Era uma sexta-feira preguiçosa de poucas obrigações, exceto lavar roupa. Eu estava entediada, assistindo o barraco para escolha da presidência do Senado brasileiro, quando tive a ideia. E se eu comprar maconha?
A maconha recreacional foi legalizada na California, onde moro, ironicamente no mesmo pleito que elegeu Donald Trump em 2016. Talvez seja o que o universo chama de “lei das compensações”.
Mas como toda nova legislação, as coisas levaram um tempo para serem regulamentadas. Afinal, os agentes públicos precisavam definir como a proposição 64, que liberava o uso recreacional da substância, iria funcionar na prática. Políticos, advogados, empresários e representantes da sociedade debateram por dois anos e agora no início de 2019 a nova legislação finalmente entrou em vigor. Ou seja, desde o início do ano, quem tem mais de 21 anos, pode comprar maconha legalmente na Califórnia.
De volta para a minha história: Eu venho de uma família que, se não é 100% tradicional, é daquelas que considera usar drogas ilícitas como “coisa de marginal”. A primeira vez que vi um cigarro de maconha ao vivo, já tinha vivido mais de um quarto de século. Mesmo com a maconha medicinal legalizada na California, e eu sendo médica, nunca tinha comprado a erva. Não me parecia certo inventar uma queixa para um médico para conseguir uma prescrição, ainda que essas queixas fossem verdade. Crises de ansiedade? Quem não tem? Dor nas costas? Poxa, eu sofro sempre. Mas será que preciso de maconha pra “tratar” isso? Acho que não.
Mas agora a maconha recreacional é legal. Lendo os mais diversos estudos científicos a respeito, conclui que a maconha – se não faz bem – pelo menos não faz mais mal do que outras coisas que já usei ou uso, como bebidas alcoólicas, por exemplo.
Consciência e legislação tranquilas, vamos a prática: Eu tinha ouvido falar que o aplicativo Eaze – que entrega maconha em casa – estava disponível no meu cep na região de San Francisco. Então pensei: “Vamos ver se isso funciona mesmo”.
Baixei o aplicativo e escolhi um maço de maconha pré enrolada (minhas habilidades manuais são limitadas) da variedade “indica”. Esse é o tipo que deixa você feliz, tranquilo, relaxado, mas aumenta o apetite (não existe lanche grátis mesmo). Coloquei no carrinho e fui finalizar o pedido. Pediram uma foto da minha identidade. Fiz a foto no celular mesmo e enviei. Adicionei então o cartão de crédito e conclui o pedido. Esse processo todo deve ter durado, no máximo, uns 5 minutos. Assim que fiz o pedido recebi uma mensagem do aplicativo: “seu pedido deve chegar entre 10-12 minutos”. Não acreditei. Assim tão simples? Melhor que Uber eats!
Antes do prazo estipulado a campainha do meu apartamento tocou. Eu ainda estava com “bobs” quando o entregador chegou. Fui atender. Ele não aparentou achar meu visual esquisito. Apenas conferiu minha identidade e me entregou o produto. Estava me sentindo muito Narcos enquanto o entregador agia como se fosse a coisa mais normal do mundo entregar maconha num subúrbio nobre, para uma jovem senhora de bobs.
Abri o pacote e achei tudo super hipster. Bacana mesmo. Porém, levei um certo tempo para conseguir abrir a embalagem à prova de crianças. Mas depois de forçar um pouco a tampa…sucesso! Quatroze cigarro de maconha 100% premium, orgânicos, enrolados só para mim. Vinha até uma mini caixinha de fósforos junto. Se isso não é o máximo de “user experience” não sei mais o que pode ser…
Fumei meu baseado tranquilamente enquanto pensava em escrever esse artigo. Achei que vocês, que se interessam por economia como eu, iriam gostar de saber que o mercado de maconha na California deve atingir mais de 5 bilhões em 2019 e que pelo pelo menos 7 empresas ligadas ao setor devem abrir o capital em 2019. Vale dizer também que o comércio legalizado deve trazer muitos milhões de recursos em impostos para o Estado. Além, é claro, de alegria aos consumidores.
Fiz então algumas breves anotações para esse artigo, relaxei, fiquei tranquila e me lembrei que tinha deixado a roupa para secar na lavanderia do prédio. Nada é perfeito. Peguei a roupa e tranquilamente pedi para que a Alexa tocasse uma música clássica enquanto me punha a dobrá-las, vagarosamente. Às vezes acho que deveria assumir a função de embaixadora da California. Saúde!
Renata Kotscho Velloso Médica pela Unicamp, também com graduação em administração pública pela EAESP-FGV, vive e trabalha na Califórnia.
Referências: