É preciso discutir o tamanho da carga tributária no Brasil

Por que é preciso discutir o tamanho do Estado em nosso país com mais seriedade? Basicamente porque a atual discussão fica em rasos embates como “o Estado deve ser soberano” versus “o Estado deve ser mínimo”, “a entidade privada deve ser autônoma” versus “o problema é o excesso de liberdade do mercado” e outros do tipo – e questionamentos de quem defende cada um dos lados seguem sem resposta clara: se de um lado aqueles que defendem o mínimo Estado não conseguem apresentar explicação de como este funcionaria, tampouco são capazes de justificar seu pensamento os que afirmam que o Estado deve reger todos os passos da economia.

A economia é uma ciência humana e, ao contrário do que muitos pensam, não fornece respostas definitivas para os problemas sociais: mais importante do que “defender um lado” deve ser pautar-se pelas reais demandas da sociedade, [1]. Afinal, o Estado brasileiro arrecada enormemente devido a demandas sociais existentes [2], mas pouco discutidas – e não estou falando de discussões intelectuais, pois estas realmente ocorrem, me refiro a discutir com a própria sociedade – além, é claro, de ter uma necessidade de arrecadação crescente devido ao tamanho igualmente em crescimento da máquina pública.

O atual orçamento público brasileiro baseia-se no que pode ser chamado de “incrementalismo” – a ideia de que, a cada ano, todos os gastos devem ser reajustados pela inflação do ano anterior. No evento de uma crise, os recursos precisam ser enxugados.o que acarreta o chamado “cheese slicing” (ou o famoso anúncio de cortes por valores, sem especificações, que acabam afetando desde os programas mais questionáveis até os mais importantes). A imperfeição deste modelo é que ele não olha para as necessidades, e sim para os números. Imaginemos o rápido exemplo de uma pequena cidade cuja população é majoritariamente composta por adultos e idosos: pela Lei de Responsabilidade Fiscal, que exige percentuais mínimos de gasto em saúde e educação, essa cidade deverá desembolsar um mínimo para reformar escolas que podem ter uma demanda pequena (simplesmente porque o recurso existe e precisa ser gasto) e, em um momento de crise, podem ser cortados recursos não só dessas escolas como também de programas de saúde que, nessa cidade, sejam bastante úteis.

A otimização dos recursos públicos passa pela complicada tarefa de realizar um orçamento base-zero, aquele em que, a cada novo período, discutem-se os problemas que o orçamento público deveria ser capaz de resolver e, consequentemente, o quanto ele deveria arrecadar para fazê-lo [3]. O início desta ideia é o chamado Orçamento Participativo [4], em que as demandas são discutidas em nível municipal – o que amplia o conhecimento da população sobre como o processo orçamentário funciona.A grande dificuldade em se fazer uma discussão sobre o orçamento público em nosso paísse origina da “Em suma: há muita discussão e pouco diálogo – e, devido a isso, há pouca consistência ou direcionamento da trajetória dos gastos públicos. Um exemplo emblemático de como este embate entre “razões explícitas” se aproxima mais de uma discussão do que de alguma forma de diálogo foi o desentendimento entre o então ministro dos esportes Aldo Rebelo e os jornalistas Mauro Cezar Pereira e Luiz Fernando Gomes em um Roda Viva, que discutia a construção dos estádios para a última Copa do Mundo da FIFA

De qualquer maneira, mesmo com a necessidade e dificuldade de se fazer essa discussão, a percepção atual sobre a carga tributária é bastante clara: somos um dos países com o pior retorno dos impostos que pagamos [7]. E qual o efeito de não procurar um jeito de se discutir essa questão com seriedade? Enquanto Dilma Rousseff afirmou recentemente que não há mais de onde cortar gastos e que a solução é a volta da CPMF [8], temos em dados que os governos Lula e Dilma até então já aumentaram as despesas obrigatórias (aquelas em que o governante não tem poder de determinar o montante, pois são previamente decididas de maneira legal) em mais de 400%, empurrando para baixo ano a ano os níveis de investimento [9] – importante notar quea diferença entre gasto e investimento é relativa ao tempo de se auferirem benefícios: o gasto traz beneficio imediato, enquanto o investimento o faz ao longo do tempo. A carga tributária aumentou consideravelmente após a Constituição Cidadã de 1988 devido a demandas sociais anteriormente reprimidas e que então passaram a ser atendidas, mas não é apenas pelo aumento – e isso impacta na trajetória da dívida pública, cuja tendência é um demonstrativo da responsabilidade (ou não) de um governo com seus gastos ao longo do tempo [10].

Além do peso financeiro dos impostos sobre quem produz, há também o aumento de tempo gasto com a burocracia tributária quando a carga segue em elevação:enquanto nos EUA e na China uma empresa gasta entre 200 e 300 horas por ano com os trâmites legais relacionados aos impostos, por aqui gastamos cerca de 2600 [11], o que possivelmente deve contar como um contra incentivo para se investir no Brasil. E, mesmo assim, são sugeridos diariamente aumentos da carga tributária. Lembrando que nem sempre aumentar a carga tributária implica em aumento de arrecadação de receitas para o orçamento público.O Estado tem reais funções e justificativas para existir, mas atualmente, no caso brasileiro, ele parece ser mais um enorme agregador de recursos para si do que um solucionador de problemas que afirma ser.

Em teoria, os impostos têm como maiores justificativas o direcionamento de comportamentos – exemplo: o imposto alto sobre o cigarro objetiva a redução de seu consumo pela população – e permitir que a renda seja mais equitativa entre as diversas faixas existentes. Entretanto, curiosamente, essas duas funções parecem não ter respaldo prático: remédios são mais tributados do que filmes adultos [13] e títulos financeiros cujo acesso é restrito a faixas superiores de renda – como LCI e LCA – são isentos de Imposto de Renda.

Mudanças reais dentro deste cenário podem surgir por meio de iniciativas no âmbito municipal e/ou regional, em que agentes da sociedade civil decidem se reunir para estudar o orçamento público e sua execução – os Observatórios Sociais [14] buscam cumprir este papel, assim como o também apresentado Orçamento Participativo.Mas é importante notar que: com impeachment ou sem ele, caso essa “luta para não cair” dos atuais governantes siga em frente como pauta única e principal do congresso nacional, discussões mais profundas como uma reforma previdenciária – que poderia reverter muitas das expectativas negativas sobre o orçamento público para os próximos anos – dificilmente sairão do campo das promessas.

Mas algo é inegável: ou discutimos essa questão com seriedade para que rumos possam ser definidos para os próximos anos – como diria Otaviano Canuto, “analisando as caixinhas de gasto público, uma a uma, e decidindo quais devem seguir e quais devem deixar de existir” ou seremos para sempre o triste “país do futuro”, na melhor das hipóteses, aos olhos do mundo.

Caio Augusto de Oliveira Rodrigues, 22 anos, bacharel em Economia Empresarial e Controladoria (habilitação em Economia com ênfase em Políticas Públicas) na FEA-RP / USP.

[1] Lei de Wagner http://www.econometrix.com.br/pdf/a-lei-de-wagner.pdf

[2] Filipe Campante, professor de Políticas Públicas da Universidade de Harvard faz esta afirmação em https://www.youtube.com/watch?v=WXMJQdm-MOM

[3] Orçamento “incrementalista” e Base-zero tem suas definições encontradas no Glossário do Tesouro Nacional http://www3.tesouro.fazenda.gov.br/servicos/glossario/glossario_o.asp; o termo “cheese slicing” fora discutido em uma disciplina chamada Controladoria Pública, lecionada pelo professor André Aquino, da FEA-RP/USP; demais problemas sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal são discutidos nesta reportagem do Estadão em que o economista José Roberto Afonso (coordenador da equipe que planejou a LRF em 1998/1999) expõe suas opiniões http://economia.estadao.com.br/blogs/fernando-dantas/a-lrf-e-o-futuro/.

[4] Sobre o orçamento participativo http://gestaocompartilhada.pbh.gov.br/sites/gestaocompartilhada.pbh.gov.br/files/biblioteca/arquivos/op_como_instrumento_de_gestao_e_cidadania_0.pdf

[5] http://www1.folha.uol.com.br/esporte/2015/06/1641108-um-ano-depois-da-copa-oito-dos-doze-estadios-da-copa-tem-prejuizo.shtml

[7] http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/brasil-fica-na-lanterna-em-ranking-de-retorno-dos-impostos

[8]http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/dilma-diz-a-senadores-que-nao-ha-onde-cortar-e-pede-cpmf-6b1b3u4oeiiunpw4l486gab6v

[9]http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,sob-governos-do-pt–gastos-obrigatorios-cresceram-421-4-e-chegam-perto-de-r-1-trilhao,1837245

[10] https://terracoeconomico.com.br/e-a-tendencia-estupido-o-preocupante-aumento-da-divida-brasileira/

[11] http://www.otempo.com.br/capa/economia/brasil-%C3%A9-campe%C3%A3o-em-tempo-gasto-com-impostos-1.298479 [12]

[13] http://spotniks.com/brasileiro-paga-mais-impostos-em-remedios-que-em-revistas-e-filmes-adultos/

[14]http://congressoemfoco.uol.com.br/opiniao/colunistas/observatorios-sociais-uma-nova-cultura-de-representacao-politica/

Caio Augusto

Formado em Economia Empresarial e Controladoria pela Universidade de São Paulo (FEA-RP), atualmente cursando o MBA de Gestão Empresarial na FGV. Gosta de discutir economia , política e finanças pessoais de maneira descontraída, simples sem ser simplista. Trabalha como diretor financeiro de negócios familiares no interior de São Paulo e arquiva suas publicações no WordPress Questão de Incentivos. É bastante interessado nos campos de políticas públicas e incentivos econômicos.

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