No dia 31 de dezembro de 2019 a OMS (Organização Mundial da Saúde) divulgou o primeiro alerta sobre casos de pneumonia que, até então, ainda não haviam sido identificados como Coronavírus. No final de fevereiro, foi oficialmente reportado o primeiro caso de COVID-19 no Brasil, e, até o momento, o enfrentamento da pandemia se tornou um desafio para a maior parte dos países do mundo, fazendo com que líderes ao redor do globo, como a Chanceler da Alemanha, Angela Merkel, equipara-se a situação a um estado de guerra. Em termos econômicos, os principais desafios enfrentados são a suspensão da produção no país, em razão das medidas de isolamento para lidar com a propagação do vírus, e o redirecionamento de prioridades de gastos do orçamento em serviços e materiais para auxiliar no combate à doença.
A situação imposta pela pandemia engendra um contraste com a realidade anterior das principais economias da América Latina, pautadas em sua maior parte pelo controle de gastos, a famigerada austeridade. A situação de austeridade nessas economias também se reflete nas dificuldades em se adotar medidas fiscais e de isolamento social que as principais economias do mundo aderiram.
Grandes potências europeias anunciaram massivos pacotes de incentivo fiscal para auxílio de empresas e de seus cidadãos. No mesmo sentido, os Estados Unidos acabaram de liberar um pacote de incentivo de trilhões de dólares para a economia, o que gera um aumento na cobrança popular aos governos latino-americanos, para o estabelecimento de políticas de apoio emergencial. Diante desse quadro, surge o questionamento sobre quais medidas estão sendo adotadas pelas principais economias da América Latina.
Em um primeiro momento, quando a propagação do vírus estava em alta em alguns países Europeus, boa parte dos economistas brasileiros já apontavam para a necessidade de uma renda mínima que atendesse à população vulnerável e microempreendedores individuais. O ex-presidente do Banco Central Brasileiro, Armínio Fraga, destacava a necessidade de um auxílio financeiro que contemplasse essa população os quais seriam os mais afetados pelo isolamento horizontal.
“As pessoas precisam saber que, durante esta crise, terão dinheiro para comprar comida” — Armínio Fraga.
Em 02 de abril foi sancionada a lei 13.982/20, no Brasil, que concede um auxílio em três parcelas no valor de 600 reais durante três meses, sujeitos à ampliação do prazo. A Argentina, Chile e Colômbia também seguiram o mesmo viés, estabelecendo um auxílio à população.
No Chile, o governo de Sebastián Piñera adotou um Plano Econômico Emergencial dividido em três eixos, sendo um deles o apoio à renda familiar, contemplando àqueles que se encontram registrados no Subsídio Familiar e no Serviço de Habitação e Urbanização no valor de 50 mil pesos chilenos, aproximadamente R$ 300,00, o que atende em torno de 60% da população vulnerável.
Em relação à Argentina, foi instituído um auxílio àqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade, no valor de 10 mil pesos argentinos, cerca de R$ 790,00, além de bônus, para aposentados, profissionais da saúde e para cadastrados no programa de subsídio à gravidez e crianças. A Colômbia, também, instituiu um auxílio emergencial à população carente no valor de 160 mil pesos colombianos, em torno de R$ 214,00 reais. Na contramão, dos outros países, o governo do México não emitiu nenhuma medida concreta de apoio financeiro à sua população.
Fica evidente que a regra do controle de gastos foi deixada de lado em prol do amparo à população vulnerável. A princípio, os governos latinos estão adotando políticas monetárias de injeção de moeda no sistema financeiro. Essa política possibilita um aumento do crédito concedido às empresas que, em períodos de crise, demandam mais liquidez (moeda). Fica claro que a saída fiscal ainda não é uma opção com exceção, novamente, do México, com sua política de gastos sociais no setor de infraestrutura de aeroportos, trens e refinarias, com o objetivo de fomentar 2 milhões de novos empregos.
Um ponto que se destoa entre as medidas adotadas por Chile, Colômbia, Brasil e Argentina em comparação ao México são as políticas de crédito a micro, pequenas e médias empresas, que serão as mais afetadas pelo isolamento. Todos os países citados oferecem linhas de crédito, entretanto, o México fixou o valor máximo de 25 mil pesos para as pequenas empresas o equivalente a R$ 5.481,00. No Brasil, a medida de apoio será feita via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES), direcionando cerca de R$ 55 bilhões às empresas. O Chile deslocou 24 bilhões de pesos chilenos, quase 10% do PIB. O financiamento chileno pode chegar a 1 milhão de pesos para cada empresa, levando em consideração o seu volume de vendas.
A facilitação de crédito é importante, pois possibilita às empresas o acesso a recursos para pagamento de suas dívidas de curto prazo, anteriores à crise, e ao pagamento de seus custos fixos, englobando os salários de seus colaboradores. Dessa forma, o efeito sobre capital físico e humano das empresas pode ser mitigado, possibilitando uma retomada rápida e plena de seus negócios.
Ao contrário do que está sendo mencionado no debate contemporâneo, não existe dilema entre economia e saúde. Enquanto a medicina fica por conta de apontar quais recursos são necessários durante esse período de crise, a economia atua no sentido de alocá-los de forma a se obter o maior proveito possível. Assim sendo, não há dualidade entre as áreas.
É dever da economia e dos seus agentes ativos, estudar a melhor maneira de direcionar os recursos essenciais para realizar a gestão na crise. Nesse sentido, os esforços para ampliar recursos hospitalares parecem constituir a corrida garantidora de amparo aos números crescentes de casos da COVID-19.
As principais economias latinas não se destacam pelo sistema de saúde anterior ao vírus, salvo o Chile, com o investimento anual per capita (por cabeça) de US$ 2.229,00. Desta forma, faz-se mister a criação de medidas que aumentem recursos financeiros para aquisição de insumos hospitalares e materiais para testes.
Apesar de liderar o investimento bruto em saúde na América Latina, o Brasil apresenta um investimento per capita ainda baixo, se comparado ao Chile. Uma das medidas adotadas por algumas economias latinas foi zerar a tarifa de importação de produtos que combatem o coronavírus, ao exemplo do Brasil, Argentina e Colômbia. Segundo os pesquisadores do Grupo Banco Mundial, cerca de 17 produtos fazem parte do pacote necessário para lidar com a COVID-19. Conforme reportado na pesquisa, o correto deveria ser uma livre circulação desses produtos. Os pesquisadores ainda apontam que uma medida mais efetiva seria a redução dessas tarifas, pois mudanças temporárias de políticas tarifárias podem fazer com que os exportadores ficam relutantes em adentrar nesses mercados.
Os esforços realizados pelas principais economias da América Latina seguem a mesma trajetória de países que apresentavam quadros econômicos melhores no pré-crise. Isso é positivo no ponto de vista da incerteza, pois é um evento global, em que as decisões tomadas durante o momento serão essenciais em um período de recuperação, mesmo com o provável aumento vertiginoso na despesa pública para o financiamento desse tipo de política. O futuro se realiza ao passar pelo crepúsculo, sendo a incerteza sobre os fatos a materialização do obscuro, sendo assim Jean Baptiste Massillon foi assertivo ao dizer:
“A incerteza dos acontecimentos, sempre mais difícil de suportar do que o próprio acontecimento”.
Renzo Heli Rodrigues
Estudante do curso de Economia da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Mateus Moreira de Jesus Ferreira
Estudante do curso de Economia da Universidade Federal de Juiz de Fora.