Por Victor Candido
O dólar subiu no telhado. De janeiro de 2015 até agora a desvalorização da moeda tupiniquim foi tremenda. De R$2,80 para os já psicologicamente traumáticos R$4,00. Visitas ao Mickey caíram vertiginosamente, ao mesmo tempo em que o preço do azeite que subiu e muito.
Em teoria, no curto prazo, a desvalorização cambial funciona como uma via de mão dupla. Em um primeiro momento ela diminuiu a nossa capacidade de gastar em dólares, seja importando produtos ou viajando para fora do Brasil, o efeito negativo. E em 2015 as importações caíram vertiginosamente, -12%.[1]
O efeito positivo, o inverso do primeiro, é que os produtos exportados pelo Brasil se tornam mais baratos lá fora, e assim aumentam-se as exportações, principalmente aquelas que o Brasil tem competitividade. Porém, em 2015 as exportações também caíram, -10%, mas menos do que as importações, o que permitiu o retorno do saldo positivo da balança comercial.
O que você exporta importa!
No longo prazo, a relação câmbio e exportação deixa de ser o principal fato explicativo para o desempenho das exportações de um país. O que explica o desempenho nesse campo é capacidade produtiva, principalmente a de produzir bens complexos como aviões a jato, medicamentos complexos e equipamentos médicos.
Segundo Ricardo Haussman e César Hidalgo, em seu ousado projeto, “The Atlas Of Economic Complexity”: a qualidade das mais diversas formas de capital, a qualidade institucional e a quantidade de informação embutida no que o país produz. Para classificar a complexidade de uma nação, os autores criaram uma escala que vai de 3 (o mais complexo possível – química avançada), até -3 (menos complexo possível – petróleo bruto). De forma mais simplificada, aqui para a nossa análise, bens manufaturados são mais complexos que os semimanufaturados, que por sua vez são mais complexos que commodities. Em bom português: Carros são mais complexos que óleo de soja, que por sua vez, é mais complexo que minério de ferro bruto.
Quantidade de informação embutida, pera aí, o que é isso?
É simples, quanto você precisa saber para plantar café em Minas Gerais? Muito, mas é bem menos do que você precisa para construir um jato executivo, como a Embraer faz no interior de São Paulo. Então a quantidade de informação em um jato é infinitamente maior do que a contida em um grão de café…. De forma bem mais óbvia, um avião é mais complexo do que grãos de café. Do mesmo jeito que o petróleo bruto, é tirado do poço, envasado e vendido, o quanto de informação foi adicionado nesse processo? Pouca.
A complexidade de um país é observada em suas exportações, se ele domina o processo informacional de produzir bens complexos, logo é natural que ele exporte esses bens.
Outro ponto bastante importante é que Haussman e Hidalgo concluíram que a renda per capita tem uma relação com a complexidade econômica no longo prazo. Ou seja, existe uma convergência entre ambas. Se você vende jatos, teoricamente, ganhará mais do quem vende café.
Mas qual a complexidade embutida no Brasil?
Antes de discutirmos a complexidade nacional, vale ressaltar uma coisa. Se o Brasil tem competitividade em um tipo de produto, então o câmbio desvalorizado ajuda a aumentar a exportação desse bem e assim ajudar a retomada da atividade econômica, mais uma vez, no curto prazo. Vamos ver alguns retratos das exportações brasileiras em 4 anos distintos: 2000, 2005, 2008 e 2014 e partir dessas fotos vamos tirar algumas conclusões:
Em 2000, todos os bens manufaturados eram responsáveis por cerca de 40% da pauta de exportação. Manufaturados possuem complexidade econômica, em média, superior a produtos básicos. Em 2014 o peso dos manufaturados caiu para menos de 30%. É extremamente nítido nas 4 imagens o espaço que os produtos básicos conquistaram na pauta de exportação nacional. O motivo é óbvio: o preço desses produtos no mercado internacional disparou, e o Brasil era um produtor competitivo. Agora é só você lembrar da história do avião jato e do grão de café. Você quer exportar café ou jatos? Se você tem competitividade no café, então exporte-o e com o lucro invista em capital físico e humano para produzir jatos.
É claro que o raciocínio é muito simplista, mas é verdadeiro, o Brasil não aproveitou o chamado “Boom das comoddities”. Como deixou a indústria sem investimentos, a complexidade econômica caiu, como mostra o gráfico abaixo:
Lembra daquela relação entre o nível de complexidade e a renda per capita no longo prazo? Quando se olha para esse gráfico a coisa assusta. Pois exatamente quando a renda per capita mais cresceu nos últimos anos, também foi quando aconteceu a maior perda de complexidade econômica possível.
Outro ponto que vale a pena o destaque é que o governo nos últimos anos tentou de forma completamente desastrosa reavivar a indústria nacional, com uns caminhões de crédito subsidiado via BNDES e com desonerações como a do PIS/COFINS, que só agravaram o problema da dívida pública e via a MP579, a famosa media provisória das elétricas que visava uma redução da conta de luz em 30%, mas que no final das contas levou a um aumento de 50% para os consumidores de energia em menos de 2 anos. Muitos gastos e nenhum impacto na complexidade…
O mais assustador, é que o Brasil, hoje mais um exportador de commodities do que um exportador de manufaturados, vê o preço de seu principal produto de exportação despencar.
Só nos agrícolas, os preços caíram mais de 40% desde o seu pico em 2011. Ou seja, temos uma nação que preferiu deixar a sua complexidade econômica decair, enquanto aproveitava o boom de preços naquilo que exigia menor complexidade. É mais ou menos como fazer um piquenique na beira do vulcão, enquanto tiver comida está tudo ok, não há com o que se preocupar. Mais uma hora a conta chega, e está chegando agora. Com o preço das commodities no nível atual, sem perspectiva de melhora e com a falta de competitividade em bens complexos, o Brasil não terá o fôlego externo para fazer a economia voltar a crescer.
Notas: [1] Segundo dados da SECEX [2] Disponível em: http://atlas.media.mit.edu/en/