Corrupção: questão de incentivos

Você no Terraço | por Caio Augusto de Oliveira Rodrigues

 

Muito se fala no Brasil – e talvez mais hoje do que em outros tempos – que a corrupção é um problema tipicamente brasileiro. O ato de cometer ilícitos não é algo “da natureza do brasileiro”, mas sim do ser humano (afinal, como diria Mario Sergio Cortella: “a ocasião não faz o ladrão, apenas o identifica”). Entretanto, é preciso admitir que o Brasil e seu sistema político tenham certas condições que fazem com que exista uma maior “identificação de ladrões”, na média – em 2014 o nosso país ocupava a 69ª posição no Índice de Percepção da Corrupção [1].

Acredito que possam ser definidas como sendo razões da corrupção no Brasil – por mais ambicioso que pareça ser tentar definir algo tão complexo – as seguintes quatro:

  • Política é profissão: o sistema político brasileiro é representativo (o que significa que aqueles que se dispõem a estar nele estão necessariamente se dispondo a representar algum grupo), mas aqueles que estão lá para supostamente representar não são “parte de um todo”, mas sim “profissionais em política”; parece complicado, mas é simples: quase todos aqueles que estão lá “pela classe profissional X” estão, na verdade, por si mesmos lá posicionados e, no fim da contas, além de passarem a vida toda em mandatos políticos (e não exercendo profissões), acabam por “passar o cajado” para as próximas gerações – veja o caso dos Sarney, dos Barbalho, dos Richa, assim por diante: uma tradição desde a colonização do Brasil [2]; pessoalmente, acredito que a representatividade seja algo por um período, para que o cidadão possa realmente auxiliar um grupo específico – e não algo ad infinitum, com um propósito que mais parece profissão do que representação; no Brasil, política é profissão, e uma profissão de pouquíssimo apreço social [3] – tanto é que inclusive existe uma iniciativa no país que trata de tentar acabar com o chamado “político profissional”[4];
  • O desgosto do brasileiro com a política realiza uma certa seleção adversa: mesmo sendo uma nobre arte (segundo pensa o Papa Francisco, por exemplo) que é tão capaz de causar mudanças consideráveis na vida dos cidadãos quando bem exercida, devido à sua alcunha de “apenas atrair pessoas de má índole”, aqueles que mais se sentem preparados para representar algum grupo geralmente o fazem por meio de associações da sociedade civil, procurando não ter suas imagens vinculadas aos meios políticos, inclusive ressaltando que não está na política porque “sabe de seu próprio valor” ou “não quer enriquecer facilmente como os políticos fazem”; no fim das contas, em geral, mesmo aqueles que acabam direcionando-se para a política por realmente acreditarem que podem gerar efeitos positivos acabam desistindo após um ou dois mandatos (por pressão daqueles que participam de esquemas dos quais eles se recusam a participar, ou mesmo no caso de simplesmente discordar dos ilícitos que eventualmente vem a presenciar, por exemplo) e, após essa “peneira”, sobram aqueles que não se importam com a fama que a política tem – o que inclui os que trabalham corretamente e não cometem ilícitos e também aqueles que estampam os jornais em escândalos de corrupção;
  • Remuneração alta (direta e indireta, legal e ilegal) e baixa cobrança popular perto da quantidade de benefício que podem gerar (o que resulta em um considerável rent-seeking): já ia me esquecendo de um terceiro tipo a ser citado dentro de “pessoas que se direcionam para a política”: os que buscam o enriquecimento; estes são os políticos que recheiam os cadernos de jornais nos dias de hoje em incontáveis escândalos: não ligam para a má fama que a política tem e, ao entrarem no business, por perceberem que não há devido acompanhamento popular (exceto por observatórios de política, que costumam ser regionais) entram em qualquer esquema que forem convidados mesmo levando em consideração que já recebem como salário e benefícios um alto montante financeiro; isso ocorre muito provavelmente porque…
  • A relação custo-benefício beneficia a atuação criminosa: parece papo de economista, mas toda decisão a ser tomada – seja por uma pessoa física ou jurídica – nos faz pensar em alguma relação de custo-benefício, mesmo que instintivamente; no caso da política brasileira, o custo de se estar em um esquema de corrupção é relativamente baixo no tocante a punição (mesmo em tempos de Lava Jato, Zelotes e afins; como disse a The Economist [5], a justiça brasileira é estranha: trata os suspeitos de forma bastante severa e os culpados de maneira muito leniente), enquanto o benefício aparece como sendo um destaque; uma vez que os agentes são movidos por incentivos, presume-se que, sob essas condições, é possível imaginar que um indivíduo que esteja na política e tenha qualquer vontade de “descobrir-se ladrão” o faça sem menores problemas ou constrangimentos.

Admito novamente que é algo bastante ambicioso tentar abarcar os problemas de corrupção brasileira com apenas quatro razões interligadas, mas, ligando os pontos sobre os fatos que observamos na mídia acerca de todos estes escândalos que acompanhamos, é possível ir descobrindo cada um destes motivos como sendo responsáveis pela caótica situação (quando não acabamos vendo todos de uma só vez).

Com isso, concluo que há sim motivos de se investigarem crimes ocorridos por políticos no Brasil – e há que se punir severamente aqueles que forem comprovadamente pegos em escândalos ou mesmo na ocorrência do menor dos atos que venham a ferir a lei. Entretanto, se o trabalho da Polícia Federal, da Justiça e do Ministério Público não quiser virar um eterno “enxugar gelo”, é preciso mover constitucionalmente os incentivos que atualmente existem na política brasileira; faz sentido levar adiante a ideia de que políticos são representantes de um grupo e não “profissionais de representação” (o que provavelmente reduziria o status da política de “lugar de gente desonesta”), assim como também analisar “as caixinhas do gasto público” (citando Otaviano Canuto [6]) no tocante aos direcionamentos de recursos feitos pelos políticos e ainda trabalhar para tornar a punição sobre aqueles que cometem ilícitos mais severa (por exemplo tornando a corrupção um crime hediondo, como sugere o Ministério Público [7]). Pode parecer exagerado, mas não vejo um caminho diferente para tentar mudar a política no Brasil – até porque, se impeachment de presidente resolvesse toda essa situação, desde 1992 teríamos uma quantidade nula de problemas no cenário político brasileiro. * **

 

Caio Augusto de Oliveira Rodrigues

Graduando em Economia Empresarial e Controladoria (habilitação em Economia com ênfase em Políticas Públicas) na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto

Notas: [1]          http://congressoemfoco.uol.com.br/opiniao/colunistas/brasil-ocupa-69%C2%BA-lugar-no-indice-de-percepcao-da-corrupcao/ [2]          http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2013/11/11/familias-dominam-politica-brasileira-desde-a-colonizacao.htm [3] http://economia.uol.com.br/noticias/infomoney/2014/05/13/veja-lista-das-profissoes-mais-confiaveis-politicos-ficam-com-lanterna.htm [4]          http://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/128515105/fim-do-politico-profissional [5]          http://www.economist.com/news/americas/21679861-courts-treat-suspects-too-harshly-and-convicts-too-leniently-weird-justice [6]          https://www.youtube.com/watch?v=as5_mTfDEw8 [7]          http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/03/1605688-pacote-do-mpf-quer-aumentar-pena-e-tornar-corrupcao-crime-hediondo.shtml

*Observação importante: este texto de maneira alguma afirma que não deve seguir em frente o processo de impeachment de Dilma Rousseff; tendo sido comprovado pelo TCU a existência de um crime de responsabilidade contra a Lei de Responsabilidade Fiscal por parte da presidente em 2014 (com fortes indícios de que siga ocorrendo em 2015) e tendo sido aceito pela presidência da câmara dos deputados um pedido de impeachment com essa justificativa, para mim é importante que este siga adiante; o que este texto objetiva é fazer uma reflexão sobre como podemos pensar sobre política diante do caótico cenário em que nos encontramos, tentando de alguma maneira diminuir essas infelizes ocorrências de corrupção.

**Outra observação importante: existem políticos passíveis de corrupção em todos partidos políticos dadas as condições apresentadas, que se encaixam ao mundo da política como todo – e, parafraseando Leandro Karnal, eu seria bastante feliz se toda a corrupção existente no país estivesse concentrada em apenas um partido, pois assim saberíamos que a solução mais fácil seria apenas extinguí-lo da face da Terra.

Caio Augusto

Formado em Economia Empresarial e Controladoria pela Universidade de São Paulo (FEA-RP), atualmente cursando o MBA de Gestão Empresarial na FGV. Gosta de discutir economia , política e finanças pessoais de maneira descontraída, simples sem ser simplista. Trabalha como diretor financeiro de negócios familiares no interior de São Paulo e arquiva suas publicações no WordPress Questão de Incentivos. É bastante interessado nos campos de políticas públicas e incentivos econômicos.

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