#euNÃOvotoSOMENTEdistrital

por Leonardo Palhuca*

 

As eleições passaram e os debates acalorados também! Uma pena. Mas ainda restou um escândalo ou outro para que propostas de como melhorar o sistema político e eleitoral brasileiro estejam na ordem do dia.

Dentre as propostas que melhorariam a representatividade dos políticos e, de quebra, reduziriam os custos de campanha para cargos representativos é o voto distrital. O pessoal do #euvotodistrital (http://www.euvotodistrital.org.br) possui um site muito interessante sobre o tema. Sugiro gastar um tempo na página do pessoal que é muito boa.

A mudança do regime eleitoral implica também na mudança de incentivos que os políticos enfrentam. Isso pode alterar as políticas propostas por candidatos e não só a qualidade do controle sobre o gasto público ou a representatividade dos eleitos ao aproximar (geograficamente) o eleitor do seu representante.

A intenção aqui é analisar o que a teoria econômica oferece de previsão para diferentes sistema eleitorais no que se refere (Escola Búlgara de Retórica Dilma V. Rousseff – EBRDVR) aos gastos públicos e corrupção e se a teoria encontra respaldo na prática. Comparemos o voto proporcional ao voto distrital em dois casos polares.

Para facilitar a análise, pensemos o seguinte: voto proporcional é aquele que está em vigência hoje no Brasil, ou seja, as cadeiras são distribuídas às coligações partidárias, na proporção da votação que receberam. Os assentos são ocupados pelos candidatos mais votados nessas respectivas coligações sem restrição geográfica dentro de cada estado. Voto distrital é aquele em que o território é dividido em pequenas partes – os distritos – e somente o candidato com mais votos naquele distrito é eleito para a câmara dos deputados, independente do número de votos totais. Cada distrito elege um representante.

Bom, tendo esses dois casos polares em mente, o que propõe a teoria econômica?

As teorias elaborada por Milesi-Ferreti, Perotti e Rostagno e por Lizzeri e Persico indicam que o sistema proporcional tende a favorecer transferências de renda a uma parcela mais ampla da população. A razão não foge muito ao senso comum: como os candidatos precisam obter um grande número de votos de uma grande parcela da população, a forma de barganhar esses votos é por meio de amplas transferências a grandes grupos do eleitorado. Concretamente: transferências condicionais de renda, meia-entrada para estudantes e idosos, passe livre, extensão de benefícios previdenciários etc. Soa familiar?

Na outra ponta, o sistema distrital tende a promover maior oferta de bens públicos geralmente oferecidos localmente. A razão também não foge muito à lógica do sistema proporcional, mas na outra ponta: para se eleger o candidato precisa somente obter mais votos que seus concorrentes naquele distrito, assim os políticos tentarão oferecer ao distrito aquilo que é mais demandado pela maioria da população local. Concretamente: uma estrada em um distrito não conectado a redes viárias, um hospital em um distrito carente desse serviço, um complexo industrial em um distrito cujo desemprego é alto.

Resumo da ópera: eleições baseadas no voto proporcional tendem a ampliar transferências via benefícios sociais para uma maior parcela da população enquanto o voto distrital majoritário tende a prover mais bens públicos localizados nos distritos. Mas isso se confirma com evidência empírica?

[caption id="attachment_2219" align="aligncenter" width="620"]Russo, se você quiser ganhar a eleição em seu distrito, ofereça um porto para sua população! Russo, se você quiser ganhar a eleição em seu distrito, ofereça um porto para seus eleitores.[/caption]

O trabalho de Persson e Tabellini tenta diferenciar esses regimes eleitorais quanto ao tamanho do gasto público e se realmente países com eleições proporcionais tendem a gastar mais em transferências. Usando uma amostra de 88 democracias (nem tão democráticas assim, já que estão incluídos países como o Zimbábue) entre 1980 e 1998 os autores concluem que o sistema distrital tende a produzir menores gastos públicos e, de acordo com o que prevê a teoria, menores gastos em transferências de um modo geral.

Porém a evidência apresentada pelos autores não é muito robusta, ou seja, não sobrevive a pequenas mudanças na definição do sistema eleitoral, nem a uma ampliação da amostra em qualquer uma das dimensões – mais países ou prazo mais longo.

Além disso, se a teoria se confirmar com mais evidências, temos uma escolha entre maiores transferências de renda ou maiores gastos com bens públicos. Ou seja: estamos trocando as políticas de transferência de renda pela provisão mais direcionada de bens públicos. Pode ser um efeito colateral da adoção do voto distrital.

No que se refere à corrupção (EBRDVR) e os efeitos de sistemas eleitorais, a teoria não é tão precisa, mas prevê o seguinte: eleições por voto distrital tendem a reduzir a corrupção justamente por gerar incentivos para que os políticos se comportem, já que seus eleitores estão mais próximos e podem “controlá-los” mais facilmente – não reelegê-los caso roubem.

Este é, precisamente, o argumento principal por trás da adoção do voto distrital no Brasil (dividir os estados em distritos menores). Atualmente, a área que um candidato deve cobrir para alcançar seus eleitores é o estado inteiro. Assim, é preciso ganhar uma escala muito grande para se viabilizar politicamente o que encarece a campanha: é preciso contatar líderes comunitários, radialistas, pastores para fazer campanha para você. Isso é visto como uma barreira à entrada de competidores ou até um incentivo à corrupção. O voto distrital, ao reduzir a área na qual um candidato pode ser eleito, permitiria que pessoas com menos recursos econômicos se viabilizassem politicamente fazendo uma campanha menos cara.

Assim, o argumento econômico seria: quanto maior o distrito, maior a barreira de entrada a políticos e isso tenderia a diminuir as opções dos eleitores e aumentar a possibilidade de corrupção. Logo, o que podemos esperar do voto distrital? Nada! Depende do tamanho do distrito e de outras características do sistema eleitoral. Somente o voto distrital não é suficiente.

Novamente nossos queridos Persson e Tabellini analisam os impactos dos sistemas eleitorais em termos de corrupção. A primeira conclusão é de que somente ter um sistema distrital não traz melhoria nenhuma na percepção de corrupção pelos eleitores. Como os autores dizem: “o diabo está nos detalhes”. As regras eleitorais que parecem influenciar percepção de corrupção estão mais ligadas ao tamanho dos distritos (surpreendentemente quanto maior o distrito, menor a percepção de corrupção) e à eleição de indivíduos e não o voto em listas fechadas (voto no indivíduo tende a proporcionar menores índices de percepção de corrupção).

Portanto, o voto distrital por si só não implica que teremos políticos mais ou menos disciplinados e ainda oferece incentivos (mesmo que sensíveis empiricamente não tão robustos) para que haja maior provisão de bens públicos em detrimento de transferências amplas de renda.

Como não tenho provas suficientes de que o voto distrital sozinho seja benéfico em termos de prevenção de corrupção, e a evidência quanto ao tamanho e à composição do gasto público é fraca e não sabemos qual a preferência do eleitorado brasileiro quanto a transferências versus bens públicos, o voto distrital está absolvido por falta de provas. Não seria adotado.

*Leonardo Palhuca

Mestrando em Economia pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg

   

Leonardo Palhuca

Doutorando em Economia pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg. Interessado em macroeconomia - política monetária e política fiscal - e no buraco negro das instituições. Escreveu para o Terraço Econômico entre 2014 e 2018.

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