Imagine um país controlado por uma elite política patrimonialista cujo único propósito é o de dilapidar o próprio Estado em nome de seus interesses pessoais. Imagine que esse país adota uma série de políticas econômicas desastrosas que, em última consequência, condenam o país ao atraso e sua própria população a uma situação de miséria.
Pense que o governo desse país é completamente indiferente ao sofrimento de seu povo e continua a implantar as mesmas políticas desastrosas que levaram ao empobrecimento geral unicamente para agradar as elites que o controlam e defender os privilégios daqueles que estão perto do poder. Imagine uma nação que literalmente hipoteca o futuro de seus cidadãos ao arruinar as contas públicas e transferir o ônus dessa ruína ao povo.
Esse cenário “COMPLETAMENTE ESTRANHO” ao povo brasileiro, que nunca encontrou igual na história de nossa gloriosa nação, já aconteceu antes na história, em uma nação que um dia foi próspera e sinônimo da magnificência da civilização européia: a França. Mais especificamente, o REINO da França.
Nesse artigo irei abordar a catástrofe fiscal que destruiu o que um dia foi a nação mais poderosa da Europa continental. Como um país outrora rico caiu na mais horrenda miséria e, mais importante, como tal cenário levou a uma dos acontecimentos mais caóticos da história ocidental, a Revolução Francesa.
Escrevo esse artigo, o primeiro de uma pequena série, não somente para aqueles interessados em história econômica ou política fiscal, mas sobretudo para aquelas nações que, em meio a uma crise fiscal, acreditam que podem adiar os ajustes e hipotecar o futuro de seus cidadãos para a defesa de privilégios sem nenhuma consequência de longo prazo.
I-LE CONSEIL GÉNÉRAL:
Uma coisa a ser notada no estudo dos episódios de política fiscal ao longo da história é a interessante relação entre crises fiscais e revoltas sociais. Um exemplo claro disso, já citado aqui e bastante famoso nas narrativas históricas, é o caso dos abusos sofridos pelo povo inglês nas mãos do Rei John Lackland da Casa Angevin. O Rei John, mais conhecido como João Sem-Terra, governou a Inglaterra após dar um golpe de estado em seu irmão Richard I “The Lionheart” quando este partiu para lutar na Terceira Cruzada.
O reinado de John foi marcado por uma séria crise de legitimidade, uma vez que os lordes viam sua ascensão ao trono como ilegítima e imoral dada sua natureza. Para reverter isso, o Rei Sem-Terra se utilizou de incursões militares para reconquistar os antigos ducados da Normandia e da Aquitânia, outrora pertencentes a sua casa. Para financiar isso ele aumentou a carga tributária sobre os camponeses e nobres para financiar seus exércitos e reduziu a quantidade de metais preciosos por moeda como forma de expandir a base monetária e usá-la para pagar seus gastos.
Como consequência, muitos plebeus e mesmo nobres enfrentaram sérios problemas com o aumento de preço e a falta de produtos básicos e se revoltaram contra o Rei, seja na forma de banditismo (brilhantemente ilustrado pela lenda de Robin Hood), seja na forma de rebeliões políticas.
No fim, os lordes acabaram vendo as ações de John como uma violação dos antigos direitos ingleses e, após a Primeira Guerra dos Barões, o Rei Sem-Terra foi forçado a assinar um documento restringindo seus poderes em 1215.
Revoltas semelhante ocorreram por toda a Europa tanto na Idade Média quanto na Era Moderna. Elas ocorriam geralmente em razão da cobrança arbitral de nobres e monarcas de tributos vistos como injustos ou do uso abusivo dos antigos direitos feudais.
Muitas dessas revoltas foram bem sucedidas, como a Revolta Helvética contra a Casa Habsburgo em 1291, mas muitas também foram desastres completos, como as Guerras Hussitas de 1419. Porém, nenhuma dessas revoltas deixou tantas marcas (boas e ruins) e influenciou tanto o Ocidente quanto a revolta dos franceses contra a Casa Bourbon e o Reino da França em 1789.
Muitos historiadores podem ver isso como um exagero criado a partir da expansão da ideologia da revolução pelo mundo ocidental, porém isso é uma afirmação dita não sem bases para tal. Várias razões podem ser apontadas para se dar esse grau de importância ao caso francês [1]. Em primeiro lugar, a revolução se deu na nação mais populosa da Europa Ocidental à época; em 1789 cerca de um em cada cinco europeus era francês. Em segundo lugar, ela foi, diferentemente das revoltas anteriores, uma rebelião social de massas extremamente radical e que colocaria em xeque todas as instituições sociais precedentes, ao ponto que mesmo ingleses radicais como Thomas Paine eram considerados como conservadores moderados em Paris. E em terceiro lugar ela seria, diferentemente de revoluções como a americana, uma revolta cujo objetivo não seria apenas mudar o governo mas sim colapsar por completo as instituições sociais que davam sentido à própria sociedade francesa.
Todavia, falar das causas dessa revolta não é uma tarefa fácil. Muitos historiadores divergem sobre a interpretação das causas gerais do declínio do Antigo Regime assim como divergem sobre as causas da queda do Império Romano. Ademais, aqui usaremos a interpretação dada por Sargent e Velde de que a causa imediata da Revolução Francesa foi a crise fiscal de 1788 [2].
Por cerca de 70 anos antes desse evento, a França seria confrontada com uma série de crises semelhantes, todas causadas pela incompetência da coroa em adaptar as políticas fiscais utilizadas na Grã-Bretanha desde 1688.
II-O ANTIGO REGIME:
Porém, antes de se falar da crise propriamente dita, é importante para o correto entendimento do cenário em questão, uma devida explicação do funcionamento do sistema socioeconômico do Antigo Regime. Sem esse entendimento todo estudo das causas gerais da revolução francesa se torna confuso e não atingiria a profundidade necessária.
Durante boa parte do século XVII e por todo século XVIII a França foi a maior rival econômica da Grã-Bretanha. Seu comércio cresceu por quatro entre 1720 e 1780 e seu sistema colonial era bem mais avançado e sofisticado em sua administração do que o sistema britânico.
Porém, diferentemente da liberal Grã-Bretanha que passava por sua primeira fase de revolução industrial, a economia francesa ainda seguia os moldes das antigas aristocracias absolutistas da Europa e tinha como principal atividade econômica a agricultura [1].
A agricultura era tão marcante na economia francesa que sua primeira linhagem de economistas, os fisiocratas, acreditavam que toda a riqueza de uma nação emanava da terra. Existe uma visão de senso-comum que acredita que a França desse período era marcada por uma intensa concentração de terras nas mãos de nobres e do clero e que os camponeses eram submetidos à servidão. Todavia, essa é uma visão extremamente errônea.
Na França do Antigo Regime, diferentemente de países como o Sacro-Império ou a Monarquia de Habsburgo, a servidão havia sido a muito abolida e os camponeses eram livres para comprar, produzir e vender o que bem queriam. O camponês francês dessa época era um proprietário rural e a divisão da terra já havia sido feita bem antes da revolução [2]. Todavia, por mais que já possuíssem cerca de 40% das terras, a maioria dos camponeses era desprovida de terra e tinha que trabalhar nas propriedades de algum nobre e mesmo as que possuíam eram pouco produtivas devido ao atraso técnico pelo qual a França passava em relação à liberal Grã-Bretanha [1].
Segundo Smith, a razão dessa defasagem técnica eram as políticas de proteção setorial e as regulações sobre o setor agrícola aplicadas pelo ministro das finanças de Luís XIV, Jean-Baptiste Colbert. O ministro, para baratear as provisões dos habitantes das cidades, proibiu totalmente a exportação de cereais, e assim excluiu a população campesina de todo mercado exterior para a de longe mais importante parte da produção de seu trabalho.
Essa proibição, juntamente com as restrições impostas pelas antigas leis provinciais sobre o transporte de grãos de uma província para outra, e também com os tributos arbitrários e degradantes aplicados aos agricultores em quase toda as províncias, desestimulou e reprimiu a agricultura da França num nível muito abaixo daquele que atingiria normalmente num solo tão fértil e num clima tão favorável [4].
Os direitos feudais eram exatamente os mesmos das outras monarquias europeias e muitas vezes eram mais brandos do que em outras localidades da Europa. A corveia senhorial, uma obrigação dos camponeses para trabalhar nas terras da nobreza, era mais rara e leve do que no Sacro-Império.
Parte dos impostos cobrados era de arrendamento. Esse imposto era cobrado pelo Conselho do Rei sobre as companhias financeiras e determinava as condições contratuais e o modo de arrendamento de uma determinada terra.
Todas as outras taxas, como a talha (imposto pago desde tempos medievais para a defesa do Reino ou do feudo), a capitação (imposto cobrado sobre o capital das famílias burguesas) e o formariage (imposto pago por um plebeu para se casar com alguém de outro feudo) eram determinadas e arrecadadas diretamente pelos agentes da administração central.
Era o Conselho que determinava o montante a ser arrecadado. Na França ainda existia a estranha instituição do “tax farming”. Segundo ela uma firma, chamada de fermes générales, podia comprar os direitos do monopólio da cobrança de impostos de uma dada região desde que pagasse à coroa uma determinada meta de arrecadação fiscal [2].
Contudo que essa privatização da coleta de impostos possa parecer estranha para algumas pessoas, ela é um instrumento de administração pública extremamente antigo. Suas origens remontam à República Romana, onde o Senado vendia a cada cinco anos os direitos de cobrar impostos, a vectigalia, das províncias a um grupo de pessoas, os publicani, como forma de arrecadar receitas para financiar as legiões.
Esse modelo era extremamente eficiente, pois resolvia um problema de assimetria de informação e risco moral enfrentado na relação entre coletor e governo, pois os interesses imediatos do coletor de impostos podem não ser alinhados com aqueles do governo e aquele deixe de maximizar a arrecadação de impostos em consequência disso.
O sistema de “tax farming” alinhava os incentivos, pois quanto mais o publicani arrecadasse em impostos, mais ele conseguia reter para si após pagar a meta estipulada pelo governo. Outra forma de tributação bastante exótica na França do Antigo Regime, segundo Sargent e Velde, era a régie, uma forma de tributação sobre os ganhos e propriedades ganhos por funcionários públicos durante o período de serviço.
As cidades no Reino da França tinham uma grande liberdade administrativa desde a Idade Média. Elas podiam formular suas próprias leis, organizar-se no sistema político que bem entendessem e até mesmo cunhar suas próprias moedas. Todavia, elas não tinham liberdade fiscal para cobrar impostos. Desde a ascensão ao trono da Casa Bourbon essa liberdade havia sido revogada como uma forma da coroa extrair os ganhos dessas cidades e financiar seus gastos [3].
Segundo Hobsbawn, os nobres franceses contavam com aproximadamente 400.000 pessoas e gozavam de vários privilégios, como a isenção de vários impostos e o direito de receber tributos feudais. Eles dependiam essencialmente da renda de suas propriedades ou das adquiridas por vias de casamento com as filhas de ou com ricos mercadores [1].
Durante os momentos mais agudos da crise fiscal monetária do Antigo Regime, os nobres tentaram neutralizar o declínio de suas rendas face à inflação utilizando seus direitos feudais para extorquir tributos do campesinato. Uma profissão surgiu justamente para validar esses direitos feudais, os advogados feudistas, e muitas vezes eles ampliavam o escopo desses direitos para maximizar a extração tributária.
Agora que detalhamos a estrutura socioeconômica francesa do Antigo Regime, podemos focar propriamente nos problemas fiscais que levaram à sua queda e resultaram na Revolução Francesa de 1789.
III-O DESASTRE FISCAL MERCANTILISTA:
Historicamente, os problemas fiscais franceses começam no reinado de Luís XIV de Bourbon, o autoproclamado “Rei Sol”. Muitas pessoas pensam, erroneamente, que o grande endividamento do reinado de Luís XIV se deveu a seus gastos extravagantes com a construção do Palácio de Versailles e os luxos da corte. Mas esses gastos respondiam por apenas 6% do total de gastos do Reino [1].
A maior parte da dívida acumulada pela França durante esse período decorria das aventuras militares do monarca. A Casa Bourbon nesse período tentou violar o equilíbrio de poder estabelecido pela Paz de Vestfália de 1648 engajando em uma série de guerras com todas as potências vizinhas para se firmar como poder hegemônico da Europa Ocidental [5].
Essa ambição da monarquia francesa se seguiria mesmo após a derrota francesa na Guerra de Sucessão Espanhola de 1701. Boa parte da crise fiscal francesa foi resultado de seu envolvimento em uma série de guerras desastrosas: a Guerra dos Nove Anos de 1688–97, a Guerra de Sucessão Espanhola de 1701–14, a Guerra de Sucessão Austríaca de 1741–48, a Guerra dos Sete Anos de 1756–63 e a Guerra de Independência Americana de 1776–83.
Como resultado, seu filho, Luís XV, herdou uma dívida imensa e uma situação financeira calamitosa. Para solucionar esse problema, o regente real, Phillip d’Orléans, contatou o especulador inglês John Law para solucionar os problemas financeiros do Reino.
Antes disso o governo havia tentando fazer um auditoria da dívida, que cancelou muitos dos títulos públicos( ou seja, deram calote), porém, mesmo assim, milhões de novas notas promissórias com juros embutidos, chamadas de billets d‘etat, ainda tinham que ser emitidas para o pagamento do déficit corrente da coroa [6].
Quando Law foi chamado para solucionar esse problema seu plano era usar a experiência que havia adquirido no mercado financeiro holandês para criar um banco que iria emitir papel-moeda para pagar a dívida do governo e reanimar a economia francesa. Para isso, ele e o ministro das finanças René d’Argenson criaram o Banque Royale( o banco central do Reino da França) e a Companhia do Mississipi. Essa companhia poderia emitir ações e receberia o monopólio do comércio com a colônia da Louisiana, onde essas ações seriam compradas pelo Banque Royale e usadas para lastrear notas bancárias emitidas juntamente com uma quantidade de ouro.
O banco usaria essas notas para consolidar a dívida pública e aumentar a quantidade de moeda em circulação sob a promessa de que qualquer pessoa poderia converter sua nota em dividendos da Companhia ou em ouro, coisa que Law acreditava que iria revitalizar o comércio interno da França.
O resultado porém é que o valor das ações, apreciado por sua relativa importância de uso como lastro do banco central, subiu para além do valor dos resultado concretos da Companhia do Mississipi e logo se formou uma bolha. Quando essa estourou, ocorreu uma corrida bancária que causou ao Banque Royale uma série de perdas e que acabaria por causar uma crise bancária. Em consequência desta, a França se afundou ainda mais em crise, falindo diversos nobres que acreditaram nas promessas de Law e fazendo o especulador fugir às pressas para Bruxelas [7].
Assim, a dívida aumentou ainda mais em resultado de agora a coroa francesa, além de ter que pagar seus compromissos de guerra, ter que pagar as obrigações das notas bancárias emitidas por seu banco central. A situação de degradação fiscal francesa é melhor vista quando comparada com a situação britânica durante o mesmo período.
Mesmo participando juntas, de lados opostos, dos conflitos citados, os endividamentos resultantes para Grã-Bretanha e França eram totalmente diferentes; sendo que a França tinha uma relação dívida-receita 20% maior que a dos britânicos no período 1700–1720 e os gastos passavam 20% da renda nacional no mesmo período [2]. O modelo britânico diferia do francês por contar com instituições fiscais mais flexíveis do que os rígidos modelos mercantilistas das monarquias absolutistas.
Durante as guerras, os impostos eram elevados para financiar devidamente os empréstimos. Depois da guerra, a dívida restante era consolidada em anuidades perpétuas( os já citados ”perpétuos”) e os impostos eram elevados mais ainda para pagar os serviços da dívida. Durante os 100 que se seguiram à Revolução Gloriosa o sistema se provou eficaz, pois a Grã-bretanha nunca deixaria de honrar os compromissos de sua dívida. Isso reflete a existência de instituições que dão credibilidade ao Estado. Os reis britânicos detinham o poder executivo, mas era o Parlamento que controlava o orçamento e votava a abolição ou criação de tributos.
Diferentemente da Grã-Bretanha, a França era uma monarquia absolutista onde o rei poderia criar e executar ações com base na antiga instituição do Arrêis du Conseil, que lhe dava poder executivo e legislativo máximo. O parlamento, que existia mesmo assim, só poderia revogar ou aprovar uma lei por meio de redemonstração, enviando uma petição ao rei. Caso esse aceitasse, segundo a instituição do Lit de Justice, seria convocado um segundo parlamento presidido pelo próprio rei, onde esse teria poder de voto final.
IV-O CAOS E O LEVANTAR DAS BANDEIRAS VERMELHAS:
Durante o reinado de Luís XV os problemas fiscais foram solucionados por meio de calotes e aumentos de impostos gerais, sobretudo para o campesinato, e por meio da venda de previlégios e cargos públicos para ricos mercadores; conhecidos como noblese de robe por usar esses cargos públicos para ascender à nobreza.
Porém, seu neto Luís XVI encontrou mais dificuldade em enfrentar esse problema. Em um ato de desespero ele indicou o liberal Barão de l’Aulne, Anne Robert Jacques Turgot, como ministro das finanças. Turgot foi um brilhante economista liberal, amigo de Adam Smith quando esse esteve na França a serviço do jovem Duque de Buccleauch, e escreveu tratados sobre moeda e a natureza do capital e sua circulação, sendo o primeiro a formular a noção de utilidade marginal decrescente.
Ele foi levado ao liberalismo por influência de seu amigo Jacques Claude Marie, o Visconde de Gournay, e teve a chance de aplicar os princípios do laissez-faire quando foi administrador-chefe da cidade de Limoges. Em 1774, ele foi chamado para solucionar os problemas da França e viu ali a chance de aplicar os princípios liberais em toda a nação.
Sua primeira medida no cargo foi abolir as restrições sobre os cereais impostas por Colbert, vistas por seus colegas fisiocratas como uma abominação que restringia o potencial de riqueza da França. Em seguida, ele acabou com o uso de trabalho servil para manutenção e construção de estradas, substituindo por mão de obra assalariada, e aboliu o antigo sistema de guildas por ver esse como um monopólio laboral que limitava o potencial empreendedor dos franceses. Ele também fez uma ampla reforma tributária substituindo os antigos impostos feudais na base do pagamento em recursos ou trabalho para tributos pagos em moeda. Turgot também fez uma importante reforma financeira, eliminando as restrições aos juros que vinham desde a época medieval e permitindo o florescimento do setor financeiro francês.
Todavia, as críticas do ministro à Revolução Americana desagradaram Luís XVI e seu conselho de guerra. O monarca era visto como fraco pela população e pelos nobres, com boatos de que sua esposa, a arquiduquesa Maria Antonieta de Habsburgo, o traia e de que o rei era impotente.
Então, para compensar seus problemas, o rei tentou humilhar o antigo rival de sua nação, a Grã-Bretanha, apoiando a rebelião dos colonos americanos contra o Rei George III. Porém, Turgot criticava esse apoio por levar a França a uma guerra que custaria muito mais do que a nação poderia pagar frente à sua enorme dívida.
Em consequência disso, e de pressões das guildas e nobres que foram afetados pelas reformas liberalizantes, Turgot foi demitido do cargo em 1776, apenas dois anos após ser nomeado (qualquer semelhança entre Turgot e o atual ministro da economia do Brasil, Paulo Guedes, é mera coincidência).
Turgot foi substituído pelo banqueiro genebrino Jacques Necker, um apoiador da ação francesa na Revolução Americana. Necker era um liberal da mesma estirpe que Turgot, porém mais moderado e pragmático. Ele conseguiu administrar a situação financeira tão bem que financiou as ações francesas na América sem um aumento de impostos.
Porém, para isso, ele acabou com a antiga instituição do fermes générale e rompeu os contratos outrora assinados. Ele fez isso com objetivo de centralizar mais as receitas tributárias em Paris e em Versailles de forma a administrar melhor os recursos. Seus ataques tributários a ricos mercadores e uma revogação dos privilégios da nobreza levou uma conspiração a se formar contra ele.
Em 1781, o chefe do Conselho de Finanças, Conde Charles Garvier, se aliou ao Conde Carlos d’Artouis para derrubar Necker e colocar em seu lugar alguém mais manipulável pela nobreza. Assim sua cabeça foi posta a prêmio e ele teve que renunciar em favor de Charles de Calonne, um protegido do Conde d’Artouis. Calonne foi mais ativo na gestão fiscal do que Necker e Turgot.
Em vistas da situação fiscal degradante, ele criou um imposto sobre terras e um imposto sobre os selos interprovinciais como forma de criar receita para a coroa. Além disso ele revogou várias das desonerações fiscais dadas ao clero e à nobreza para reduzir os gastos e aumentar arrecadação.
Porém esses tiveram pouco efeito e, em situação desesperada, ele revelou ao Parlamento o tamanho do déficit público de 50 milhões de francos e propôs a criação de um grande imposto nacional sobre propriedades. A nobreza, porém, fez pressão sobre o rei Luís XVI antes disso e Calonnes foi demitido. Frente a uma falência virtual, a coroa, por meio de uma conspiração do conselho de finanças, chama Necker de volta ao cargo e lhe dá poderes totais sobre as finanças públicas, sob o cargo de Ministro Chefe da França.
Em meio a uma crise do abastecimento de trigo, Necker revoga as medidas liberais de Turgot com relação aos cereais e proíbe qualquer exportação de grãos em 1788. Quando os Estados gerais são convocados por Luís XVI, Necker é chamado para defender as questões financeiras e propõe a criação de um imposto sobre a nobreza. Quando Luís XVI demite Necker novamente em 1789, a população sabe aí que não existe mais esperança para a França e derrubam a Bastilha em retaliação.
O rei chama Necker de volta, mas não existe mais nada que ele possa fazer para salvar a França. Em medida desesperada, o ministro emite moeda para pagar a dívida, mas o resultado foi apenas um inflação generalizada. No fim, os revolucionários derrubam o governo e Necker se retira para Coppet,na Suíça ,após fugir de uma trama por sua morte arquitetada pelo jornalista revolucionário Camille Desmoulins, onde passa seus últimos dias de vida [6].
No fim, os revolucionários tomam o governo da França e herdam a dívida do Antigo Regime. Os governos girondinos e jacobinos tentaram solucionar os problemas econômicos da França, adotando desde controles de preços a revogação de dívidas, mas não conseguiriam solucionar o problema até Dominique Vincent Nogaret recuperar o controle das finanças públicas francesas no governo de Napoleão Bonaparte.
A Crise do Antigo Regime é um eterno lembrete sobre como uma crise fiscal pode derrubar uma nação, de como instituições fiscais frágeis levam ao fim de uma sociedade e de como o povo pode facilmente se rebelar com a administração inconsequente dos recursos de seus tributos.
Notas:
[1]- HOBSBAWN, Eric J. “A Era das Revoluções”. Editora Paz & Terra, São Paulo, 2012;
[2]- SARGENT, Thomas; VELDE, François. “Macroeconomic Features of French Revolution”. Journal of Political Economy, Vol. 103, Issue 3, February 1995, págs 474–518;
[3]- TOQUEVILLE, Alexis de. “O Antigo Regime e a Revolução”. WMF Martins Fontes, São Paulo, 2016;
[4]- SMITH, Adam. “A Riqueza das Nações”. Fundação Calouste-Gulbekiam, Lisboa, 2010;
[5]- KISSINGER, Henry. “Diplomacy”. Simon & Schuster, New York, 1994;
[6]- CARON, François. “An Economic History of Modern France”. Columbia University Press, New York, 1979;
[7]- FERGUSON, Niall. “A Ascensão do Dinheiro”. Editora Planeta, São Paulo, 2012.