“Um dos meus princípios é fugir de estatais. Por uma questão básica: elas não visam ao lucro. Por que vou investir em uma empresa cujo o objetivo é servir ao Estado?”
-Luiz Sthulberger, gestor do maior hedge fund do Brasil.
Na história econômica do Brasil, o mercado de capitais não cumpriu plenamente o seu papel de principal fonte de captação de recursos para investimentos de longo prazo. O fraco desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro ao longo da história encontra sua explicação no próprio modelo de desenvolvimento adotado na economia brasileira e também na sua própria instabilidade. O fechamento econômico não estimulava grandes investimentos por parte das empresas, que por consequência, não necessitavam de grandes fontes de financiamento, pois as necessidades pontuais poderiam ser atendidas pela retenção de lucros ou mesmo por instituições de crédito comerciais ou governamentais.
Diferentemente de outros momentos históricos, a atual crise brasileira é “coisa nossa”. Em tempos anteriores dizia-se: se o cenário externo espirrasse, o Brasil ficava resfriado. Avançamos muito, porém a nossa capacidade inventiva é incrível. Atualmente a crise nasce no seio do Estado, sobretudo na sua erosão fiscal e de explosão da dívida pública, sendo todos seus prejuízos socializados com a sociedade.
Claro, como também não é novidade para ninguém, nosso mercado de capitais ainda é muito incipiente, inclusive recentemente perdendo o posto de maior bolsa da américa latina para a bolsa do México, em 54 meses (de abril de 2011 a setembro de 2015) o conjunto de todas as empresas listadas perdeu cerda de US$ 1 tri [1]. Evidente que com a taxa de juros não-civilizada que possuímos, existe um desincentivo enorme para tomada de risco por parte do investidor e também de abertura de capital por parte das empresas.
Ademais, já não é de hoje que o índice Ibovespa vem apresentando muito abaixo do potencial esperado. Até o final de 2015, já são três anos seguidos de queda, uma destruição de valor sem precedentes! O que representa cada vez mais a aversão a risco dos investidores, falta de previsibilidade e claro, atuações atabalhoadas do Estado.
Dentre as modalidades jurídicas que definem as estatais, uma delas é a de “sociedade de economia mista”, uma forma encontrada para que o Estado não abrisse mão da sua autonomia dentro da empresa, mas que contasse com recursos privados para expandir seus negócios. Todas devem ser de sociedade anônima e claro, o Estado continua sendo acionista majoritário e com direito a voto, pois julgam que estas cumprem um papel “estratégico” na economia.
No governo Collor na década de noventa, as principais empresas listadas na bolsa possuíam tal formação jurídica. Segundo dados da BM&FBovespa, em meados dos anos noventa, pouco antes da privatização das principais empresas estatais, o Ibovespa, principal índice de ações brasileiro, chegou a acumular no ano de 1993 em suas cinco maiores empresas uma concentração de 74% do índice, (eram elas: Telecomunicações Brasileira S.A. (Sistema Telebrás), Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobrás), Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras), Companhia Vale do Rio Doce, Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG).
O processo de privatização, entre outros objetivos, tinha como meta o fortalecimento do mercado de capitais, à medida que a propriedade acionária fosse comprada pelo o setor privado. Porém, alguns espólios ainda restam.
Atualmente são 30 estatais listadas na bolsa de valores, que representam 26% do volume médio negociado e apenas 8 são integrantes da carteira do Ibovespa.
Pois bem, vamos a alguns dados.
[caption id="attachment_5918" align="alignnone" width="1015"]Analisando os dados desde 2010, não coincidentemente início do primeiro mandato da atual presidente, a Petrobrás já vinha apresentando desvalorização significativa e assim continuou durante todos os outros anos. Como sabemos, a estatal foi usada indevidamente para represar preços e “controlar” a inflação, passou por uma capitalização maluca (inclusive com o FGTS dos trabalhadores) e por fim, sofre com os efeitos da deflagração da operação Lava-Jato. Apenas a SABESP apresentou ganhos consideráveis no período, talvez porque apresenta estrutura consolidada de transparência e diligência perante seus investidores, sem contar a ótima base de custos (não é à toa que é a única empresa do setor de saneamento básico com ADRs listadas na bolsa norte-americana). As empresas ligadas à energia como CEMIG, COPEL e CESP dispensam comentários: a atuação do governo no setor no período levou o setor a uma quebradeira generalizada.
Contudo, com o esgotamento do modelo desenvolvimentista, e com o fraco desempenho das empresas estatais, começa-se a por em dúvida o papel desempenhado pelo Estado na economia. Inclusive, segundo dados da revista Exame, apenas duas estatais se valorizaram durante todo o período do Governo Dilma [2].
O Banco do Brasil – com a BB Seguridade – poderia ser a salvação da nossa amostra. Mas não foi o que ocorreu, já que mesmo com vários anos anteriores de bons resultados, 2015 foi também marcado por resultados difíceis e desvalorização das ações. Nos corredores de Brasília, já se comenta que o governo terá de aportar capital nos bancos públicos para evitar uma quebradeira.
O Terraço, portanto, decidiu fazer um exercício capcioso. E se retirássemos as estatais da carteira teórica do Ibovespa?
Sim, o índice Ibovespa nada mais é do que uma carteira teórica, que segue um rigoroso método de ponderação das maiores empresas listadas na bolsa de valores, representando um indicador médio das cotações dos ativos de maior liquidez e representatividade do mercado [3].
Então vamos incluir mais um critério arbitrário: todas as empresas estatais devem ser excluídas.
Depois de feitos os devidos rebalanceamentos [4], perplexos e atônitos, analisamos os resultados:
[caption id="attachment_5932" align="alignnone" width="1190"]Sim, observem atentamente o resultado alcançado.
Vamos lá: o retorno acumulado do Ibovespa desde 2010 é péssimo – perdeu mais de 40%. Porém, com o tratamento de excluirmos as estatais, o retorno atual seria de +13,2%, um diferencial de mais de 53%p.
A grande evidência comprovada, é que o peso excessivo das estatais no índice se tornou um grande empecilho para o bom desempenho do mercado de capitais e da premiação ao risco envolvido, mesmo porque tais empresas não abrem espaço para a disputa de seu controle (e de sua restruturação), e expõem os investidores às incertezas inerentes a sua administração. Dessa forma, se o investidor acredita que a influência do governo é restrita apenas a políticas públicas benevolentes para ajustar as variáveis macroeconômicas, e não utilizando-as como instrumento de influência, cabides de empregos, e mais recentemente, desvio de dinheiro público, pode estar cometendo um grande erro, e claro, que será refletido diretamente na rentabilidade apresentada.
Ainda assim, mesmo com a adesão de um número cada vez maior de empresas estatais a níveis diferenciados de governança, a desconfiança quanto à capacidade administrativa e os riscos de interferência política devem ser ainda considerados como objeto de análise dessas empresas (o represamento de preços da gasolina/energia e a Operação Lava Jato são os exemplos mais patentes).
Ainda existe uma grande contradição dentro de tais empresas entre a ótica da empresa estatal e ótica empresarial (o famoso patrimonialismo), elevando o risco de investimentos nessas companhias e fazendo com que os investidores penalizem suas ações na bolsa de valores.
Portanto, o diferencial de mais de 50% apresentado entre as duas carteiras não é obra do acaso. Pelos aspectos analisados, fica evidente que o peso das estatais entre as empresas integrantes do índice Ibovespa é prejudicial para toda a conjuntura do mercado de capitais. Porém, até por critérios metodológicos e claro pelo enorme valor de mercado que estas representam, no curto prazo é impossível retira-las do indicador. Então, para que o mercado de capitais retome sua pujança e prestigio, seria necessária repensar o modelo atual e também retomar o processo de privatizações que trouxe muitos benéficos, mas que foi sumariamente encerrado em meados dos anos 2002, justificado pelo conceito já retrógado de “soberania nacional”. Parece que retornamos ao contexto dos anos 80.
Então, resgatando o conceito mais prosaico da economia: “Os recursos são escassos”, as estatais estão cumprindo o papel de destruição ininterrupta de recursos, ou seja, a bolsa de valores deveria ser um ambiente de ganha-ganha, povoada por boas empresas em busca de investidores ávidos pela geração de valor e com elevado apetite ao risco. Mas o que vemos no cenário atual é completamente o contrário: uma fuga cada vez maior, sobretudo dos pequenos investidores. E também uma parada brusca da abertura de capital por parte da iniciativa privada – já estamos quase 2 anos sem um novo IPO (oferta pública de ações) – e ainda assim, aumentando o desincentivo do investimento privado e infelizmente, uma dependência maior do investimento público e da famosa “canetada” para viabilizar os projetos.
Em suma: mesmo considerando avanços recentes, as estatais (independentemente de estar listada ou não) ainda são sujeitas às convicções ideológicas de cada governo, pois enquanto este fator ainda mais arraigado não se alterar, continuaremos a destruir valor na bolsa de valores, que nada mais é um fato sintomático de seus efeitos perversos na economia, e no limite na sociedade em geral.
Disclaimer:
- Mesmo que todos os critérios são divulgados publicamente, é uma tarefa complexa replicar a carteira de forma perfeita por conta do “free-flot”, então a carteira “sem-estatais” é uma aproximação.
- Temos ciência também de que a carteira Ibovespa é rebalanceada periodicamente, porém dado o conteúdo didático do estudo, optamos por não considerar este critério para replicar o retorno acumulado.
[1] Bovespa deixa de ser maior bolsa da América Latina – G1
[2] Só duas estatais valorizaram-se na Bolsa no governo Dilma – Exame
[3] Metodologia atual do Ibovespa