir em quais licitações é benéfico para ela entrar, não tendo reserva de mercado. Além disso, o conselho dela é majoritariamente composto por pessoas não ligadas ao governo – o contrário da Petrobras, cujo conselho é composto por 70% de pessoas indicadas pelo governo.

Mas funcionar assim, como uma empresa privada, não faz com que a Statoil perca o objetivo principal de gerar bem estar social, crescimento e receita para o país. A gigante norueguesa paga mais de 78% do que arrecada na Noruega em impostos de renda – esse dinheiro compõe 67% do fundo soberano do país  que é o maior fundo soberano do mundo, com 460 bilhões de libras-. Com uma tributação dessas dimensões, a empresa não tem outra opção a não ser buscar sempre ter muito lucro. Quanto mais ela cresce, mais imposto ela paga ao país e assim gera mais bem-estar social.  Em entrevista, o presidente da Statoil Brasil afirmou: “Felizmente há uma razoável consenso entre os políticos noruegueses de que a competição é um valor inabalável. Sem eficiência não há petróleo”.

Recentemente, a estatal norueguesa anunciou, em parceria com a estatal chinesa Sinochem, a construção de uma nova plataforma na Bacia de Campos. A plataforma vai aumentar as reservas recuperáveis em cerca de 250 milhões de barris. Um investimento de mais de 3,5 bilhões de dólares. Mesmo o país apresentando um cenário desafiador para o setor de Oil & Gas, realocação de investimentos e diminuição de custos para manter uma margem de lucro competitiva foram os instrumentos utilizados pela Statoil para manter o Brasil como ponto estratégico de investimentos. Não é a toa, que hoje a norueguesa é a segunda maior petroleira no Brasil, logo atrás apenas da Petrobrás, pois esta possui a proteção da lei.

Partilha da exploração das Bacias dos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo. fonte: elaboração do autor

‘O mundo está atravessando a segunda etapa da crise internacional’, o Brasil enfrentando uma ‘crise climática’, a China tendo uma redução de crescimento para a metade, a Europa estagnada numa quase recessão – palavras da presidenta em seu último pronunciamento – pelo visto, isso tudo não tem sido impedimento para estas estatais na continuação dos seus projetos, na construção de plataformas, na criação de empregos, na geração de crescimento e na busca pelo domínio da tecnologia. Isso só confirma o fato de que uma estatal pode sim funcionar, se bem gerida e se não permitir que os problemas políticos provoquem uma ingerência no core bussiness da empresa.

Depois de lido e entendido seu contexto histórico e conjuntural, o que os números nos dizem? Neste primeiro texto, comparamos as estatais petroleiras, no próximo, vamos explicar o porquê 7 a 1. Como podemos entender a lógica do mercado estudando o comportamento das curvas de ações destas empresas? Aguardem a parte II.

Lara Siqueira (coautora deste artigo)

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