Dadas as notícias recentes sobre o crescimento de movimentos anti-científicos que se opõem a vacinas e informações preocupantes sobre o ressurgimento de doenças controladas como sarampo, resolvi montar um modelo simples de contágio que utiliza redes de interação social para analisar como doenças se propagam e como tal propagação é influenciada pela cobertura de vacinação.
Em oposição a modelos de interação homogênea, que não conseguem capturar a complexidade das relações sociais, optei por usar um modelo de rede em que agentes interagem reciprocamente, formando grupos sociais próprios.
[caption id="attachment_12527" align="aligncenter" width="706"] Exemplo de execução do modelo em 10 períodos.[/caption]No modelo é definido um número S de agentes — sendo uma porcentagem destes vacinada — que interagem em um número N de períodos. No período 1 é introduzido um agente infectado em um ponto aleatório da rede. Este agente interagirá com agentes adjacentes, que, se não forem vacinados, podem se infectar com probabilidade P, que depende da quantidade de infectados na vizinhança.
No próximo período, todos os agentes interagem novamente entre si, elevando o risco de propagação.
Para gerar estatísticas mais confiáveis, reproduzi 30 redes aleatórias por 10 períodos para cada decil de vacinação e compilei os níveis de infecção. Os resultados podem ser vistos nos dois gráficos de barra.
Ao final do experimento, observou-se que com 10% de vacinação a média de infectados foi de 64% a uma variância de 900. Com 80% de vacinação — porcentagem de risco em termos de políticas públicas — a média de infectados foi de 2.25% a uma variância de 2.72.
Além da enorme diferença na porcentagem de infecções, o que chama a atenção é a queda acentuada da variância conforme a porcentagem de vacinados aumenta.
A alta variância do número de infectados para baixos níveis de vacinação tornou-se evidente ao longo do experimento quando, para um mesmo decil de cobertura, redes diferentes levavam a porcentagens de infectados que flutuavam entre 1% e 80%. A diferença entre os extremos estava basicamente na configuração aleatória da rede, na posição em que os poucos vacinados estavam e em onde estava o Paciente 0. Isto significa que ser infectado ou não por uma epidemia em um cenário de baixa vacinação depende da sorte de estar em uma posição favorável quanto ao ponto inicial da infecção, da sorte de não se infectar mesmo entrando em contato com um transmissor e, principalmente, de estar em uma posição protegida pelos raros vacinados da vizinhança.
Já em cenários de alta cobertura (90%), a variância na porcentagem de infectados foi mínima e a porcentagem máxima de infecções não ficou acima de 2% nos piores casos, o que correspondia, em números absolutos, a dois agentes, um obrigatoriamente infectado para iniciar o modelo e mais um outro imediatamente adjacente. Ou seja, além de ser um cenário mais seguro, em que epidemias são impossíveis de acontecer, a chance de não estar infectado ao final dos 10 períodos passou a ser praticamente independente de ter a sorte de ocupar um lugar favorável na rede.
Este resultado se explica pelo que se chama de imunização coletiva (ou de rebanho). Na imunização coletiva, altas taxas de cobertura de vacinação criam um escudo sanitário (uma externalidade positiva) que isola certos grupos (caronas) do contato com uma determinada doença. A depender da configuração da rede social, por vezes a vacinação de um único indivíduo pode levar à proteção de centenas de não-vacinados — como os exemplos ilustrados mostram — e impedir até mesmo uma epidemia.
Este é um mecanismo importante e eficiente por si só, mas se torna ainda mais relevante quando consideramos que, em geral, os beneficiados pela imunização coletiva tendem a ser as pessoas mais frágeis da rede. São as crianças pequenas demais para tomar determinadas vacinas, são aqueles com algum tipo de imunodeficiência, são os alérgicos a vacinas, são os idosos, os internados, os que fazem quimioterapia, os que estão em radioterapia, os usuários crônicos de corticoides, os imunossuprimidos em geral, os poucos que, por algum motivo genético, não respondem a vacinas e tantos outros.
[caption id="attachment_12530" align="aligncenter" width="773"] Exemplo de escudo sanitário promovido pela vacinação. Os não-vacinados nas áreas em verde estão protegidos por indivíduos vacinados.[/caption]A vida destas pessoas, que podem ser seus amigos, filhos, netos, sobrinhos, pais, mães, avós e avôs muitas vezes depende de uma única pessoa – possivelmente você – ser vacinada.
Por isso, deixar de se vacinar ou de vacinar seus filhos não é só um problema seu, não é uma decisão isolada, egoísta; é um problema social, coletivo, que pode custar uma quantidade incalculável de vidas.
Curiosamente, para além de epidemias, este modelo de propagação de doenças poderia ser adaptado para ilustrar a propagação de desinformações ao longo de um arranjo social. Levando em conta que a imunização coletiva depende de elevadas porcentagens de cobertura e que a decisão de vacinar alguém ou de se vacinar envolve considerações de custo/benefício, fica claro que quase tão importante quanto evitar a propagação da doença em si é evitar o contágio por informação falsa, que desestimula a vacinação ao associar a vacinação custos ilusórios (como autismo, intoxicação por mercúrio, controle populacional ou outras asneiras) e desassociar benefícios reais.
Assim, além de fazer a sua parte em cumprir todo o calendário de vacinação, é importantíssimo tornar-se “vacinado” contra desinformação, parando de propagar anti-ciência que possa prejudicar a cobertura de imunidade.
Sim, vacinas podem gerar reações adversas como qualquer outro tipo de medicamento, mas estas são conhecidas, são levadas em consideração para grupos de risco específicos (que passam a depender da imunização de outras pessoas), têm baixíssima incidência e são muitíssimo menos relevantes que os benefícios individuais e coletivos gerados pela vacinação.
Ainda, independentemente de qualquer reação adversa menor cientificamente verificada em vacinas consideradas seguras para uso, é importante saber e difundir que vacinas NÃO causam autismo (o artigo que alegou isso nos anos 90 foi depois rejeitado pelo próprio journal que o publicou por ser cientificamente inconsistente), vacinas NÃO causam intoxicação por alumínio, NÃO existe “sobrecarga de vacinas” e nenhuma das outras baboseiras difundidas por celebridades e outros irresponsáveis faz sentido.
Exceto no caso daquelas pessoas para as quais há alguma contraindicação médica, cientificamente comprovada, que as impeça de receber vacinas e as tornem dependentes da imunização dos demais, o único grande risco associado à vacinação é justamente o de não se vacinar. Portanto, seja responsável por você e por todo mundo, vacine e ajude a vacinar.
João Lisboa Economista pela Universidade de Brasília (UNB) Outras Simulações e Demais Informações [caption id="attachment_12586" align="aligncenter" width="358"] Média[/caption][caption id="attachment_12587" align="aligncenter" width="357"] Variância[/caption]
[caption id="attachment_12589" align="aligncenter" width="400"] 28% de vacinados[/caption]
[caption id="attachment_12590" align="aligncenter" width="400"] 40% de Vacinados[/caption]
[caption id="attachment_12591" align="aligncenter" width="400"] 50% de Vacinados[/caption]
[caption id="attachment_12592" align="aligncenter" width="400"] 60% de Vacinados[/caption]
[caption id="attachment_12593" align="aligncenter" width="400"] 80% de vacinados[/caption]