Ditaduranomics: o ciclo econômico da ditadura

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DitaduraNomics, o ciclo econômico da ditadura

 21 anos é seguramente muito tempo para uma nação ficar sem liberdade política, mas também é um período longo o suficiente para profundas mudanças econômicas, políticas e sociais. O Brasil sabe muito bem os efeitos que compreenderam o período 1964-1985. No nosso primeiro texto, discutimos os fatores que levaram ao cenário do pré-golpe. Neste, mostraremos os rumos dados ao Brasil ao longo da ditadura militar e se realmente o desempenho da economia foi melhor nesses 25 anos.

Recapitulando, a economia brasileira cresceu em média 7,12% no intervalo 1948-1963, mas entramos nos anos 60 com uma inflação alta, na casa dos 90%a.a[1], fruto dos desajustes fiscais cometidos nos anos do desenvolvimentismo de JK. Goulart, por meio de seu Plano Trienal, tentaria curar a ressaca do governo passado, porém o remédio nunca foi testado, uma vez que o golpe chegou antes.

[caption id="attachment_288" align="aligncenter" width="644"] Tanques em pleno centro do Rio de Janeiro, março de 1964; Fonte desconhecida.[/caption]

A ditadura começa onde acaba a democracia. 31 de março de 1964 é o marco zero, data em que o golpe foi deferido e 15 dias depois assume o primeiro presidente do período militar, Marechal Castelo Branco. Dessa forma, dá-se início a um governo brando, relativamente tranquilo, mas o mais transformador em termos econômicos, guiado por dois grandes pensadores: Roberto Campos no ministério do planejamento e Octávio de Gouveia Bulhões na Fazenda. Juntos lançaram um ambicioso plano de reformas: o Plano de Ação Econômica do Governo, mais conhecido como PAEG. As diretrizes básicas eram:

  1. Controle da inflação

  2. Restauração do equilíbrio das contas do governo

  3. Reverter o deficit no balanço de pagamentos

  4. Reforma do sistema financeiro (incluindo a criação do Banco Central), via a criação da lei de capitais.

O PAEG é de longe uma das reformas mais importantes por que a economia brasileira já passou e está no hall da fama dos grandes planos econômicos. Os pontos ajustados pelo PAEG tornaram a economia mais moderna e deram maior estabilidade institucional, além de reduzirem a percepção de riscos e incertezas sobre o Brasil. Começando pelo controle da inflação, fechamos 1964 com uma taxa de 91,9%, 1966 com 38,27% e finalmente culminamos 1972 com 15%. Boa parte desse controle inflacionário foi resultado da mudança da forma que o governo financiava seus gastos. Até 1965, grande parte da conta era fechada com expansão monetária. O PAEG permitiu criar um mercado de dívida pública, no qual o governo se financia vendendo títulos a taxas atraentes e indexados à taxa de inflação. A partir de 1966, mais de 86% dos gastos passaram a ser financiados por esse mercado. Segurando a emissão de moeda, a inflação se acomodou e começou a diminuir.

[caption id="attachment_359" align="aligncenter" width="676"] Roberto Campos, um dos criadores do PAEG, ao lado do Presidente Castelo Branco. Autor Desconhecido[/caption]

Também nesse período, houve outras três reformas financeiras relevantes: a criação do Banco Central (em conjunto com o Conselho Monetário Nacional), a mudança nas leis que permitiam a entrada de capitais, permitindo assim um fluxo de divisas que vieram a financiar diversos projetos públicos e privados e, por fim, a criação do FGTS que flexibilizou imensamente o mercado de mão de obra, pois colocava fim a uma arcaica lei de estabilidade[2], facilitando assim a demissão de funcionários

Enquanto a economia seguia bem, o campo político prosseguia turbulento. Em 1967 ocorreu o que muitos especialistas chamam de “o golpe dentro do golpe”, quando os militares da linha dura forçaram Castelo Branco a deixar o cargo, iniciando assim o período mais duro da ditadura, que coincidiu com aquele de maiores taxas de crescimento econômico. Sobe ao poder Artur da Costa e Silva, tendo a economia capitaneada por Delfim Neto.

[caption id="attachment_358" align="aligncenter" width="676"] Delfim Neto, o capitão da economia na era do Milagre Econômico. Autor Desconhecido[/caption]

Na praia da economia da brasileira, surgiu uma nova onda trazida pelos bons ventos do PAEG. Com a prancha em mãos, nos preparamos para surfar mais um crescimento forte. No entanto, junto com a bonança econômica, veio o AI-5, marco da repressão política. O famoso ato institucional nº5 dava poderes especiais ao presidente, colocando-se acima da última constituição[3] e permitindo prisões arbitrárias sobre qualquer pretexto de contrariedade ao regime.

Quando a onda cresceu, nós a surfamos com grande maestria. Pela primeira vez, tivemos um grande crescimento sustentado, isso é, sem inflação para nos derrubar da prancha. Neste período, 1968-1973, tivemos um pibão, crescendo em média 11% ao ano. Foi uma festa, um deleite, o então milagre econômico. As mudanças institucionais trazidas pelo PAEG permitiram um maior controle sobre a economia e propiciou acesso a capitais externos que financiaram o governo, principalmente as empresas estatais. Nesse período o passivo externo praticamente dobrou[4]. Os recursos eram provenientes de instituições financeiras estrangeiras, principalmente bancos americanos, a economia mundial vivia relativa tranquilidade e o Brasil tinha uma boa imagem frente aos credores externos. Além disso, o grande crescimento não trouxe aceleração da inflação e gerou consistentes superávits no balanço de pagamentos. No entanto, sobre a inflação é importante ressaltar que em 1968 o CIP (Conselho Internacional de Preços) retirou parte da credibilidade dos índices de inflação calculados pelo governo, o que indica represamento de preços, o que levou a uma inflação corretiva mais tarde.

O que se via era uma economia que crescia ao que hoje chamaríamos de “taxas chinesas”, com inflação sobre controle, com relativo equilíbrio nas contas externas; em outras palavras, um processo de crescimento organizado. Porém, em 1973, o cenário global sofreu um imenso golpe: a primeira crise do petróleo. Um barril de petróleo que custava US$1,20, menos que uma água mineral, disparara para perto de US$6,00. O Brasil sentiu forte o tranco, uma vez que dependia imensamente da importação de petróleo, devido à importância da indústria automobilística no país. Para se ter uma dimensão de quão poderoso foi o “ajuste” feito pelos árabes da OPEP, a inflação mais que dobrou no biênio 1974-75, de 15% para 34% a.a. Apesar disso, um processo benéfico também resultara do ajuste de preços do petróleo. Com a enorme receita gerada desse reajuste, os países produtores de petróleo começaram a investir, gerando assim um excedente de poupança externa para os países em desenvolvimento, aumentando o acesso ao crédito barato no mercado internacional.

Ernesto Geisel sobe ao poder em 1974, trazendo ares mais calmos à política nacional, indicando que num horizonte próximo iríamos voltar a ser uma democracia. O próprio Geisel em seu discurso de posse disse que a redemocratização seria um processo: “lento, gradual e seguro”. Ele pertencia ao grupo moderado, o mesmo de Castelo Branco.

Moderação na política, ousadia na economia, mesmo com uma iminente crise no balanço de pagamentos e inflação acelerada fizeram com que o governo decidisse fazer um maciço investimento nos setores dependentes de importações, como o de energia e o da indústria de bens de capital[5]. Aproveitando-se dos petrodólares que inundaram os mercados financeiros, o Brasil aumentou sua posição de dívida externa, e o governo, via empresas e bancos estatais, financiou grandes obras, como Itaipu, o programa nuclear, o pró-álcool, a hidrelétrica de Tucuruí, novas siderúrgicas, ferrovias e o sistema Telebras. As taxas de crescimento voltaram, porém bem mais modestas que a média de antes de 11% a.a. Mais uma vez, a nova onda de crescimento desenvolvimentista foi detida por desajustes internacionais. Em 1979, vem o segundo choque do petróleo, no qual novamente os países produtores elevaram os preços, dessa vez para perto de US$36,00 por barril, levantando uma onda inflacionária por todo o mundo. Com uma inflação crescente, os Estados Unidos elevam sua taxa de juros básica, a prime rate, para 19% e os empréstimos externos brasileiros, antes baratos, começaram a ser balizados e reajustados a cada 6 meses pela prime rate. Logo a dívida externa explodiu.

[caption id="attachment_357" align="aligncenter" width="500"] Construção da gigantesca usina de Itaipu – Autor deconhecido[/caption]

Em 1979, ocorre a última troca de poder entre militares. Sai Geisel, entra João Baptista Figueiredo, outro militar do grupo dos moderados. Em 1981 crescemos negativamente em 4,3%, com a inflação na casa dos 90%. A economia brasileira vinha de 12 de anos de vigorosos crescimentos, porém uma forte crise batia a porta, com a dívida externa disparando, o Brasil começava a ter sua credibilidade colocada à prova, os recursos externos começam a minguar, e, para piorar, o México quebra em 1982. Em seguida, o Brasil iniciaria suas negociações com o FMI a fim de resolver problemas no balanço de pagamentos, e evitando o default da dívida soberana. Começava a década perdida, mesmo tendo alguns anos de crescimento forte, a inflação continuou disparando e na volta para democracia, os militares devolveram o país com uma inflação de 235% e com sérios problemas de dívida externa. Desajustes que levariam o país a ter diversos planos que tentavam estabilizar uma economia, que no final chegou a ter uma inflação recorde de 2708,2% em 1993, problemas que só foram corrigidos a duras penas pelo plano real, sendo que a questão da dívida externa só se equilibrar na década passada.

Ao final dos 21 anos…

Ficou gravado no imaginário popular que a economia do período militar foi ótima, o país cresceu com robustez e até existiu um certo sentimento de riqueza pela classe média urbana. Existe até quem se dispõe a dizer que o Brasil era melhor naquela época, economicamente. Mas à luz da história e dos fatos, afirmo que não. Começando pelo crescimento econômico médio, na era militar crescemos em média 6,15% a.a, enquanto que no período desenvolvimentista de JK crescemos em média 7,12%. Sendo este último crescimento com menos efeitos colaterais, a inflação disparou mas não superou a casa dos 100% a.a e houve um relativo equilíbrio na dívida externa. É fato que houveram dois choques do petróleo e a explosão da taxa de juros americana, ambos gatilhos para profundos desajustes nas nossas contas. Os fatos mostraram que não crescemos nem mais, e nem melhor, em relação a qualquer outro período. Importante ressaltar que os indicadores sociais do período são terríveis, apesar do crescimento forte, não houve uma reflexão disso na diminuição das desigualdades sociais e nem em uma proporcional diminuição nas desigualdades de renda.

Outra importante crítica que faço, é o gigantismo estatal na economia, que se incia em 1967 e se amplifica em 1974. As empresas estatais tomaram um papel central na economia brasileira, de forma monopolística em diversos setores, desde de petróleo, passando pelas telecomunicações e energia. Importante ressaltar que tais empresas eram vítimas de um enorme corporativismo, repassavam lucros para os salários e benefícios de funcionários e os prejuízos eram ajustados por transferências do governo federal, o que acabava por gerar expansão da base monetária e mais inflação. De 57 empresas analisadas, 52 tinham transferências exageradas a funcionários e a fundos de pensões. [6]

Todos esses investimentos que o Estado fez principalmente pós 1974, foram exacerbados, o governo estava exercendo uma exagerada gama de funções econômicas, funções que a moderna teoria econômica prova que o governo é mais ineficiente que o setor privado.

O maior legado da ditadura na economia foi o PAEG, o único plano, além do Real, que conseguiu conter a inflação no Brasil e a criar instituições poderosas para a criação de um melhor ambiente de negócios e confiança na economia brasileira. Fruto de economistas liberais de sólida formação que eram Roberto Campos e Octávio Bulhões, que acreditavam que o estado deveria prover um bom ambiente de negócios e não desenvolver negócios diretamente, como acreditou Delfim Neto, ministro dos dois presidentes da linha dura e um dos pais do gigantismo estatal.

Termino esse texto voltando a minha primeira frase “21 anos é seguramente muito tempo para uma nação ficar sem liberdade política”. Liberdade política ajuda a trazer liberdade econômica, são correlatas, e um país forte e grande como o Brasil precisa de ambas. É necessário que o cidadão brasileiro não se deixe levar por impulsos antidemocráticos, e que não ache que todos os males vem do ambiente político-democrático, e que acredite no contrário, que a democracia é indispensável para resolver os problemas do Brasil.

“De 15 em 15 anos, o Brasil esquece o que aconteceu nos últimos 15 anos” Ivan Lessa

Notas:

[1] Todas as inflações aqui mostrada foram medidas pelo IGP-DI, para maiores informações consultar “Economia Brasileira Contemporânea”, apêndice estatístico, Giambiagi – 2011

[2] A lei de trabalho vigente em 1960, garantia estabilidade do trabalhador no emprego após dez anos de serviço no mesmo estabelecimento.

[3] Constituição de 1967

[4] Gráfico da Dívida Externa

[5] Bens de Capital: São máquinas e equipamentos industriais e qualquer tipo de bem usado na produção industrial.

[6]Segundo matéria vinculada no jornal Folha de São Paulo em 22-12-1993.

Victor Candido

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