A importância da governança na sucessão de empresas familiares

A sucessão é um dos momentos mais delicados para qualquer empresa familiar. Estudos apontam que apenas cerca de 30% das empresas familiares sobrevivem até a segunda geração, aproximadamente 12% até a terceira e somente cerca de 3% chegam à quarta geração ou além¹²³. Esses números chamam a atenção porque revelam que, mais do que desafios de mercado, o que está em jogo é a falta de estrutura para lidar com a transição de comando.

Na prática, quando a sucessão é tratada apenas como a troca de um líder por outro, sem preparação adequada, abrem-se brechas para disputas internas, perda de foco estratégico e até a fragmentação do patrimônio. É justamente nesse ponto que a governança ganha relevância: ela organiza os papéis, cria fóruns de decisão e estabelece regras claras para que a empresa consiga atravessar gerações de forma saudável.

Por que a governança importa?

A governança empresarial é muito mais do que um conjunto de regras burocráticas. Trata-se de um sistema que ajuda a separar e equilibrar os interesses da família, da gestão e da propriedade. Sem essa divisão, conflitos pessoais podem facilmente interferir em escolhas estratégicas, gerando instabilidade na condução dos negócios.

Um bom arranjo de governança inclui conselhos de administração ativos, protocolos familiares e acordos societários bem definidos. Esses mecanismos criam espaços adequados para cada assunto: estratégia no conselho, patrimônio na assembleia de sócios e valores no conselho de família. O resultado é um ambiente em que confiança e previsibilidade se sobrepõem ao improviso.

Vale lembrar que o Family Business Association destaca: apenas 40% das empresas familiares sobrevivem até a segunda geração, e apenas 3% alcançam a quarta³. São justamente as empresas que se organizam com governança e conseguem evitar que a vida emocional da família contamine o destino do negócio que fazem parte dessa minoria bem-sucedida.

Sucessão como processo, não evento

Uma das armadilhas mais comuns é imaginar a sucessão como um “dia D”: a saída do fundador e a entrada de um herdeiro. Mas a realidade é diferente. Sucessão é um processo que começa anos antes, envolvendo preparação, acompanhamento e, sobretudo, tempo para amadurecer.

Esse processo não se limita ao domínio de áreas técnicas como finanças, estratégia ou contabilidade. Cada vez mais, percebe-se que o sucesso do sucessor depende também de soft skills: liderança, comunicação, resiliência e capacidade de inspirar pessoas em contextos de incerteza. São justamente essas competências que permitem ao herdeiro não apenas gerir o negócio, mas também engajar equipes, resolver conflitos familiares e dar continuidade ao legado de forma inovadora.

O dado da PwC é revelador: apenas 15% das empresas familiares possuem um plano sucessório documentado e robusto⁴. Isso mostra que ainda prevalece o improviso. Preparar sucessores, portanto, não é apenas treiná-los tecnicamente, mas oferecer experiências diversas e desenvolver habilidades humanas que os capacitem a unir gerações em torno de um futuro comum.

Preservação do legado e adaptação ao futuro

Famílias empresárias carregam mais do que ativos financeiros: elas representam histórias, valores e propósitos que moldaram o negócio ao longo do tempo. A governança garante que esse legado seja transmitido às novas gerações de forma estruturada, por meio de protocolos, conselhos e registros formais. Assim, a identidade da empresa deixa de depender apenas da memória dos fundadores e passa a estar institucionalizada.

Mas governança não é apenas conservar. Ela também abre espaço para renovar. A nova geração pode trazer temas como digitalização, ESG, internacionalização e inovação sem que isso seja visto como ruptura. Em vez de choque entre o novo e o antigo, o que se constrói é um diálogo: tradição que dá raízes e modernidade que dá asas.

É essa combinação que explica a longevidade de empresas familiares centenárias no mundo. Companhias como a Ford, a Roche e, no Brasil, a Votorantim, conseguiram atravessar décadas (ou séculos) justamente porque encontraram formas de equilibrar respeito ao legado com abertura para mudanças.

Governança: o caminho para a longevidade das empresas familiares

A governança não é uma garantia de sucesso, mas é um fator decisivo para aumentar as chances de longevidade. Ao estruturar papéis, criar instâncias claras de decisão e planejar a sucessão como um processo, a família empresária se prepara para atravessar as inevitáveis transições de liderança.

Mais do que manter uma empresa viva, trata-se de assegurar que o sonho de uma geração possa ser reinventado e ampliado pela próxima. A governança, nesse sentido, é a ponte que liga passado, presente e futuro, preservando a identidade da família e, ao mesmo tempo, permitindo que ela continue competitiva em um mundo em constante transformação.

Mateus Reppucci
Profissional com experiência em governança, empresas familiares, gestão patrimonial e investment banking. Pós-graduado em Finanças pela Saint Paul, com formações acadêmicas em PUC-SP.É membro da terceira geração de uma empresa de infraestrutura e mineração, e atua em projetos ligados a sucessão, governança e filantropia.

Referências

  1. IM Financial – The Generational Decline: Why Success Becomes Harder With Each Generation

     Disponível em: https://www.im-financial.com/blog/the-generational-decline-why-success-becomes-harder-with-each-generation-i
  2. The Family Business Consulting Group – Family Business Survival: Understanding the Statistics

     Disponível em: https://www.thefbcg.com/resource/family-business-survival-understanding-the-statistics
  3. The Courier Mail – Australia’s family business time bomb: succession failures could cost $3.5 trillion

     Disponível em: https://www.couriermail.com.au/business/australias-family-business-time-bomb-succession-failures-could-cost-35-trillion/news-story/1baaae3ab1c54fe976a4bb4fade35db8
  4. PwC – Family legacy and you: charting the path for the next generation of family business leaders

     Disponível em: https://www.pwc.in/assets/pdfs/publications/2018/family-legacy-and-you.pdf
  5. OPENAI. ChatGPT. Ferramenta utilizada como apoio para revisão de clareza textual e organização de ideias. Disponível em: https://chat.openai.com/
Sair da versão mobile