Nobel 1997: Robert C. Merton e Myron S. Scholes | por Caio Augusto

Derivativos são títulos do mercado financeiro que tratam da variação ou acompanhamento de preços de algum outro ativo originário. O que pode parecer algo muito complicado e geralmente ganha diversas definições pouco triviais nos mercados financeiros, apesar de ser bastante popular nas últimas décadas, passou por contribuição bastante relevante de Robert C. Merton e Myron S. Scholes.

A contribuição majoritária dos dois, que levou a premiação de maior destaque na ciência econômica, foi justamente a teoria de determinação dos valores dos derivativos.

Merton, norte-americano

Nascido em New York no último dia de julho de 1944, filho do meio entre duas irmãs e cujo pai foi professor de Sociologia na Universidade de Columbia e a mãe cuidou dos afazeres domésticos e da criação dos filhos e de muitos gatos (chegaram a ser 25 em um certo momento). Foi criado na comunidade de nome Hastings-on-Hudson.

Apesar de não ter se considerado grande aluno, estudou na escola com algumas pessoas que foram laureadas Nobeis em áreas diferentes quando esteve em idade escolar: os filhos de Leo James Rainwater (Nobel em Física em 1975) e Jack Steinberger (Nobel em Física em 1988) estudaram com ele. Outros moradores célebres de Hastings, região onde foi criado, são o Nobel de Medicina em 1951 Max Theiler, o Nobel de Economia de 1996 William Vickrey e o escultor Jacques Lipchitz.

Sua paixão por matemática e carros acabou contribuindo bastante para a escolha de caminhar academicamente pela Escola de Engenharia da Columbia College, onde se preparava para o ensino superior justamente podendo focar mais nessa área que tanto tinha interesse. Em Columbia, cursou a disciplina de Civilização Contemporânea, na qual teve contato com a economia através da obra Economics, de Paul Samuelson, laureado Nobel de Economia em 1970.

Após concluir os estudos em Columbia foi para o PhD em matemática no California Institute of Technology (também conhecido como Cal Tech), no biênio entre 1966 e 1967. Nesse breve período, adicionou bastante conteúdo à sua base matemática, mas, nesse segundo ano, decidiu abandonar a Cal Tech (e a matemática) para estudar economia. Tentou se inscrever em diversos locais, mas o único que o aceitou foi o Massachusetts Institute of Technology (o famigerado MIT).

A ideia de Merton em uma mudança tão grande era a de que conseguiria entregar conhecimento relevante em economia principalmente levando em conta a base matemática que o acompanhava. Outro aspecto que acabava contribuindo era que, ainda na infância, aos oito anos, tinha tanto interesse pelo mercado financeiro que chegou a criar bancos fictícios, tomava conta das contas de casa por sua mãe e comprou sua primeira ação (da General Motors) com pouco mais de dez anos de idade. Durante a faculdade acompanhava e operava nos mercados de maneira próxima e, com todas essas experiências (chegava a ir em casas de corretagem apenas para acompanhar os mercados por algumas horas antes de ir para as aulas), acabou aumentando a base mental que tinha sobre o interesse nos mercados e a experiência lidando com eles de alguma forma.

Chegando ao MIT, Merton teve contato com quem foi responsável por sua aceitação lá: o estatístico e membro do departamento de economia Harold Freeman, que lhe recomendou ter aulas com Paul Samuelson. Além de ter tido aulas, escreveu alguns trabalhos e acabou virando pesquisador assistente de Samuelson em seguida.

A pesquisa com Samuelson na precificação de garantias levou Merton a avançar bastante em sua pesquisa, sobretudo em utilidade máxima esperada e seleção de portfólios otimizados em um framework estático. O desenvolvimento não parou por aí e levou em conta períodos ampliados e a relação entre eles, chegando até a seleção de portfólios ao longo do tempo e sob incertezas. Tudo isso ocorreu na segunda metade dos anos 1960.

Ao fim dos anos 1960 e início dos anos 1970 teve uma indicação de Junior Fellow em Harvard feita por Samuelson, mas recusada por eles. Então procurou uma outra ocupação: por indicação de Franco Modigliani (Nobel de Economia em 1985), começou a dar aulas de finanças na MIT Sloan School of Management, onde acabou se fixando posteriormente. A relação com Franco foi tão forte que Merton discursou quando este primeiro foi laureado Nobel em 1985 e, assim que o segundo recebeu o prêmio internacional da Academia Nazionale del Lincei, em Roma, o primeiro foi até Roma apresentar o prêmio.

Merton conheceu Myron Scholes, com quem dividiu o prêmio de 1997, quando estava em processo de entrevista para entrar na MIT Sloan. Lá, Merton passou 18 anos e, como fato curioso, gostava de entregar aos alunos as notas de aula (para que não perdessem tempo copiando o que ele passava e assim pudessem contribuir mais ativamente nas discussões durante as aulas).

Os períodos de atenção sobre a produção acadêmica de Merton são três: entre 1968 e 1977, quando construiu uma boa base em pesquisa em modelos de consumo por todo o período de vida, seleção de portfólios, precificação de ativos em equilíbrio e precificação de contingentes; 1977 a 1987, quando avançou nas aplicações desses modelos teóricos; e de 1988 em diante, que passou a ser professor na Universidade de Harvard.

Scholes, o canadense

Nascido em Ontario, no Canadá, no primeiro dia de julho de 1941, filho de um dentista que havia se mudado para a região buscando uma condição de vida melhor durante o período da grande depressão (pós crise de 1929) e de uma mulher que tinha com o irmão uma pequena rede de loja de departamentos. A morte de seu tio desencadeou uma briga de família que colocou o futuro laureado em contato com seu primeiro problema de agência e de contratos.

Pouco antes dos 16 anos, sua mãe faleceu de câncer e, em seguida, ele descobriu um problema de visão. Este problema foi aliviado dez anos depois com um transplante de córnea, mas enquanto não conseguia ler por muito tempo acabou desenvolvendo uma habilidade melhor em ouvir.

Através de relações familiares acabou se interessando em economia e, particularmente, em finanças. Em diversas possibilidades lidou com dinheiro desde a juventude: foi tesoureiro de vários clubes da região, trabalhou em negócios familiares, se envolvia em operações de compra e venda com amigos e até se envolveu no mercado de apostas para entender em meios práticos sobre probabilidades e riscos. Durante o ensino médio e também na faculdade operava na bolsa e se sentia fascinado pelos determinantes dos níveis de preços das ações.

Após o falecimento de sua mãe decidiu ficar na região onde estava e fazer os estudos antes da graduação na universidade local, a McMaster. Lá, teve o professor McIver, que tendo se formado pela Universidade de Chicago em economia, apresentou a ele os estudos de George Stigler (Nobel de Economia em 1982) e Milton Friedman (Nobel de Economia em 1976). Pensou em cursar Direito, mas acabou convencido que a Economia era seu lugar, e acabou na Universidade de Chicago para sua graduação.

Logo no início em Chicago, Scholes decidiu importantes coisas para sua vida: não iria retornar para ajudar seu tio na cadeia de lojas de departamento e, mesmo sem ter nunca programado na vida, assumiu o cargo de programador de computadores junior com ajuda do diretor Robert Graves. Acabou passando quatro meses e meio, para entender sobre a missão que havia topado, entendendo sobre programação e se apaixonando por isso (tendo cogitado inclusive, tempos depois, ter virado um Cientista da Computação caso Chicago tivesse essa possibilidade naquela época).

Porém, um amor tomou ainda mais espaço em sua mente: o pela economia e pesquisa econômica, também naquele início em Chicago. Após ter tido contato com diversos professores de maneira direta em como faziam suas pesquisas, achou aquilo tudo muito interessante e passou a sugerir melhorias sobre aquelas pesquisas. Nomes Lester Telser, Peter Pashigan, Merton Miller e Eugene Fama (este último Nobel de Economia em 2013) estavam entre pessoas que trocaram ideias com ele a respeito disso. Inclusive foi Merton Miller quem sugeriu que ele entrasse para o PhD.

A entrada para o PhD em Chicago se dava em uma recente área da economia: a economia financeira. Desde o início demonstrou interesse por estudar preços relativos e também como o fenômeno da arbitragem evitava que agentes econômicos tivessem ganhos anormais em mercados de bens securitizados. Sua contribuição foi a de trazer uma curva desses títulos, levando em conta uma abordagem diferente do que até então era preponderante, que era fazer isso título a título. Outra área de pesquisa, associada a isso, foi ter pesquisado com Merton Miller o efeito do diferencial de risco sobre os retornos de um título.

Tendo terminado o PhD em 1968, virou professor assistente de Finanças na Sloan School of Management do MIT, onde acabou encontrando Merton um ano depois, como já apontamos na parte daquele que dividiu a premiação Nobel de Economia com este em 1997. Logo no primeiro ano conheceu também Fischer Black e o trio formado por Scholes, Black e Merton desenvolveu muitos trabalhos em conjunto quando o assunto são a precificação de ativos e de derivativos. Inclusive, um modelo bastante famoso de precificação de opções, conhecido como Black&Scholes, surgiu de uma dessas parcerias.

Durante o período entre 1973 e 1980, Scholes ficou bastante envolvido com o Centro de Pesquisa de Preços Securitizados da Universidade de Chicago, trazendo para a realidade uma quantidade substancial de pesquisa com dados diários de títulos securitizados.

Em 1981 virou professor visitante na Universidade de Stanford, tendo virado membro permanente das escolas de Negócios e Direito em 1983. Neste período, na companhia de diversos colegas como o William Sharpe, James Van Horne e Michael Gibbons, desenvolveu trabalhos em planejamento de pensão, investment banking, incentivos e até planejamento tributário – este último acabou culminando na obra Taxes and Business Strategy: A Planning Approach, de 1992.

Durante os anos 1990 mudou sua área de interesses para o papel dos derivativos e da intermediação financeira. Nessa época se tornou consultor especial do Solomon Brothers e era um dos responsáveis pela área de trading e derivativos de renda fixa do banco, tudo isso enquanto conduzia pesquisas e dava aulas na Universidade de Stanford. Em 1994 criou, com alguns colegas que também haviam deixado o Solomon Brothers, uma empresa de investimentos de nome Long-Term Capital Management. Com tudo isso, acabou entendendo colocando o ferramental de finanças na prática e entendendo ainda mais profundamente sobre o funcionamento e relação de instituições financeiras e os mercados em que se inserem.

O prêmio, em 1997

No momento em que receberam a premiação, Robert Merton estava na Universidade de Harvard e Myron Scholes estava na Universidade de Stanford. O motivo direto pelo qual receberam o prêmio é a nova metodologia na determinação dos valores dos derivativos. Ambos, junto do já falecido (em 1996) Fischer Black, desenvolveram uma fórmula de avaliação de opções de ações. Essa fórmula serviu como base de muitos estudos em economia financeira e permitiram vários avanços sobre os meios de gestão de risco que conhecemos atualmente.

Existiam, desde o início dos anos 1900, diversas tentativas de se chegar a uma precificação adequada de ativos e derivativos, mas sempre sem sucesso. O que faltava e o trio trouxe de efetivo foi a consideração de uma nova abordagem sobre o prêmio de risco e como ele integrava essa precificação ao longo do tempo, entre o momento presente e a maturidade daquele título que se estava observando: era possível considerar que esse prêmio de risco estava no preço da ação, não sendo necessário calculá-lo (o que era complicado e fazia com que todas as tentativas anteriores não fossem bem sucedidas).

A metodologia criada por eles pode ser descrita por um breve exemplo que será apresentado a seguir.

Considere a chamada opção de compra europeia que dá o direito de comprar uma ação de uma determinada empresa a um preço de exercício de $50, daqui a três meses. O valor dessa opção obviamente depende não apenas do preço de exercício, mas também do preço da ação hoje: quanto maior o preço da ação hoje, maior a probabilidade de ela ultrapassar $50 em três meses, caso em que compensa exercer a opção. Como um exemplo simples, vamos supor que se o preço da ação subir $2 hoje, a opção subirá $1. Suponha também que um investidor possua um número de ações da empresa em questão e queira reduzir o risco de mudanças no preço das ações. Ele pode realmente eliminar esse risco completamente, vendendo duas opções para cada ação que possui. Como a carteira assim criada é livre de risco, o capital investido deve render exatamente o mesmo retorno que a taxa de juros de mercado livre de risco de uma letra do tesouro de três meses. Se não fosse esse o caso, a negociação de arbitragem começaria a eliminar a possibilidade de obter um lucro livre de risco. À medida que o tempo de vencimento se aproxima, no entanto, e o preço da ação muda, a relação entre o preço da opção e o preço da ação também muda. Portanto, para manter uma carteira de opções de ações livre de risco, o investidor precisa fazer mudanças graduais em sua composição.

Pode-se usar este argumento, juntamente com algumas suposições técnicas, para escrever uma equação diferencial parcial. A solução para esta equação é precisamente a fórmula de Black-Scholes. A avaliação de outros títulos derivados prossegue em linhas semelhantes.

Levando em conta esse modelo de precificação, diversas outras possibilidades passaram a ser estudadas e colocadas à prova justamente com essa mesma base. Assim sendo, a contribuição destes laureados para a chamada economia financeira é enorme e bastante presente até os dias atuais.

Apesar de uma fórmula complicada, hoje você pode colocá-la em prática virtualmente, por exemplo com essa calculadora aqui.

Robert C. Merton atualmente tem 77 anos e Myron Scholes tem 80 anos.

Caio Augusto – Head de Conteúdo do Terraço Econômico

Referencias Bibliográficas

Artigo construído com base em registro biográfico feito por Robert C. Merton https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1997/merton/biographical/ , outro feito por Myron M. Scholes https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1997/scholes/biographical/  e também no Press Release da academia que concede a premiação https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1997/press-release/ 

 

Caio Augusto

Formado em Economia Empresarial e Controladoria pela Universidade de São Paulo (FEA-RP), atualmente cursando o MBA de Gestão Empresarial na FGV. Gosta de discutir economia , política e finanças pessoais de maneira descontraída, simples sem ser simplista. Trabalha como diretor financeiro de negócios familiares no interior de São Paulo e arquiva suas publicações no WordPress Questão de Incentivos. É bastante interessado nos campos de políticas públicas e incentivos econômicos.
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