Economia da cultura

A economia é a ciência que estuda as formas de comportamento humano resultantes da relação existente entre as ilimitadas necessidades a satisfazer e os recursos que, embora escassos, se prestam a usos alternativos. Utilizando essa definição, de Lionel Robbins, para a ciência econômica, pergunto: o que economia tem a ver com cultura?

Os recursos são escassos!

Todo estudante, geralmente nas cadeiras de história do pensamento econômico ou metodologia da ciência econômica, deve ter encontrado tal definição. Porém, poucos são aqueles que sabem o que ela realmente significa. Para o grande público, composto de leigos diante da linguagem alienígena do economês, essa definição é ainda mais problemática e de difícil entendimento. A grande ironia dessa situação é: a definição de Robbins é de um senso comum que não deveria espantar ninguém. Segundo ela, a economia estuda como os indivíduos alocam seus recursos limitados, máquinas e trabalho, para fins potencialmente ilimitados.

De uma forma mais usual, Robbins quis dizer é que se os recursos são limitados, não posso atender a todos os meus desejos. Logo, seria necessário ordenar esses desejos em hierarquias de preferências (por exemplo, prefiro estudar do que ir a uma festa). Assim, cada um escolhe como utilizar seus próprios recursos da forma que achar mais importante e seguindo critérios pessoais e subjetivos.

A definição de Robbins é bastante interessante, pois nos permite utilizar a economia para estudar todas as atividades humanas em que o ser humano age, ou seja, aquelas que envolvem escolhas. Brilhantes economistas usaram e usam dessa premissa para estudar campos da atuação humana antes não estudados pela ótica econômica. Dentre eles estão Gary Becker, Steve Levitt, Scott Cunningham, Michael Grossman e outros.

O que a economia diz sobre a cultura?

Um campo que poucos imaginam para a aplicação da lógica econômica  é a cultura. Pinturas, esculturas, cinema, músicas, literatura, dança, teatro, etc. A maioria das pessoas pensa que objetos culturais são dispensáveis diante da lupa de um economista e que deveriam ser analisados por críticos de arte, sociólogos, filósofos, arquitetos e afins. Todavia, isso está errado por duas razões:

Para melhorar nossa análise é de bom grado delimitar o que é escassez num mercado como o de cultura. As pessoas tendem a pensar na escassez somente em termos monetários, porém tal visão é equivocada. A escassez tem a ver com as escolhas que faço, dado meus recursos limitados e a irreversibilidade do tempo. Se escolho gastar mais comprando Snickers (coisa que tendo a fazer), então terei menos meios para comprar outras coisas, por exemplo, cópias de apostilas para a universidade.

Na economia cultural, a escassez está relacionada ao tempo e ao sentimento. As pessoas, geralmente, querem desfrutar de um determinado tipo de sentimento derivado do consumo de bens culturais, por exemplo, a agitação de um show de rock, o prazer de derrotar um boss no Dark Souls ou o prazer contemplativo de uma obra de Rembrandt) dentro de sua agenda diária, gastando tempo com o desfrute desses bens.

Porém, como já deve ser intuitivo para muitos, a agenda de uma pessoa é dada em função do tempo disponível (que, em nossa dimensão, é 24 horas por dia), ou há um tempo limitado para fazer tudo aquilo que se deseja. Se gasto tempo desfrutando da beleza de A Lição de Anatomia do Dr. Tulp, eu terei, necessariamente, menos tempo para gastar estudando para a prova de econometria ou fazendo hora extra para comprar um presente para minha namorada.

É o tempo o principal inimigo de um admirador cultural, não o dinheiro. É até óbvio, se parar para pensar. Em um mundo digitalizado e globalizado, temos praticamente acesso gratuito e ilimitado aos maiores tesouros culturais das civilizações na tela de um smartphone. Você pode ter toda a obra de Shakespeare de graça e contemplar a galaria do Lovre praticamente toda no Google Imagens.

O que certamente nos falta é tempo para terminar, por exemplo, um Em Busca do Tempo Perdido de Marcel Proust. Alguns pensam que a educação é um entrave também, porém isso é mera derivação de uma visão elitista de que apenas homens letrados podem desfrutar dos prazeres transcendentais da cultura. Como bem disse George Santayana, se a formação fosse requisito para o desfrute artístico, os gregos clássicos não teriam produzido as mais finas obras culturais da civilização ocidental.

Os incentivos na economia da cultura são subjetivos. A importância de um bem cultural depende dos sentidos e do entendimento de cada indivíduo. Afinal, como já dizia os empiristas, a beleza de uma obra está nos olhos daquele que a testemunha. O sentido de Dom Casmurro, sobre a traição ou não de Capitu, depende do leitor e cada um terá sua interpretação (aliás, trata-se de um artifício brilhante da prosa machadiana, subverter os fatos ao ponto de vista do narrador).

Os incentivos são também reflexivos, na medida que eles são programados pelos agentes para agir em si mesmos e não em outros. O meu incentivo para ver Joker em outubro não implica que o mesmo incentivo exista para os N outros indivíduos de um mesmo mercado cultural.

Os incentivos culturais, em grande parte, são recompensas e punições para a superação de uma falha humana. Ou seja, as recompensas não são monetárias ou materiais, mas transcendentais ou sentimentais e que conseguimos ao superar um problema ou falha de nossa própria natureza. Para um leitor de Dostoiévski isso é bastante claro: a recompensa de ver a dualidade amorosa de Alexei Ivanovitch e Polina é o melhor entendimento da frágil liberdade de vontade do homem para com aquela que ele ama e ao que sua negação pode levar. 

De forma semelhante, a punição de admirar um Banksy é geralmente a amarga reflexão sobre a sociedade atual e, muitas vezes, sobre si mesmo enquanto indivíduo atuante e responsável pelo estado da sociedade.

Dada a natureza do sistema de incentivos da arte, os economistas da cultura consideram que o desfrute de um bem cultural sem um sentido para seu consumo (isto é, sem a experiência transcendental adquirida com seu consumo) é vazia e só gera custos para o agente. A única explicação para o consumo de bens culturais dessa forma é o uso do objeto cultural como ativo financeiro especulativo.

Dentro da economia existe o conceito de restrição orçamentária, segundo o qual as suas escolhas estão limitadas pelos meios disponíveis para alcançá-las. Em verdade, trata-se de uma derivação do problema de escassez já discutido aqui. Na economia cultural, a restrição orçamentária se traduz no conceito de carência de atenção.

No mercado cultural, a utilidade será decrescente para cada unidade adicional de bem cultural disponível. Isso é bem ilustrado com a mais bela forma de arte: a culinária. Por mais que você seja um foodie fanático, existe uma restrição orçamentária para sua atenção à arte culinária (que é dada como função da sua capacidade degustativa e estomacal) mesmo se você estiver saboreando um belo mille-feuilles.

Em geral, as pessoas se cansam, com o passar do tempo, de determinados tipos de arte e expressões culturais. Eu, por exemplo, adoro as obras de Ian McEwan e Michel Houellebecq, mas mesmo assim tem um momento da narrativa que eu perco a atenção e busco distrações no ambiente ao redor.

Museus tendem a enfrentar esse problema de maneira mais séria. Os visitantes muitas vezes perdem o foco da exposição e não chegam a completar a visita a todos os departamentos. Para solucionar isso é necessário dar um incremento no “capital cultural”. Esse incremento pode vir de muitas formas, desde uma música polêmica, uma coreografias impactante/inovadora até interatividade com o público e comercialização de marca, como fez o British Museum com seu canal no YouTube (aliás, muito bom) ou o mercado literário com o Kindle.

Por fim, esse é o básico do que você precisa para analisar o mercado cultural, seja você um economista ou um administrador da área. Abaixo estão indicados dois livros, ao clicar no hiperlink e adquirir um deles na Amazon, uma parte do valor pago é repassado ao Terraço Econômico. Conheça coisas novas, aumente o estoque de capital humano do país e ajude o Terraço, compre os livros abaixo!

Livros básicos

O In Praise of Commercial Culture de Tyler Cowen, além de fazer uma defesa da arte enquanto bem comercial, fornece alguns insights para a análise do mercado de arte para leigos.

A Textbook of Cultural Economics de Ruth Towse é o manual básico para o aluno de economia que quer estudar cultura.

Literatura acadêmica

O Journal of Cultural Economics fornece a melhor base acadêmica para pesquisadores do setor ou para aqueles interessados em leituras mais complexas.

O Journal of Media Economics tem alguns artigos uteis para quem pesquisa economia da cultura em mercados como televisão, música pop e cinema.

O lendário artigo de Sherwin Rosen, The Economics of Superstars, fornece a base de análise do mercado de celebridades.

O artigo Economics of Athenian Drama de Baumol oferece uma exótica análise do teatro clássico.

E o Handbook of Economics of Art and Culture de Victor Ginsburgh e David Throsby oferece uma literatura mais avançada sobre o tema.

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