Deve o presidente do Banco Central ceder a pressões de curto prazo?

Junho de 2018. Situação externa sinalizando que não iria ser um caminho fácil para os emergentes, com delicados pontos de instabilidade especialmente na Argentina e na Turquia. Questões internas embaralhando os cenários, já que não se sabia quem teria cacife para levar a cadeira presidencial brasileira, por mais que talvez se previsse ser alguém da centro-direita que tivesse possibilidade de tocar reformas necessárias desde o início da década. 

Eis então que, diante de uma relevante disparada no dólar, subiam as pressões de diversos lados do mercado para que se o juro fosse elevado para de conter tal disparada.

Neste momento, Ilan Goldfajn deu seu maior demonstrativo de que sabia exatamente o que estava fazendo. Em pronunciamento logo no dia 07 daquele mês, deixou claro que não iria se utilizar de mecanismos como o juro para tratar de uma questão cambial. Não adiantava tentar frear aquela tendência com essa ferramenta, pois a fonte do risco era outra.

Dentre outros mecanismos, a política monetária se utiliza da movimentação dos juros, em reuniões a cada 45 dias no Comitê de Política Monetária (COPOM); já a política cambial se baseia em mecanismos de utilização de reservas e realização de swaps. O juro afeta sim o fluxo de investimento estrangeiro na economia, que tem impacto determinante no dólar, mas não é o único determinante e pode não ser o mais relevante.

Cabe lembrar que no Brasil, a função do Banco Central é a de vigiar a estrutura financeira objetivando a estabilidade dos rumos da moeda (e não outros aspectos como o crescimento da economia ou o desemprego, mas que obviamente não passam despercebido por influenciar a inflação). Ou, mais diretamente, focar suas observações em relação a mudanças na taxa de juros sobre as mudanças nos níveis de preços – vindo a agir preventivamente em relação a esses. Na prática, isso significa que o objetivo do nosso Bacen é de um prazo muito mais longo do que “até o final deste ano” ou mesmo “próximos dois ou três anos”. Ainda assim, o curto prazo se faz presente como pressão.

Chegamos então a 2019. Reforma da previdência está praticamente aprovada (a mais robusta de nossa história), inflação muito bem ancorada ante as expectativas para este e também para os próximos anos, sinal positivo para uma redução dos juros, conforme vem inclusive ocorrendo. Ainda que essa reforma não seja suficiente para resolver todos os problemas do lado fiscal, já promove um alívio que se verifica na redução dos juros mais longos da curva.

O Boletim Focus, que colhe as opiniões de agentes de diferentes instituições do mercado a respeito das expectativas sobre PIB, câmbio, juros e outros aspectos, mostrou dois movimentos notáveis do começo de 2019 (boletim de 11/01/2019) até agora (boletim de 14/10/2019). Em primeiro lugar, uma redução considerável nas expectativas para o crescimento do PIB neste ano: os atuais 0,87% (presentes nas últimas quatro semanas seguidas) começaram como 2,57%; em segundo, os juros começaram previstos para encerrar 2019 em 7% e agora estão em 4,75% pela segunda semana seguida. A inflação permaneceu em patamares baixos: 3,28% no relatório mais recente contra 4,01% do início deste ano.

Crescimento em baixa, inflação em níveis historicamente reduzidos. Seria o caminho para queda dos juros como nunca antes visto?

A “permissão” para que os juros possam ceder está na ancoragem de expectativas inflacionárias. Entretanto, um dos grandes aspectos que resvalam na inflação é a situação da esfera de gastos do governo. Sim, é verdade que há um certo alívio dada a aprovação da reforma previdenciária, mas não se pode esquecer que essa será capaz apenas de permitir que o governo não quebre, não que ele passe a ter fôlego. Sob essa perspectiva, ainda não há o que se comemorar em uma queda de juros dessa magnitude porque, no fim das contas, caso o fiscal não seja efetivamente direcionado, terá sido apenas uma boa miragem e não a garantia de um futuro mais afável em termos de juros no Brasil. Será necessária uma reforma administrativa (para aliviar o lado fiscal) e outra tributária – a primeira pouco se fala e a segunda tem adiamentos quase que diariamente anunciados.

Outro aspecto que tem de ser observado é o juro real: em nossa história recente não tivemos juro real tão baixo. Nas previsões atuais da Selic, é possível que o juro real fique abaixo de 1% – o que pode resultar em um baixo incentivo para alocação de capital em nosso país.

Essa combinação entre baixa atratividade de capitais internacionais e um fiscal ainda capenga faz com que o Banco Central, caso seja prudente, recomende e reforce a necessidade de ajustes, para que essa nova realidade de juros baixos não se transforme em um mero sonho de uma noite de verão. No entanto, não é a atual imagem que nossa autoridade monetária está passando.

A estabilidade da moeda, do sistema financeiro como um todo, tem mero quarto de século em nosso país. Parece ser um longo período mas, aos olhos de nossa conturbada história, é quase um piscar de olhos. Em janeiro de 2016, menos de quatro anos atrás, haviam previsões para uma Selic consistentemente em dois dígitos e uma inflação que, a continuarem as estruturas daquela época, talvez não se conseguiria mais conter. Dólar então, em patamares inimagináveis. No entanto, cá estamos nós, em outubro de 2019, vendo uma situação absolutamente diferente.

Questionamento para quem coloca em cheque a atividade do Banco Central por “estar seguindo muito devagar o que pede o mercado”: não seria adequado que a autoridade monetária cumprisse seu papel de observar o longo prazo em detrimento do que acontece na virada de poucos meses? Ou será que toda e qualquer atitude de curto prazo pode ser corrigida, pela autoridade monetária, na mesma velocidade de curto prazo que o mercado posiciona suas mudanças de expectativas?

Não se tem neste artigo um pedido para que os juros parem de ceder. Ainda há muitas maravilhas não precificadas dessa queda nunca antes vista. O que se pede aqui é prudência. Ser curto-prazista por mero otimismo não condiz com a execução da política monetária de maneira séria e responsável.

Há bastante ciência que hiato do produto é grande e que há espaço para novos estímulos, leia-se juro real abaixo do juro neutro, por mais tempo. A inflação está abaixo da meta para este e para o próximo ano, mas parece que algumas casas estão “pesando a mão” em alguns números para juros, ventilando números tão baixos que realmente levanta a dúvida se estão modelando ou não. 

Roberto Campos Neto, seja mais como Ilan Goldfajn e foque em sua função como líder da autoridade monetária brasileira. Ou então aguarde os rumos de uma “correção necessária”. A credibilidade demora anos para se ganhar (lembremo-nos do Tombini ano a ano dizendo que chegaríamos ao centro da meta de inflação com esta estando em seu teto), mas em poucas atitudes pode ser perdida.

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