Depois de entregar o ouro, um banco

Você no Terraço | por Leonardo Palhuca

Um dia após entregar o troféu da Copa do Mundo ao capitão alemão Philipp Lahm, a presidente Dilma Rousseff tomou o avião para Fortaleza para participar da 6ª Cúpula do BRICS com os líderes dos demais países desse estranho acrônimo: Rússia, Índia, China e África do Sul. Talvez o maior resultado do encontro tenha sido a aprovação por todos os membros para a futura criação de um novo Banco de Desenvolvimento. O novo banco de desenvolvimento recebeu o surpreendente nome de New Development Bank (NDB) e é justamente sobre ele que a discussão prosseguirá. Dentre os motivos alegados pelas cabeças do BRICS, a criação do NDB se dá basicamente para financiar projetos de infra-estrutura nos países que aderirem ao banco, o que não deverá ser restrito ao clubinho, mas sem que hajam as amarras e condições de reformas políticas ou institucionais impostas pelo Banco Mundial à concessão de financiamentos para infra-estrutura. Trecho do comunicado da Cúpula dos BRICS em Fortaleza indica isso:

 BRICS, as well as other EMDCs, continue to face significant financing constraints to address infrastructure gaps and sustainable development needs. With this in mind, we are pleased to announce the signing of the Agreement establishing the New Development Bank (NDB), with the purpose of mobilizing resources for infrastructure and sustainable development projects in BRICS and other emerging and developing   economies. We appreciate the work undertaken by our Finance Ministers. Based on sound banking principles, the NDB will strengthen the cooperation among our countries and will supplement the efforts of multilateral and regional financial institutions for global development, thus contributing to our collective commitments for achieving the goal of strong, sustainable and balanced growth.

Complemento com o trecho da 5ª Cúpula dos BRICS em Durban na África do Sul em 2013:

We emphasise the importance of ensuring steady, adequate and predictable access to long term finance for developing countries from a variety of sources. We would like to see concerted global effort towards infrastructure financing and investment through the instrumentality of adequately resourced Multilateral Development Banks (MDBs) and Regional Development Banks (RDBs). We urge all parties to work towards an ambitious International Development Association(IDA) replenishment.

OK, entendido! O BRICS quer ter um banco de desenvolvimento que financie seus projetos de infra-estrutura para que possam crescer mais rápido, mas sem as condições exigidas por outras organizações como reformas político-institucionais. Vai dar certo? Voltando um pouco: para que serve um banco de desenvolvimento? Precisamos de mais um deles, tendo inúmeras instituições deste tipo e ainda o nosso BNDES?

[caption id="attachment_1183" align="aligncenter" width="645"]O famoso aperto de mãos... Fonte: Globo O famoso aperto de mãos… Fonte: Globo[/caption]

Teoricamente, um banco de desenvolvimento nos moldes do que vem sendo anunciado o NDB é criado para suprir alguma falha de mercado na atividade financeira. Por exemplo: o setor privado não consegue (ou não se interessa) financiar grandes projetos de infra-estrutura, pois os riscos são altos, o prazo do financiamento é muito longo, as incertezas políticas são grandes – o banco de desenvolvimento entra em campo e preenche esse espaço. Além disso, o banco de desenvolvimento teria o papel de direcionar seus recursos para investimentos cujas externalidades geradas são positivas, projetos nos quais os benefícios privados são menores que os benefícios sociais e o governo decide financiar tais projetos pelos potenciais benefícios sociais gerados. O banco de desenvolvimento pode atuar via concessão de empréstimos diretamente ao empreendimento ou atuar por meio de garantias e em pareceria com instituições financeiras privadas.

E onde que entra o recém-nascido NDB e qual seu tamanho? Bom, no total, ele terá US$ 50 bilhões de capital subscrito (US$ 100 bilhões de capital autorizado), sendo 20% em capital para financiar os empreendimentos e 80% desse montante para ser disponibilizado como garantias. A projeção das Nações Unidas para a capacidade de financiamento do NDB se situa em US$ 34 bilhões anuais, uma projeção otimista. A título de comparação, segue quadro abaixo com o volume de empréstimo concedido por outros bancos de desenvolvimento multilaterais e pelo nosso BNDES.

InstituiçãoFinanciamentos em 2013 (em bi de US$)
Banco Mundial31.55
Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento11.33
Banco Africano de Desenvolvimento6.75
Banco Asiático de Desenvolvimento21.02
Banco Europeu de Investimento95.56
BNDES88.37

Fonte: Elaborada pelo autor.

A previsão otimista leva em conta um período de 20 anos e um capital subscrito de US$ 100 bilhões. Mas será que isso é possível? Com o princípio de contribuições iguais pelos membros do NDB, fica claro que seu crescimento está subordinado à capacidade e vontade de seu membro mais raquítico de contribuir com o funding do banco. Caso a África do Sul não se disponha a aumentar o capital, o banco não cresce e nunca será o alardeado “rival” do Banco Mundial. O que mais é preciso, então, para que o NDB seja um sucesso?

1) Conforme mencionado, um banco de desenvolvimento atua onde existem falhas de mercado, porém a existência das falhas de mercado não justificam por si só a criação de um banco de desenvolvimento (o que gostamos de chamar de condição necessária, mas não suficiente). Primeiramente é preciso analisar se existem alternativas para corrigir tais falhas e que sejam menos custosas. Se há uma escassez de crédito de longo-prazo, a falha pode ser corrigida com reformas institucionais, como melhoria do ambiente de negócios, maior acesso à informação sobre o devedor, redução dos riscos envolvidos por outros meios etc. Por fim, parte-se para a solução do Banco de Desenvolvimento já que seu impacto é mais localizado e pode causar certas distorções.

2) Se a conclusão for que não há como atuar senão por meio de um banco de desenvolvimento, este deve ter um mandato claro e evitar concorrer com o crédito privado, para atuar em complementariedade e corrigir a falha de mercado, sem criar outras distorções. É preciso identificar as falhas e definir de forma clara em quais projetos de quais setores o NDB poderá atuar e sob quais circunstâncias.

3) Estrutura de governança que contemple um bom mecanismo de tomada de decisão e resolução de conflitos e que avalie os objetivos e resultados atingidos pelo banco. O gatilho para criação do NDB foi a falta de reformas pleiteadas pelos países emergentes em organismos como o Banco Mundial que não abria espaço para que houvesse uma participação mais ampla nas nações em desenvolvimento.

Assim, o NDB já nasce com a obrigação de ter um arcabouço legal/regulatório que seja condizente com a contribuição de cada membro ou seu peso na economia do bloco. E esses pontos serão solucionados pelo NDB? Ainda não sabemos. Por ora, há somente a intenção de se criar o NDB e os parlamentos (ou congressos) dos países fundadores precisam aprovar a criação do banco. Não tenho dúvidas que o parlamento de Rússia e China aprovem rapidamente, mesmo que os pontos mencionados só serão detalhadamente discutidos após a criação oficial do NDB. Mas se querem minha opinião sobre se vai dar certo e porquê, lá vai:

1) Podemos considerar que existem falhas de mercado no financiamento de projetos de longo prazo, pelo menos no Brasil, mas a solução pela criação do NDB não é a ideal. Além de já termos o BNDES, que não está cumprindo seu papel ao financiar empresas que pode captar recursos em condições e mercado, os BRICS ainda precisam evoluir em questões institucionais que podem melhorar suas economias de uma forma mais abrangente e que beneficie mais setores que aqueles contemplados pelo futuro mandato do NDB. Ai entramos em questões mais políticas. Então vá lá, o banco será criado…

2) Tendo a nossa experiência do BNDES como parâmetro e o reduzido número de bancos de desenvolvimento que são casos de sucesso, não acredito que consigamos com Rússia, China, Índia e África do Sul fazer do NDB um banco de desenvolvimento que não crie mais distorções nos mercados que atuará. Mais provável que tenha um impacto limitado na infra-estrutura desses países…e ainda com o risco de causar algum dano como por exemplo no desenvolvimento de outros mecanismos de financiamento de longo-prazo, como bolsas de valores nos países integrantes do clubinho.

3) A estrutura de governança do NDB pode ser que fique no estado da arte…no papel. Com poder de voto e de veto bem definidos, ligados à participação de cada país ou no capital do banco ou na economia do bloco, conforme a decisão. Porém, não me parece muito o caso de as regras serem respeitadas e ainda não sabemos como serão os mecanismos de resolução de conflitos. Caso a África do Sul se recuse a aumentar o capital do NDB e a Rússia necessita de mais investimento, como ficamos? Não há uma minoria russa (que eu saiba) em Pretoria.

Concluo que não será fácil colocar (no mínimo) os cinco países fundadores em uma mesa e sair com uma decisão tomada de forma clara e objetiva sobre onde financiar um projeto: um centro de desenvolvimento digital em Skolkovo ou o trem-bala ligando o Rio a São Paulo. E nunca é demais lembrar do Banco do Sul…um fiasco! Com um tamanho inicial diminuto e a possibilidade de crescimento restrita ao que 1 membro pode contribuir, o NDB não parece ser uma instituição que fará frente às grandes instituições mundiais desse tipo. Mas como um sinal às nações mais desenvolvidas de que as reformas pleiteadas não foram atendidas e, “hey, temos uma alternativa”, pode ser que funcione de alguma forma.

Leonardo Palhuca é mestre em economia pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg 10170219_10203335365288648_276252663_o

   

Referências:

https://openknowledge.worldbank.org/bitstream/handle/10986/3493/WPS5729.pdf?sequence=1 http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/Relacao_Com_Investidores/Desempenho/ http://siteresources.worldbank.org/EXTANNREP2013/Resources/9304887-1377201212378/9305896-1377544753431/OpSumLendingTables_EN.pdf http://www.eib.org/ar/index.htm http://www.afdb.org/en/projects-and-operations/ http://www.adb.org/about/key-facts http://unctad.org/en/PublicationsLibrary/osgdp20141_en.pdf

Leonardo Palhuca

Doutorando em Economia pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg. Interessado em macroeconomia - política monetária e política fiscal - e no buraco negro das instituições. Escreveu para o Terraço Econômico entre 2014 e 2018.

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