Thomas Piketty transformou a desigualdade no tema do momento entre os economistas. Tanto é que no último texto publicado aqui no Terraço, meu colega Alípio Cantisani, mostrou em seu texto diferentes formas de medir desigualdade. Piketty ao compilar uma inédita base de dados sobre a evolução da concentração da riqueza desde o século XVIII, mostrando que o mundo está cada vez mais desigual, trouxe à tona um assunto que estava relativamente adormecido entre os economistas.
Como se observava uma redução na desigualdade durante a maior parte do século passado, ela não era tida como um problema e, portanto, não foi muito estudada. Atualmente, o que se vê é uma volta à tendência secular de concentração da riqueza nas mãos de poucos. Porém, pouco se sabe sobre os efeitos da desigualdade no desenvolvimento de uma economia, um tema pouco abordado por Piketty. Afinal, desigualdade de renda é realmente um problema?
Apesar de parecer obvia a resposta, a maior parte dos estudos sobre o tema feitos no século XX consideram natural e até desejável que haja um aumento na desigualdade em alguns estágios de desenvolvimento econômico. Simon Kuznets, economista ganhador do prêmio Nobel, argumentava que quando uma economia emergente cresce, ela se torna necessariamente mais desigual, pois aqueles que detêm riquezas, como donos de terras, lucrariam com a propriedade de seus recursos. Conforme esta economia se desenvolve, e se industrializa, uma parcela maior da população teria acesso a um emprego de maior valor agregado o que resultaria em uma redução na desigualdade. Porém, os novos dados de Piketty desmentem Kuznets, pois nos países desenvolvidos a desigualdade apresenta uma tendência de alta no longo prazo.
Outro argumento comum à favor da desigualdade, baseia-se no fato de que os ricos tendem a poupar uma parcela maior de sua renda, pois precisam gastar proporcionalmente menos com bens indispensáveis como alimentação. Esta poupança se reverteria em novos investimentos que gerariam inovações e, portanto, promover o desenvolvimento futuro. Entretanto, este argumento pode ser contestado ao verificarmos o caso da economia brasileira, que apresenta alta desigualdade e baixos níveis de poupança e investimento.
Mais recentemente, estudos sobre os efeitos da desigualdade no crescimento econômico têm sugerido o contrário, desigualdade prejudicaria o crescimento. O FMI[1] publicou, em abril deste ano, um estudo concluindo o oposto de Kuznets, de que a desigualdade não afetaria o crescimento no curto prazo, porém teria efeitos perversos no longo prazo. O combate à desigualdade, com medidas redistribuidoras, ao contrário do que geralmente se acreditava, também não prejudica o crescimento econômico. Sem mencionar ainda que democracias desiguais costumam ser extremamente instáveis.
Curiosamente, este tema sido muito mais debatido no exterior do que no Brasil, que já foi chamado um dia de Belíndia[2], considerando que nem mesmo os principais assessores econômicos dos candidatos leram o livro de Piketty[3]. O Brasil tem de fato caminhado em direção à equidade nos últimos anos. O Bolsa Família foi uma política eficaz neste sentido. O aumento constante do salário mínimo real também favoreceu os mais pobres, porém, as altas taxas de inflação e baixo crescimento sugerem que este modelo está agora esgotado. Como continuar a progredir em termos de equidade?
Existe uma série de políticas que ao mesmo tempo promovem o crescimento e um aumento na equidade, como, por exemplo, mudar o mix de impostos sobre consumo, que tendem a pesar mais nos bolsos dos mais pobres, em direção a impostos de renda progressivos. O gráfico abaixo ilustra que este é justamente o caso brasileiro, em que aproximadamente 40% da carga tributária está em impostos sobre consumo, como o ICMS, e é um dos campeões em desigualdade.
Outra sugestão seria aumentar a qualidade e o alcance da educação básica e secundária: As reformas para aumentar o capital humano são importantes para melhorar os padrões de vida, e também tendem a diminuir a desigualdade de renda do trabalho. Políticas como, conceder maior responsabilidade para as escolas, melhorar o recrutamento e formação de professores, e fornecer apoio especial para os alunos em risco de abandono escolar são alguns exemplos de políticas que agem neste sentido.
Incentivar os alunos a buscar mais estudos superiores pode, entretanto, ter um efeito mais ambíguo sobre a desigualdade de rendimentos especialmente no modelo brasileiro. A forma como são financiadas hoje as universidades públicas tende a transferir renda dos mais pobres em direção aos mais ricos, que tiveram condições de cursar um ensino secundário de qualidade e, portanto cursar as concorridas universidades. Uma solução que resolveria ao mesmo tempo este problema, e o da crise orçamentária das universidades públicas, seria cobrar mensalidades sobre o ensino superior e fornecer bolsas de estudos àqueles que não tiverem condições de pagá-las.
Estas são apenas algumas sugestões de como promover a equidade, existem diversas outras políticas que podem melhorar a qualidade de vida dos mais pobres. Assim como no mundo, este debate começará a esquentar no Brasil, com certeza os candidatos farão suas propostas. Precisamos ficar atentos, se não, podemos facilmente ser enganados por discursos de forte apelo populista.
[caption id="attachment_608" align="aligncenter" width="499"][1] http://www.imf.org/external/pubs/ft/sdn/2014/sdn1402.pdf
[2] Termo cunhado em 1974 pelo economista brasileiro Edmar Lisboa Bacha, em sua fábula “O Rei da Belíndia”, na qual argumentava que o regime militar estava criando um país dividido entre os que moravam em condições similares à Bélgica e aqueles que tinham o padrão de vida da Índia.
[3] http://www.valor.com.br/cultura/3549458/economistas-de-presidenciaveis-debatem-piketty