Falando sobre Previdência no Jobi

As mesas de bar já não são como antigamente. Quando tomadas por um bando de economistas, então. Foi assim que me senti na semana passada, por ocasião de um happy hour no Jobi, o lendário bar situado na Ataulfo de Paiva, frequentado por intelectuais e artistas sem preocupação alguma com a hora de ir dormir. Lotado praticamente todos os dias, o Jobi foi o local escolhido para um descanso pós-trabalho, em uma quinta-feira agradável de outono no Rio de Janeiro. Quem dera, entretanto, houvesse descanso dos temas do dia-a-dia…

A entrada até que foi agradável, composta por caldinho de feijão, bolinho de aipim e chope gelado. Mas tão logo o brinde inicial que abre os trabalhos da [sexta-1] foi dado, lá se foi a paz de espírito. Após o primeiro gole no chope geladíssimo, a crise na Previdência entrou sorrateira na conversa. Natália o trouxe, meio que para mexer comigo, porque sabe que tenho militado [palavra ruim, mas para hoje é o que tem…] pela agenda de reformas. Joga na mesa, sem filtro ou maiores tratamentos, o surrado tema do superávit da seguridade social para dizer que não há problemas com a Previdência Social. E fulmina com você deveria ler o que diz a professora Denise…

É provocação pura e simples, leitor. Natália e eu fomos ambos alunos de Setor Público no IE, nos tempos onde a professora que hoje jura que não há déficit na Previdência era… Pois é…

Qualquer apaixonado por evidência empírica naquele momento diria que mesmo a seguridade social já é deficitária e que não faz sentido desviar recursos da assistência e da Saúde para a Previdência Social, que só faz crescer mais de 6% a.a. acima da inflação. Mas a noite estava jovem, como diria um velho amigo e o chope extramamente gelado. Por que se aborrecer, não é mesmo? Recomendei a leitura de um post do colega Pedro Nery no excelente Blog Brasil Economia e Governo. E achei que o descanso pós-trabalho, enfim, viria…

As mesas de bar, entretanto, já não são mais como antigamente, leitor amigo. Na mesa ao lado, entre chopes e bolinhos de bacalhau, lá estava o tema da Previdência sendo gestado. Natália sorriu. Gustavo, workaholic em contínuo tratamento, analista de uma Asset no Leblon, não se conteve e acabou entrando no tema. Mandou vir os dados, todos quentíssimos, consequência de quem não suporta ver uma planilha ou gráfico desatualizados. E os 6% de crescimento acima da inflação ganharam casas decimais, complementadas por uma cuidadosa relação de longo prazo entre despesa e receita. Se a primeira aumenta, a segunda…

Entre um gole e outro no chope geladíssimo, Gustavo se empolga, dando ares de palestra à mesa de bar no Jobi. Tanto assim, que a mesa ao lado interrompe o debate tímido e incipiente e passa a ouvi-lo divagar sobre os mais de 55% do orçamento destinados à Previdência, que cresce mais de 6% a.a. acima da inflação e que ainda somos jovens, etc, etc.

Nesse ponto, me volto para os tempos onde adorava sair do Maracanã depois de uma vitória do gigante da Colina e rumar em direção à Vila Isabel. As mesas de bar eram repletas de especialistas em esquemas táticos, lances polêmicos e teorias da conspiração. Nada de Previdência…

O debate corre solto, enquanto o Jobi só faz lotar mais e mais. Garçons enérgicos vem e vão com bandejas repletas de chope geladíssimo e porções caprichadas de pesticos variados. As mesas circunscritas estão todas elas discutindo ou política ou economia, nada de futebol, ou romances perdidos e achados, relacionamentos mal terminados, amenidades típicas desses horários… Só quando o Lula vai ser preso, quando a crise vai passar, para onde vai o dólar, etc, etc.

E a Previdência? Sem reforma, branda Gustavo, o orçamento público vai todo para o pagamento de aposentadorias, pensões e salários de servidores. É matemática, não tem como contrariar os números… Não existe essa de matemática heterodoxa, provoca. E Natália cede, alegando que a reforma ampliaria a desigualdade. Maior desigualdade, diz Gustavo, é ver que 30 milhões de beneficiários do INSS  custam quase R$ 500 bilhões, 1,6 milhões de funcionários públicos estaduais ficam com R$ 135 bilhões e o 1 milhão de funcionários públicos federais com R$ 116 bilhões! É preciso acabar com privilégios…

O conjunto dos números apresentados por Gustavo, enfim, parece causar uma reação nas mesas. Como diria o brucho do Cosme Velho, afinal, os números não são de metáforas, eles dizem as coisas pelo nome, às vezes um nome feio… Mas o que há de se fazer?

Natália, depois de alguns rounds difíceis, acaba cedendo à necessidade de reforma. O gasto de mais de 12% do PIB com Previdência em um país com cerca de 6% da população com mais de 65 anos, um outlier perto da evidência internacional, parece despertar a racionalidade. A reforma é necessária, diz ela, mas não nos termos propostos por esse governo ilegítimo…

E aí foi como jogar gasolina nas mesas, provocando reações eufóricas, saindo da economia para reviver os tempos do impeachment da ex-presidente. Mas isso, leitor, já não me apetecia. Afinal, eu só queria tomar um chope gelado e comer alguns bolinhos de aipim… Que estavam divinos, por sinal…

Os deixei no Jobi, entre tapas e beijos, mas com a certeza de que a reforma da previdência é necessária…

Vitor Wilher – Colaborador do Terraço Econômico

 
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