Germes, política e ditaduras

O ano de 2020 foi marcado até a data de publicação desse texto por uma série de tensões internacionais graves. Tivemos uma crise geopolítica no Oriente Médio por razão do assassinato do general iraniano Qasem Soleimani e ameaças de guerra entre Estados Unidos e Irã, um acirramento da guerra comercial entre Estados Unidos e China e uma guerra de preços entre Arábia Saudita e Rússia em razão do preço do barril de petróleo no mercado internacional.

Todavia, nenhuma crise dessas será tão impactante ou marcará tanto a atual geração quanto a pandemia de coronavírus. Desde que apareceu na China em meados do fim do ano passado, o SARS-Cov-2 (Síndrome Respiratória Aguda Grave-Coronavírus tipo 2 em português), também chamado de COVID-19,  espalhou-se pelo mundo de maneira extremamente rápida devido a intercomunicação das cadeias globais de valor e fluxos populacionais e causou um completo colapso do sistema econômico globalizado em que vivíamos até então.

Devido às medidas restritivas que devem ser tomadas para a contenção do vírus, a China teve que forçar a interrupção de atividades em plantas industriais inteiras, proibiu seus bilhões de cidadãos de saírem de casa e mobilizou um verdadeiro exército em profissionais de saúde e tecnologia para conter o alastramento da contaminação. Como resultado, a demanda global por insumos e a oferta global de bens industriais foi reduzida e teve com consequência uma possível redução de mais de 5% do crescimento econômico global no primeiro semestre de 2020.

Por seus efeitos serem ainda desconhecidos e sua capacidade de contaminação ser elevada, muitos países seguiram o exemplo dos primeiros países asiáticos afetados pela doença (China, Coreia do Sul, Singapura e Taiwan), de diferentes maneiras, e adotaram medidas de contenção duras. Muitos países, como a Itália, instituíram quarentenas totais e obrigatórias para toda a sua população e países como a Índia chegaram a adotar força bruta para conter aglomerações e impedir que suas populações saíssem nas ruas.

Muitas pessoas estão preocupadas com os efeitos de longo prazo dessa doença. Como ela impactará o emprego? Como ela afetará a forma como organizamos a economia internacional? Como ficarão as cadeias globais de valor? Como as pessoas reagirão após a pandemia? Quais serão os impactos sociais e culturais dessa doença?

Seja como for, o que se tem como certo é que o mundo será bastante diferente após o término da pandemia.

A maioria das pessoas geralmente tende a focar nas consequências econômicas de pandemias como essa. Existe uma grande preocupação, tanto por parte da sociedade civil quanto dos governos, de que o COVID-19 terá efeitos de longo prazo desastrosos sobre o emprego e produção a nível global. Muitas pessoas temem que as medidas de quarentena obrigatória, por mais que necessárias para a contenção do vírus, levem a crises de fome com consequências desastrosas, por causa da total paralisação das atividades econômicas normais. Isso é totalmente justificável e deve ser levado em conta. Deve-se lembrar que a mera injeção de liquidez não irá necessariamente amenizar os efeitos da quarentena, uma vez que a restrição de oferta levará a essa liquidez ter o efeito de consumo gradual dos estoques de capital das economias nacionais.

Contudo, o que poucas pessoas parecem estar notando é que o vírus pode ter efeito que vão além propriamente de nossa saúde física e financeira. Germes e parasitas podem afetar a forma como organizamos nossa vida pública, como nossas instituições jurídicas e políticas funcionam e, enfim, todo ordenamento social de um povo.

Nos últimos dias desse mês de Março, em várias partes do mundo tem ocorrido o estranho fenômeno das “ditaduras do coronavírus”. Em vários países, líderes políticos têm adquirido poderes emergenciais, quase totais, em face do perigo imposto pela doença. Na Hungria, o parlamento deu aval ao primeiro-ministro Viktor Orbán para governar por meio de decreto (isto é, passar medidas, inclusive a de fechar o parlamento, sem a aprovação prévia dos membros do legislativo) por tempo indeterminado. Nas Filipinas, o parlamento reforçou os poderes do presidente Rodrigo Duterte e agora ele possui amplo controle sobre o orçamento do estado e tem o poder de punir livremente qualquer um que julgue um violador das medidas de quarentena. Em Israel, o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu deu a si mesmo poderes emergenciais, sem consultar o parlamento, os quais incluem medidas de coerção para reforço da quarentena e poderes de espionagem sobre os cidadãos.

O Brasil também não fica muito longe na adoção dessas medidas autocráticas. Em Pernambuco, o governo estadual decretou que poderá ser requisitado os bens ou serviços de qualquer pessoa natural (física ou jurídica) quando o estado assim julgar necessário para o bem-estar público. Isso já gerou casos de farmácias sendo invadidas por forças de segurança estaduais para confisco de máscaras. A prefeitura de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, decretou o mesmo, afirmando estado de calamidade frente à sobrecarga do sistema de saúde com os casos de COVID-19.

Essa relação entre doenças e medidas autoritárias pode parecer estranha para alguns. Por qual razão existiria uma relação entre essas duas coisas? Mas, por mais estranho que seja, existe uma relação entre esses dois assuntos. Sociobiólogos e economistas têm alertado sobre isso faz tempo, mas poucos parecem ouvir. Para entender essa relação, temos que olhar nas raízes na humanidade.

Os seres humanos e os parasitas (incluindo germes) evoluíram em uma corrida evolucionária armamentista. Doenças infecciosas são causas significativas de seleção natural em todas as formas de vida, de um cachorro a uma bactéria. Entretanto, para o Homo sapiens a seleção por doenças tem sido a causa predominante da mudança evolucionária. Enquanto outras espécies têm suas mudanças evolucionárias causadas, em grande parte, por predadores, mudança climática, escassez de alimentos e entre outras, os seres humanos possuem um único predador: os invasores microscópicos.

As evidências apontam que os genes responsáveis pelo sistema imunológico, particularmente os da família MHC, apresentam mais variações alélicas do que os outros grupos de genes [1]. Além disso, elas apontam que os parasitas são mais responsáveis por seleção genômica do que qualquer outro fator ambiental; desde mudanças climáticas a catástrofes ecológicas.

Nessa luta, ocorreram baixas de ambos os lados. Em sociedades humanas primitivas cerca de 50% das mortes eram causadas por doenças, afetando principalmente os membros mais novos dos agrupamentos. Em contrapartida, os seres humanos desenvolveram células e remédios para exterminar vários de seus pequenos invasores. Isso geralmente é sabido por qualquer pessoa com um pouco de conhecimento em biologia humana.

O que poucas pessoas sabem é que os humanos possuem dois sistemas de defesa naturais contra os parasitas. O primeiro é o sistema imunológico clássico: os agentes bioquímicos, fisiológicos, celulares e tecidos que defendem o organismo contra a invasão de parasitas. Esse é o sistema responsável por produzir seus anticorpos, células NK, macrófagos e linfócitos. Ao longo da guerra infinita da humanidade contra os antígenos, esse sistema foi sendo constantemente “atualizado” com as informações de novas infecções. Aqueles organismos capazes de enfrentar novos vírus e bactérias sobreviviam e armazenavam as informações acerca daquele invasor para uma possível futura contaminação. Aqueles que não conseguiam enfrentar morriam e não passavam os genes de seu sistema imunológico deficiente para a frente.

O segundo é o sistema imuno-comportamental: o conjunto de recursos e comportamentos desenvolvidos pelos seres humanos para lidar com contaminações. Como colocam Thornhill e Fincher, os humanos, além de desenvolverem anticorpos para lidar com parasitas de seus ecossistemas locais, criaram uma série de hábitos culturais, “fenótipos estendidos”, para lidar com eles [2]. Uma vez que a maioria dos patógenos é invisível ao olho humano e que durante praticamente quase toda história vivemos sem o método científico, a maioria dos grupos humanos desenvolveram uma série de rituais, costumes e hábitos para lidar com crises epidêmicas. Os membros do grupo, vendo um dos seus doente, passaram a evitá-los, a isolá-los do resto para evitar serem contaminados. Eles passaram a perceber que fezes e secreções geralmente levavam a morte de outros indivíduos quando esses ficavam muito perto. Descobriram que certos hábitos, como banhos regulares ou tratamento dos alimentos antes do consumo( salgagem, defumação, fermentação e lavagem), podiam evitar que grandes parcelas do grupo ficassem doentes.

Esses comportamentos não são nenhuma surpresa para a comunidade médica. Já é um conhecimento comum que os hábitos culturais de certas comunidades afeta a forma como um tratamento se desenvolve e seus graus de eficiência relativa. No caso recente do coronavírus alguns países contiveram melhor a disseminação da doença por causa de hábitos culturais de seu povo. O Japão, por exemplo, conseguiu conter melhor a doença em razão de sua população já usar máscaras, evitar contato físico e adotar hábitos de higienização das mãos e garganta como costume comum em comparação com países como a Itália e a Espanha, onde o povo possui hábitos culturais de contato físico como forma de socialização, são extremamente festivos e gostam de falar perto um dos outros.

No curso da evolução, foi esse desenvolvimento de nosso sistema imuno-comportamental que criou certas reações naturais de defesa. Nossa repulsa a cenas de morte, fezes, secreções, alimentos podres e certos odores( que outros animais não sentem) e nossos hábitos de higiene são produtos dessa resposta psicobiológica a riscos ecológicos. Aqueles que não desenvolveram isso ao longo de nossa evolução morriam cedo ou eram excluídos sociais (os “leprosos” são talvez o melhor exemplo disso).

Mas o sistema imuno-comportamental gera mais do que sua característica repulsa às próprias fezes. Ele tem efeitos secundários que influem profundamente na própria forma como organizamos nossas sociedades.

Um exemplo é como ele afeta a forma como tratamos aqueles que violam certas regras de conduta comum, às tradições. Essas pessoas, em geral, são excluídas socialmente e consideradas “um risco” para o resto da sociedade por tentar minar a ordem. Essa aversão a pessoas “degeneradas” é explicada pelo comportamento de aversão a riscos, uma vez que o rompimento de uma tradição pode significar um risco de colapso daquela sociedade [1].

Outro exemplo é como ele afeta nossa relação com estrangeiros. Durante o curso da evolução humana, os membros de um grupo ou tribo aprenderam a desconfiar de membros de outros agrupamentos por, dentre outras coisas, representarem riscos de saúde. Esses indivíduos representavam o risco da introdução de um parasita de outra localidade para o qual os indivíduos do grupo não possuem resposta imunológica imediata e, portanto, um risco para a ordem social. Antes da invenção do seguro de saúde, a única maneira dos seres humanos lidarem com os riscos derivados da assimetria de informação com relação à saúde dos outros era por meio da discriminação entre indivíduos por critérios de pertencimento.

Pesquisas recentes têm mostrado que essa evolução dos agrupamentos humanos, de isolamento e identificação de risco em indivíduos de “outro grupo”, fez com que em diferentes culturas nomes de animais transmissores de doenças (“rato”, “lesma”, “sanguessuga”, “verme”, etc) fossem atribuídos a estrangeiros, pessoas diferentes ou aparentemente doentes [3].

Esse distinto aspecto de nossa história enquanto espécie social é bastante notório e está longe de ser uma característica de nossos antepassados primitivos. Esse mecanismo comportamental de aversão ao risco ainda se manifesta nos seres humanos sempre que ocorre uma crise que ponha em risco um grupo em detrimento de outro. Jedwab, Johnson e Koyama, por exemplo, concluíram que choques negativos exógenos, como uma crise econômica, guerra ou pandemia, podem aumentar os incentivos para a perseguição de minorias [4]. A decisão de perseguir ou não uma minoria, segundo os pesquisadores, dependerá da magnitude do choque e da interação deste com a utilidade auferida pela tolerância de dada minoria dentro da comunidade. Assim, a perseguição de uma minoria dependerá se seu benefício marginal de presença ao longo do tempo superar os custos relativos do choque negativo.

Uma boa ilustração disso são os pogroms (perseguições sistemáticas contra judeus) realizados na época da Peste Negra. Quando a peste começou a ceifar a vida de milhares de pessoas dentro das cidades europeias sem uma resposta causal aparente, os cidadãos cristãos das vilas e burgos começaram a buscar um bode expiatório; um objeto no qual poderiam despejar suas dúvidas e medo. O grupo escolhido para servir como tal foram os judeus. Os cidadãos das cidades começaram a culpar os moradores dos guetos judaicos de envenenar a água das cidades ou de espalhar sua “doença” ou “vermes” entre a população cristã como alguma forma de vingança. Tirando aquelas cidades onde os judeus desempenhavam um papel vital no fornecimento de serviços financeiros, como as cidades-estado italianas ou as cidades imperiais do Sacro Império, o resultado geral foi um aumento das perseguições e execuções de judeus por causa da Peste Negra.

Número de cidades que praticaram pogroms durante a peste negra. Fonte: Jedwab et al (2017).

Essa demonstração de brutalidade não é episódio histórico isolado, mas um componente da, se assim quiser chamar, “natureza humana”. Esse mecanismo comportamental ainda está em nossas cabeças e o instinto primitivo da aversão aos estranhos pode ser reativado sempre que assim o organismo julgar necessário. Alguns estudos, por exemplo, mostram que, quando confrontadas com a possibilidade de contágio letal e um mero boato de que o vetor é um estrangeiro, as pessoas em experimentos abertos se tornam mais agressivas com relação a estrangeiros e grupos minoritários [5]. No caso do COVID-19, tem ficado cada vez mais claro que o bode expiatório da vez, é óbvio, são os povos asiáticos; uma vez que o vírus é identificado como “de sua responsabilidade”.

Essa resposta de nosso sistema psicobiológico revela as raízes ancestrais de nossa política moderna. A razão de, quando confrontadas com crises econômicas ou outras situações de risco, os seres humanos tenderem a culpar alguém, tem origens em nossa resposta padrão na natureza àquilo que não conhecemos ou não vemos.

A resposta imuno-comportamental mostra, por exemplo, as raízes do nacionalismo extremo e do etnocentrismo. Navarrette e Fessler, postulando que o comportamento imune-defensivo levaria a reações inter-grupais e testando em um grupo de 90 pessoas entre 18 e 61 anos, acharam que, quando confrontadas com situações de risco epidemiológico, as pessoas demonstram respostas de afirmação positiva inter-grupal [6]. As características, as tradições, do grupo são fortalecidas e exaltadas como respostas ao comportamento errado de outro grupo.

Porém, muito mais do que o desenvolvimento de nosso comportamento político, o sistema imuno-comportamental pode afetar a forma como organizamos nossas instituições políticas.

Isso geralmente é um tema controverso para a maioria. Em geral, as pessoas gostam de se livrar do determinismo geográfico ou biológico afirmando que nenhum desses fatores influencia no desenvolvimento das sociedades humanas. É o que podemos chamar de determinismo institucional: as instituições formais e a cultura podem explicar sozinhas o progresso ou fracasso de nações. Isso é deveras uma generalização descuidada e que não condiz com o que existe dentro do corpo de conhecimento científico. Alguns fatores geográficos podem dificultar o desenvolvimento de algumas nações, como: a fragilidade ou baixa fertilidade do solo, prevalência de pestes agrícolas e doenças no gado, respiração excessiva de plantas e baixa fotossíntese, alta evaporação ou suprimentos de água instáveis, altos custos de transporte e condições ecológicas favorecendo o desenvolvimento de doenças humanas [7].

Um caso clássico do impacto de fatores ambientais no desenvolvimento é a chamada “maldição dos recursos naturais”. Países com grandes depósitos de recursos naturais tendem a serem mais autoritários, pois as receitas auferidas desses recursos permitem que um governante possa comprar um maior controle da população via medidas de bem-estar e da burocracia via corrupção de funcionários. Assim, com essa controle financeiro contra qualquer oposição, ele pode expandir seu controle político para além do que seria possível em um nível de corrupção ótima normal. Países com reservas de petróleo, por exemplo, historicamente tem sido regimes autocráticos e com amplo controle da população.

Rendas per capita de petróleo e regimes democráticos. Fonte: Vox.

Não são somente minérios que afetam o desenvolvimento das instituições políticas, a biologia humana também. E, sobretudo, o sistema imuno-comportamental. As evidências antropológicas e de experimentos de grupo mostram que aqueles países e culturas mais afetados por doenças ao longo de sua história tendem a ser menos individualistas, demonstram menor abertura a inovações e são mais propensos a serem conformistas com opiniões majoritárias. Além disso, países que sofreram alguma grande crise ou pandemia apresentam populações e culturas mais centradas em laços familiares, apresentam maiores casos de conflitos étnicos e maiores indicadores de etnocentrismo e menores indicadores de liberdade humana e democracia [8].

Como colocado por Acemoglu, Johnson e Robinson, os germes podem afetar o desenvolvimento institucional dos países. Os autores colocam que isso é bastante visível no experimento natural da colonização européia das Américas [9]. Em áreas onde os germes locais criavam altas taxas de mortalidade entre colonos, os conquistadores europeus tiveram que introduzir mão-de-obra importada (escravos), uma vez que ninguém queria vir para aquela terra, e uma administração colonial centralizada e focada na plantação em larga escala (fator terra abundante e plantios pouco produtivos), o que favoreceu o desenvolvimento de instituições extrativistas. Já em regiões com baixas taxas de mortalidade por germes e parasitas, os colonos podiam ocupar largas porções de terra com uma população colonizadora muito maior. A menor prevalência de doenças também favorecia uma administração mais descentralizada em pequenas propriedades e relações mais igualitárias entre grupos sociais diferentes. Dessa forma, as latitudes onde tais doenças ocorrem, como os trópicos, podem determinar o tipo de instituições que surgirão naqueles países.

Easterly e Levine, partindo dessa pesquisa, concluíram que a latitude, a temperatura e os germes terão um impacto no desenvolvimento econômico por meio de seu impacto no desenvolvimento institucional. Como colocam, caso países como Burundi tivessem ambientes semelhantes ao do Canadá, sua renda per capita iria crescer por um fator de 38 por meio do impacto do ambiente nas instituições [10].

Qualidade Institucional por Latitude. Fonte: Easterly e Levine (2002).

Além disso, pandemias podem desenvolver respostas autocráticas por parte das instituições sociais. Murray e sua equipe mostram que diferenças nas formas de governança política se devem, em parte, a variações ecológicas na prevalência ou não de crises epidêmicas, onde reações políticas são sustentadas pelo autoritarismo individual criado pelo estresse social [11].

As pessoas se tornam mais duras em seu trato da realidade, começam a achar que medidas mais radicais devem ser tomadas. Isso casa perfeitamente com o instinto humano de seguir líderes. As pessoas passam a aceitar qualquer medida do líder desde que este prometa que ela irá solucionar o problema. Elas passam a duvidar menos daquilo que o governo as diz e se tornam mais conformistas. Dessa forma, o custo político de expansão do poder de um governante é reduzido por uma elevação dos custos de monitoramento dos cidadãos. Logo, aquelas zonas do planeta mais afetadas por doenças tendem a ser menos democráticas e mais autoritárias.

Democratização por Prevalência de Doenças. Fonte: New Scientist.

Os resultados também mostram que sociedades que enfrentam crises agudas, como fome ou guerras, desenvolvem respostas autoritárias semelhantes às desenvolvidas em crises epidêmicas. Ironicamente, as evidências mostram que ditaduras são piores em gerir crises pandêmicas do que as democracias, uma vez que o ditador não internaliza os custos de decisões ruins tomadas no combate a doença.

Eficácia das Respostas ao Covid-19 em Democracias e Não-Democracias. Fonte: The Economist.

Assim, existe, ou deveria existir, certa preocupação na presente crise de COVID-19 com relação ao crescimento do autoritarismo dos governos em longo prazo. É visível que poucos parecem estar sequer ligando para muitos políticos estarem ampliando seus poderes, impondo medidas por decreto, ampliando controle da população via quarentena e afins. Muito pelo contrário, as pessoas estão apoiando abertamente medidas mais duras e radicais para lidar com o Covid. É necessário vigilância, mas é certo que algumas democracias são frágeis e sucumbirão ao tormento. Também é um fato que, por mais que aumentem os riscos de ascensão autoritária, mas medidas restritivas, como fechamento do comércio e quarentena forçada, são necessárias para conter a doença. A grande questão é: como balancear o equilíbrio democrático com os instintos de desespero humano quando lida com riscos? E como investir na formação de capital humano (saúde) para impedir a futura ascensão de autoritarismos?

Notas

[1]- CLARK, David. Germs, genes, & civilization: How epidemics shaped who we are today. FT Press, 2010;

[2]- THORNHILL, Randy; FINCHER, Corey L. The Parasite-Stress Theory of Sociality: the behavioral immune system and human social and cognitive uniqueness. Evolutionary Behavioral Sciences, v. 8, n. 4, p. 257, 2014;

[3]- SUEDFELD, Peter; SCHALLER, Mark. Authoritarianism and the Holocaust: Some cognitive and affective implications. What social psychology can tell us about the Holocaust: Understanding perpetrator behavior, p. 68–90, 2002;

[4]-  JEDWAB, Remi; JOHNSON, Noel D.; KOYAMA, Mark. Negative shocks and Mass Persecutions: evidence from the Black Death. Journal of Economic Growth, v. 24, n. 4, p. 345–395, 2019;

[5]-  Faulkner, J., Schaller, M., Park, J. H., & Duncan, L. A. Evolved Disease-Avoidance Mechanisms and Contemporary Xenophobic Attitudes. Group Processes & Intergroup Relations, 7(4), 333–353;

[6]-  NAVARRETE, Carlos David; FESSLER, Daniel MT. Disease Avoidance and Ethnocentrism: the effects of disease vulnerability and disgust sensitivity on intergroup attitudes. Evolution and Human Behavior, v. 27, n. 4, p. 270–282, 2006;

[7]-  BLOOM, David E. et al. Geography, Demography, and Economic Growth in Africa. Brookings papers on economic activity, v. 1998, n. 2, p. 207–295, 1998;

[8]-  LETENDRE, Kenneth; FINCHER, Corey L.; THORNHILL, Randy. Parasite Stress, Collectivism, and Human Warfare. The Oxford Handbook of Evolutionary Perspectives on Violence, Homicide, and War, p. 351, 2012;

[9]- ACEMOGLU, Daron; JOHNSON, Simon; ROBINSON, James A. The Colonial Origins of Comparative Development: an empirical investigation. American Economic Review, v. 91, n. 5, p. 1369–1401, 2001;

[10]-  EASTERLY, William; LEVINE, Ross. Tropics, Germs, and Crops: how endowments influence economic development. Journal of Monetary Economics, v. 50, n. 1, p. 3–39, 2002;

[11]- MURRAY, Damian R.; SCHALLER, Mark; SUEDFELD, Peter. Pathogens and Politics: further evidence that parasite prevalence predicts authoritarianism. PloS One, v. 8, n. 5, 2013.
 

Sávio Coelho

É estudante de economia na Universidade de Fortaleza (UNIFOR), com foco de pesquisa em microeconomia aplicada e história econômica. Tem textos publicados nas páginas Terraço Econômico, Evolucionários, Visão Econômica, Neoiluminismo e Folha de São Paulo.

Christopher Henrique

É estudante de ciências biológicas na PUC-Chile, com graduação anterior em medicina. Seu foco de pesquisa é neuroendocrinologia e etologia humana. Seu texto “A Miséria da História: uma análise crítica da pré-história de Hans-Hermann Hoppe” foi publicado pelo Neoiluminismo.

 

 

Sávio Coelho

Analista Financeiro e de Dados. Tem interesse nas áreas de teoria da firma, política fiscal e finanças quantitativas.
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