O governo francês adotou uma lei de emergência sanitária no dia 23 de março de 2020 [1] para lidar com a epidemia de Covid-19 que se propaga atualmente no país.
O objetivo é adaptar temporariamente as normas legais atualmente em vigor para limitar a propagação do vírus e apoiar a economia francesa durante este período de crise.
Os direitos e deveres dos empregados foram, portanto, modificados em diversos aspectos.
A proteção dos funcionários
A maioria dos funcionários são expostos a riscos de contaminação no local de trabalho.
Foi por esse motivo que, após a passagem à fase 3 da epidemia do Covid-19 no dia 14 de março de 2020 [2], o teletrabalho (ou Home Office) – entendido como o trabalho realizado à distância, geralmente em casa – se tornou a norma para todos os empregos que o permitem.
Agora o empregador é obrigado a por seus funcionários em teletrabalho quando for compatível com as atividades da empresa.
O que acontece quando o teletrabalho não é possível?
Neste caso, o empregador deve adaptar as condições de trabalho de seus empregados para assim garantir sua segurança.
O Código do Trabalho francês já obriga o empregador a garantir a segurança e proteger a saúde física e moral dos trabalhadores (artigo L.4121-1).
Em tempos de crise de saúde, o empregador é obrigado a reavaliar os riscos presentes na empresa, a fim de verificar se as medidas de proteção que ele costuma implementar ainda são adequadas. Se não for o caso, o empregador terá que tomar as medidas necessárias para evitar, ou limitar o risco de contaminação pelo vírus ao nível mais baixo possível.
O Ministério do Trabalho francês emitiu um documento de recomendações nacionais no dia 2 de abril de 2020 que detalha estas medidas [3]. O empregador tem, por exemplo, a obrigação de assegurar o cumprimento das regras de distanciamento entre os funcionários; disponibilizar sabonetes, géis e lenços de papel; reduzir o agrupamento de empregados em pequenos espaços; desinfectar as instalações, etc.
Quanto ao empregado, ele deve cumprir as instruções dadas por seu empregador e cuidar, de acordo com sua formação e suas possibilidades, de sua saúde e segurança, assim como as de outras pessoas ao seu redor (artigo L.4122-1 do Código do Trabalho).
O empregado pode exercer seu direito de retirada (“droit de retrait”) ?
O chamado “droit de retrait” no direito francês permite ao empregado interromper o trabalho dele em caso de perigo grave e iminente a sua vida ou saúde e está previsto no artigo L.4131-1 do Código do Trabalho.
A dificuldade está na definição de “perigo grave e iminente“, que depende da apreciação do empregado e de sua situação particular.
Geralmente, um perigo é “grave” se representar uma ameaça à vida ou à saúde do trabalhador (uma doença ou acidente grave ou mesmo fatal). É “iminente” se o risco puder ocorrer imediatamente ou dentro de um curto período de tempo.
No contexto do coronavírus, o governo emitiu recomendações nacionais aos empregadores para proteger a saúde dos trabalhadores contra o vírus (cf. página 1).
Portanto, se o empregador implementou as disposições do Código do Trabalho e as recomendações nacionais, o direito de retirada poderá dificilmente ser invocado pelo empregado.
A duração do trabalho
Na França, o tempo de trabalho legal para funcionários em tempo integral é de 35 horas por semana, salvo acordos coletivos de trabalho contrários. As horas trabalhadas acima desse tempo são consideradas horas extras.
No entanto, o Código do Trabalho estabelece um tempo máximo de trabalho efetivo de 10 horas por dia, e 44 horas por semana durante um período de 12 semanas consecutivas (com um máximo de 48 horas para uma semana), salvo derrogações especiais.
O governo adaptou a legislação sobre o tempo de trabalho durante esse período de crise sanitaria no dia 25 de março de 2020 [4], para permitir a algumas atividades essenciais de enfrentar a epidemia do Covid-19.
Atualmente é possível, em determinadas empresas de setores de atividade necessários à segurança nacional e à continuidade econômica e social (a ser determinadas por decreto), derrogar ao horário máximo de trabalho previsto no Código do Trabalho, aumentando o horário de trabalho para 12 horas diárias e 60 horas semanais, desde que o horário semanal de trabalho calculado durante um período de 12 semanas consecutivas não exceda 48 horas (44 horas para os trabalhadores noturnos).
Estes setores também têm a possibilidade de modificar as regras em termos de descanso compensatório (“repos compensateur”), fazendo os funcionários trabalharem os domingos e reduzindo os períodos mínimos de descanso entre dois dias úteis.
Os empregadores que façam uso dessas derrogações devem informar o Comitê Social e Econômico e o Diretor Regional da Empresa, Concorrência, Consumo, Trabalho e Emprego, sem demora e por qualquer meio.
As férias pagas (« congés payés »)
Na França, o empregador define o prazo para tirar férias e a ordem de partida e não pode, salvo em circunstâncias excepcionais, alterar a ordem e as datas de partida menos de um mês antes da data de partida prevista (art. L.3141-16 do Código do Trabalho).
Agora, a legislação autoriza o empregador a impor aos seus funcionários a tirar 6 dias de férias pagas – contínuas ou fracionadas – ou a modificar unilateralmente as datas das férias sem ser obrigado a respeitar um período de pré-aviso de um mês [5]. No entanto, esta opção está sujeita à conclusão de um contrato de empresa ou sectorial (“accord d’entreprise ou accord de branche”).
Além disso, o empregador pode impor livremente aos seus empregados dias de descanso que eles acumularam, no limite de dez dias máximo.
Essas novas disposições poderam ser aplicadas até o dia 31 de dezembro de 2020, assim como as relativas ao prolongamento do horário de trabalho.
A interrupção do trabalho
No contexto da crise atual, diversas situações podem levar um empregado a suspender a execução de seu contrato de trabalho.
A guarda dos filhos
Quando o empregado não tem solução para guardar seu filho menor de 16 anos cuja escola esta fechada durante esse período de confinamento, ele deve informar seu empregador, a fim de considerar os arranjos de teletrabalho que poderiam ser colocados em prática.
Se o teletrabalho não for compatível com as atividades da empresa, ou se o empregador se recusa a implementá-lo por justo motivo, o empregado poderá ser obrigado a tirar férias pagas nas condições descritas acima.
Se nenhuma dessas soluções for possível, o empregado poderá ser colocado em interrupção de trabalho (“arrêt de travail”) indenizado pelo seguro saúde para cuidar de seus filhos em casa. No entanto, apenas um dos pais pode receber uma interrupção de trabalho para cuidar dos filhos.
O empregador deve declarar a interrupção do trabalho ao seguro saúde (“Sécurité Sociale”).
Essa interrupção, que pode durar inicialmente até 21 dias, é renovável quantas vezes for necessário, dependendo da duração do confinamento.
A suspensão das atividades da empresa
Algumas empresas foram forçadas a fechar durante esse período de crise.
De fato, o governo proibiu viagens e atividades que geram reuniões públicas (lojas, restaurantes, shows, cinema, etc.) para evitar a disseminação do vírus.
Além disso, algumas empresas para as quais o teletrabalho não é compatível com a natureza de suas atividades, foram forçadas a suspender – parcialmente ou totalmente – seu funcionamento.
Os funcionários que se encontram tecnicamente desempregados continuarão a receber salário?
Fornecer trabalho ao empregado é uma obrigação do empregador. Se não fizer, ele ainda é obrigado a pagar-lhe 100% da sua remuneração e não pode, em circunstância alguma, reduzi-la com o argumento de que não tem trabalho suficiente para ele.
No entanto, o empregador tem a possibilidade de recorrer à atividade parcial quando encontra dificuldades econômicas temporárias para obter a assunção de parte dos salários pelo Estado.
Nos períodos de desemprego parcial (“chômage partiel”), o empregado recebe uma indenização paga pelo empregador, na data habitual de pagamento do salário, correspondente a 70% do salário bruto por hora de desemprego, ou seja, aproximadamente 84% do salário horário líquido. Essa remuneração não pode ser inferior ao salário mínimo (“SMIC”).
O decreto de 25 de março de 2020 [6] simplificou o procedimento de solicitação do dispositivo de atividade parcial sem, no entanto, generalizar o sistema, que é avaliado caso a caso. Em caso de recusa, o empregador será obrigado a pagar 100% da sua remuneração ao empregado.
Mas atenção, um empregador não pode pedir a um empregado “teletralhar” se ele esta no desemprego parcial. Isso é uma fraude assimilada a um trabalho ilegal. De fato, o contrato de trabalho do empregado é suspenso – totalmente ou parcialmente – durante o período de atividade parcial.
No entanto, os empregados em atividade parcial que querem ajudar setores essenciais nesse período de crise (na área da saúde, do comércio de alimentos, do transporte, etc.) são incentivados a fazê-lo desde que seu contrato de trabalho não contenha cláusula de exclusividade, e que respeitam as disposições do Código do Trabalho (informação prévia do empregador, obrigação de não concorrência, horário de trabalho, entre outros).
O artigo L.8241-1 do Código do Trabalho permite ao empregado em situação de desemprego parcial combinar a indenização da atividade parcial com a remuneração do outro emprego.
A Pôle Emploi [7] criou uma plataforma de mobilização de emprego para quem procura emprego, que lista as ofertas disponíveis nos setores prioritários [8].
Os desempregados no fim dos seus direitos
A fim de não penalizar os candidatos a emprego que terão dificuldade em encontrar um trabalho neste período de crise sanitária, o governo decidiu estender seus direitos ao subsídio de desemprego durante todo o período do confinamento [9].
Os candidatos a emprego cujos direitos expiraram devem, no entanto, continuar a atualizar sua situação no site da Pôle emploi para se beneficiarem desta extensão.
Que recurso os empregados têm no caso de conflito com seu empregador neste período de crise?
O sistema judiciário francês se encontra atualmente parado e apenas as situações de extrema urgência (no domínio do direito penal em particular) são ainda examinadas pelos tribunais.
A data para o reinício das atividades judiciais ainda é indeterminada e os tribunais não poderão proferir suas decisões por um período de tempo muito longo.
Os funcionários têm, portanto, todo interesse em favorecer canais amigáveis para a resolução de suas disputas – também conhecidos como métodos alternativos de resolução de disputas – a fim de obter uma resposta rápida e adaptada à sua situação.
Neste sentido, os empregados podem, em particular, recorrer ao procedimento de mediação, recorrendo a um terceiro neutro, independente e imparcial, chamado mediador (“médiateur”), cujo papel é restabelecer o diálogo entre as partes e facilitar o surgimento de um acordo entre elas para pôr um fim à sua disputa ; ou negociar diretamente com seu empregador, com a assistência de um advogado que assegurará a preservação dos interesses de seu cliente na busca de uma solução negociada com a outra parte.
Aviso: este artigo foi atualizado no dia 9 de abril de 2020 e diz respeito a medidas provisórias que podem ter sido modificadas desde então.
Célina Guichenduc
Inscrita na Ordem dos Advogados de Paris, Célina Guichenduc é advogada no escritório Lutran & Associés localizado em Paris desde 2019 e atua principalmente em litígios empresariais, direito do trabalho e direito de família. Email: [email protected] / www.lutran-associes.com
Notas
[1] Lei n° 2020-290 do dia 23 de março de 2020
[2] A fase 3 da epidemia significa que o vírus está circulando ativamente no território nacional e dá origem à aplicação
de novas medidas de ação coletiva para conter a sua propagação
[3] https://travail-emploi.gouv.fr/IMG/pdf/covid19_obligations_employeur.pdf
[4] Ordem n° 2020-323 do dia 25 de março de 2020
[5] Ordem n° 2020-323 do dia 25 de março de 2020
[6] Decreto do dia 25 de março de 2020 n°2020-325
[7] A Pôle Emploi é a um serviço público que cuida das pessoas desempregadas na França
[8] https://mobilisationemploi.gouv.fr/#/accueil
[9] Ordem do dia 25 de março de 2020 n° 2020-324