Cruzando o Brasil em plena pandemia 

O melhor lugar para se estar durante uma pandemia mundial com certeza não é em um aeroporto. A atual pandemia, que teve origem na província de Wuhan, China, espalhou-se pelo mundo a partir dos aeroportos, locais que passaram a contar com fortes restrições. Passageiros que visitaram países como China e Itália foram os primeiros casos de Covid-19 confirmados no Brasil. 

Em meio a esse cenário, dada a suspensão das atividades presenciais da Universidade na qual me especializo, após as recomendações da OMS e do governo federal de quarentena e isolamento social, me vi obrigada a fazer uma viagem de volta para casa cruzando o Brasil (literalmente): saindo do aeroporto de Confins (Belo Horizonte- Minas Gerais), fazendo escala no aeroporto de Cumbica (Guarulhos- São Paulo) e tendo como parada final o aeroporto de Rio Branco (Rio Branco – Acre). A viagem foi feita dia 22 de março, com aproximadamente um mês após a confirmação do primeiro caso do novo corona no Brasil. Como a curva de contágio estava crescendo exponencialmente, eu estava consciente dos riscos, mas também compreendia as medidas de prevenção e da responsabilidade que tinha que ter não só pela minha própria saúde, mas também pela saúde de outras pessoas. 

Para evitar a rodoviária de Belo Horizonte, onde circulam muitas pessoas por dia, peguei um táxi até o aeroporto. No caminho, uma paisagem completamente diferente da habitual frenética Belo Horizonte. No lugar do frenesi de suas ruas e estradas estava o marasmo de uma capital amedrontada pelo contágio do vírus. Na estrada que liga o centro até o aeroporto, apenas o táxi que eu estava e mais dois ou três veículos, um visual digno de séries que mostram cidades após acidentes nucleares, ou um cenário de filme de terror.

O cenário do aeroporto não foi diferente. A agitação e a movimentação que antes tomavam conta com chegadas e partidas, teve seu lugar tomado pela tensão e pelo medo. O medo do vírus, o medo do outro, o medo de quem não tem outra opção de transporte para voltar para casa. Um saguão vazio, um check-in vazio, no guichê apenas um funcionário atendendo que de forma receosa me entregou o cartão de embarque e cordialmente me desejou boa viagem. Os tempos são outros. 

No embarque, não havia mais a pujante atividade de econômica de outrora, caracterizada pelas suas diversas lojas, sua diversidade de produtos, seu colorido de opções, sua praça de alimentação vasta e seus vendedores e funcionários solícitos. No lugar disso, farmácias abertas e praticamente todas as lojas fechadas, vendedores e clientes desconfiados. Novamente o medo do outro. O cenário de outrora se transformou num cenário de crise econômica, mas acima de tudo, de crise na saúde. 

Dentro do avião para Guarulhos a tensão era ainda mais crescente, afinal estávamos indo para o epicentro de tal situação. O avião estava com aproximadamente um terço de sua capacidade de transporte de passageiros. A vestimenta agora também era outra: máscaras e luvas de borracha. 

Chegando no aeroporto de Guarulhos, local da minha escala, onde permaneci por cerca de 40 minutos, me deparei com um saguão de embarque lotado. O aeroporto de Guarulhos é o maior da América Latina, onde circulam em média 120 mil passageiros com aproximadamente 830 operações de pouso e decolagem diariamente, segundo dados da Agência Brasil. Muitas pessoas tentavam chegar a seus destinos. Os avisos sonoros anunciavam voos nacionais, mas também internacionais, e no saguão se via estrangeiros à espera de seus voos. Contrariando os avisos da OMS (Organização Mundial da Saúde), as pessoas se aglomeravam na sala de espera e em filas e nenhum controle ou ordenamento era feito. Não passei por nenhuma triagem, não havia nenhuma fiscalização ou autoridades no local, nem nenhum controle sanitário nos terminais, apenas os avisos sonoros sobre o novo corona (Covid-19). 

O avião para Rio Branco estava totalmente lotado. Muitos usavam máscaras, alguns luvas, outros álcool em gel, mas muitos ainda desdenhavam da situação. Essa semana foram anunciadas reduções de voos e companhias que operam no estado, tornando ainda mais desafiadora a realidade de quem mora no Norte do país. Ao chegar na sala de desembarque de Rio Branco, recebi na porta um folheto informativo sobre o Coronavírus e as medidas de prevenção, e novamente nenhuma triagem, nenhuma pergunta sobre de onde estava vindo e para onde estava indo, nenhuma fiscalização ou controle, e muito menos controle sanitário ou medida de desinfecção. Absolutamente nada.

Após pegar a minha bagagem, me direcionei imediatamente para o banheiro do aeroporto de Rio Branco. Fui tomar as medidas de prevenção recomendadas pela OMS já que não podia cumprir a principal que era isolamento social. Lavei mãos, antebraços e rosto, troquei de roupa e coloquei sapatos e roupas da viagem em um saco plástico, higienizei mala e mochila com álcool em gel setenta ali mesmo no banheiro do aeroporto, uma vez que o vírus pode sobreviver em superfícies por até 3 dias. Não era só eu que estava fazendo isso, o banheiro estava lotado. As pessoas lavavam e trocavam a roupa da viagem, uma praticamente tomou banho na pia do banheiro do aeroporto. As pessoas estavam totalmente amedrontadas contra um inimigo que é invisível a olho nu.

Diante desse quadro caótico, fui surpreendida ainda mais por uma medida que, em médio prazo, prejudicará profundamente o nosso país: a portaria 34 da CAPES que altera as regras distribuição de bolsas de pós graduação. As regras de distribuição haviam sido divulgadas em fevereiro por meio das portarias nº 18 e 20 e 21 e distribuição de bolsas de vários programas foi feita com base nessas portarias. Porém, repentinamente, em meio à pandemia mundial, a CAPES divulgou a portaria 34 mudando drasticamente a distribuição de bolsas de pesquisa no país. Diversos pós graduandos brasileiros, que já contavam que teriam a bolsa, foram surpreendidos e tiveram suas bolsas cortadas. A bolsa é o salário do pesquisador brasileiro e é o que possibilita desenvolvimento da pesquisa e ciência brasileiras. O quadro é contraditório uma vez é a pesquisa que permite o desenvolvimento da ciência com a finalidade, de por exemplo, as realizações de estudos e projeções sobre o Covid-19 e seus impactos na sociedade, a busca de vacinas, remédios que possibilitem por fim no ambiente de incertezas e sem precedentes causado pela pandemia.

A partir da perspectiva de uma pós graduanda cruzando o Brasil em plena pandemia, percebo o quanto um país tão continental como o Brasil ainda precisa melhorar e evoluir em termos de valorização de políticas de saúde e educação e estímulo à ciência. Estamos na contramão. 

Aeroportos do mundo inteiro anunciaram medidas de prevenção para conter o alastramento do vírus. Dentre esses países: Eslováquia, Bósnia, Sérvia, Croácia, Albânia, Turquia, Coreia do Sul, Kuwait, Omã, Iraque, Hong Kong, Indonésia, Singapura, entre outros. Na Tailândia varreduras térmicas, termômetros e medidas de higiene foram implementadas. Índia cancelou voos para China antes do primeiro caso confirmado no país e passou a fazer a triagem para todos os passageiros.  O aeroporto de Praga, na República Tcheca, colocou portões separados para passageiros vindos da Itália, passou a fazer o monitoramento dos passageiros e frequente desinfecção das áreas desembarques. Em janeiro, o Centro de controle e prevenção de doenças (CDC) (que é uma agência do departamento de saúde e serviços humano nos Estados Unidos) deu início a uma triagem em 20 aeroportos no país e no Canadá. Além disso o CDC desenvolveu testes para detectar o novo Coronavírus. No Reino Unido equipes médicas se instalaram no aeroporto de Londres para receber passageiros na China.

No Brasil, três semanas depois do primeiro caso confirmado, não havia qualquer medida sanitária, controle ou triagem sobre os passageiros vindos de países gravemente infectados, sendo o oposto das recomendações da Organização Mundial da Saúde.  Nota técnica emitida por pesquisadores da UFRJ, USP e UNB no dia 25 de março aponta que a alta conectividade aérea das capitais São Paulo e Rio de Janeiro as tornam pólos de disseminação do vírus para outras cidades. Apesar disso, nenhuma triagem, monitoramento ou medida sanitária em relação aos passageiros está sendo feita em voos nacionais. 

Num mundo globalizado e interligado, os aeroportos são a portas de entrada para epidemias e pandemias. Tudo isso exige uma nova postura em relação à segurança e fiscalização, e que autoridades competentes repensem novas formas de lidar com isso de forma eficiente e rápida. O despreparo brasileiro para essa crise de saúde pública mundial enaltece a importância de políticas de saúde. Mas também enaltece a contribuição das políticas de educação, da pesquisa, do estudo e acima de tudo da ciência! A Covid-19 irá quebrar paradigmas, além de exigir uma nova postura e consciência. Ao fim da minha viagem, máscaras e olhares assustados, não havia mais abraços no saguão (tão típicos de reencontros e despedidas). As coisas não são mais como antes. Os tempos são outros.

Débora de Lima

Mestranda em Economia pela Universidade Federal de Viçosa. Paulista- Acreana. Atualmente reside em Viçosa- MG. Fã de U2. 

 

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