#Elenão: o  novo “Fora Temer!”

Logo após o impeachment de Dilma Roussef (PT), em maio de 2016, partidos e movimentos sociais ligados à esquerda passaram a utilizar a expressão de ordem “Fora Temer!”, exigindo a saída de Michel Temer (MDB) da Presidência da República pois, na visão desses partidos e movimentos, o emedebista chegou ao posto através de um golpe, devendo ser também impedido.

Mesmo com a latente impopularidade de Temer e duas denúncias contra si apresentadas pela PGR, o “Fora Temer!” não ultrapassou o gueto da esquerda, falhando no propósito de ser um puxador de massas contra o Presidente.

Nas eleições deste ano, um novo “Fora Temer!” começou a agitar as redes sociais e ganhou corpo para além da esquerda: a hashtag #Elenão. O mote da campanha é pregar o não-voto em Jair Bolsonaro (PSL), candidato à Presidência, por conta de declarações machistas, racistas e homofóbicas dadas pelo candidato em momentos passados. A campanha vem ganhando força, principalmente entre as mulheres, segmento da sociedade que mais rejeita o capitão, de acordo com as pesquisas de opinião.

Justamente por ganhar muita força, a #Elenão conseguiu algo, que também era visado pelo “Fora Temer!”: a interdição do debate político. Se com Temer, havia a intenção de criar um consenso em torno da ilegalidade de seu mandato, com Bolsonaro, praticamente formou-se um consenso sobre a “repugnância” de um eventual governo seu.

Nesse contexto, a discussão sobre problemas e propostas nacionais ficam em segundo plano. O importante é evitar, a qualquer custo, a ascensão de Bolsonaro à Presidência da República. Além de tornar “politicamente incorreto” o voto em Bolsonaro, a campanha #Elenão esbarra em hipocrisias de candidatos e partidos que a endossam.

Bolsonaro é apresentado como uma ameaça à democracia, por ser defensor da ditadura militar. Entretanto, no plano de governo do candidato Fernando Haddad (PT) constam propostas que visam controlar socialmente a mídia, aparelhar órgãos de controle do Poder Judiciário, alterar as regras dos mandatos de ministros do STF e, até mesmo, fazer uma nova Constituição.

Já Ciro Gomes (PDT), durante a campanha eleitoral, agrediu e “mandou prender” um jornalista, falou em “destruir um partido político” caso fosse eleito presidente e disse que receberia a “turma do Sérgio Moro na bala”, se fosse alvo de um mandado de prisão. Ambos os candidatos apoiam os governos de Cuba e Venezuela, duas ditaduras de esquerda presentes na América Latina.

Desta forma, sobram propostas e apoios a governos ditatoriais que também justificariam classificar os candidatos como ameaça à democracia. Por que não “eles também não?”. Em relação às declarações passadas condenáveis de Bolsonaro, políticos de variadas matrizes ideológicas já tiveram acusações de machismo, haja vista os casos de Marcelo Freixo (PSOL-RJ), acusado de agressões pela ex-namorada. Há também falas e piadas machistas e homofóbicas do ex-presidente Lula, em campanhas anteriores e grampos da Operação Lava-Jato.

Fato é que o programa de governo registrado por Bolsonaro no TSE começa com uma defesa da “família, seja ela como for” reforçando que o Estado não deve interferir nas escolhas do indivíduo. Há também uma defesa da imprensa livre e da Constituição, mesmo que seja imperfeita. Não há menção a projetos e políticas para agredir mulheres, negros e LGBTs. Tampouco o discurso do candidato tem esses pontos como eixo, sendo a ênfase na segurança pública e redução da burocracia estatal na economia.

Portanto, a campanha #Elenão mostrou-se uma estratégia acertada de um agrupamento político, que conseguiu canalizar o apoio de pessoas bem-intencionadas, mas que talvez não se deram conta de que outros candidatos têm histórico e propostas problemáticos. Entretanto, como tais candidatos pertencem ao campo ideológico dos grupos organizados que fomentam a campanha, não há esforço em expor suas contradições, pois eles serão beneficiários da rejeição a Bolsonaro num eventual segundo turno.

Como consequência, tirou qualquer possibilidade do debate racional ocupar o foco da campanha eleitoral, dando lugar às questões emocionais e instintivas. O bloqueio do debate não permite ao eleitor avaliar criteriosamente qual candidato possui o melhor programa, a melhor equipe para conduzir o governo e maior capacidade para formar uma coalizão no Congresso e, desta forma, escolher livremente seu voto.

O completo esvaziamento do debate acerca de problemas complexos e urgentes, como a Reforma da Previdência, a reforma das carreiras do setor público, a privatização de estatais, as alterações no sistema tributário e as reformas microeconômicas para aumentar a produtividade brasileira contribui para que o país passe mais quatro anos empurrando os problemas com a barriga, até o limite do insustentável, podendo trazer graves consequências para a sociedade no futuro próximo.

Victor Oliveira Mestrando em Instituições, Organizações e Trabalho (DEP-UFSCar). 

 
Sair da versão mobile