FISCAL POLICY: As raízes fiscais podres do Brasil

Quando se trata do tema da história fiscal, em geral historiadores e economistas tendem a dar uma visão eurocêntrica para sua investigação; explorando as instituições fiscais dos Antigos Regimes, da Inglaterra ou dos Principados Alemães.        

Todavia, vendo a importância da discussão fiscal atual e respeitando um certo senso de patriotismo e rejeição ao eurocentrismo cego, creio que seja meu dever abordar esses mesmos temas para o caso de nossa terra natal: o Brasil. 

Tal investigação histórica se faz necessária, de maneira até mais importante, para iluminar melhor as origens dos problemas fiscais que permeiam a história brasileira em décadas recentes e pautando o atual debate macroeconômico das agendas reformistas.

Para tanto, para fins históricos e didáticos, essa temática será abordada no contexto do Império do Brasil, devido a esse ser o período mais antigo da nação onde uma política econômica soberana foi praticada.

Todavia, de forma semelhante ao caso francês, a história econômica brasileira é deveras complexa para começarmos nossa investigação sem uma contextualização mais profunda da economia imperial. Essa contextualização requer uma visão do Brasil antes da gênese do Império; ou seja, tratar brevemente do Brasil Colônia e do Brasil Joanino para uma correta compreensão do período posterior.

A economia brasileira durante os tempos de colônia era essencialmente uma economia de extração. Devido aos termos do Pacto Colonial da doutrina mercantilista, então vigente no pensamento econômico, colônias além-mar como o Brasil eram vistas pelos metropolitanos europeus como mera forma de complementação de sua própria economia doméstica.

Na altura do final do século XVIII, essa configuração era ainda mais crítica no caso das relações de Portugal com o Brasil. Devido ao colapso da lucratividade do comércio de especiarias, em razão da competição com holandeses e ingleses, Portugal teve cada vez mais que depender dos fluxos de metais preciosos retirados das províncias de Minas Gerais e Goiás. Devido ao fato de esses fluxos não serem investidos em formação de capital e em vista da doutrina da balança de pagamentos do mercantilismo, os portugueses não criaram uma estrutura econômica produtiva em vista de suas instituições extrativas.

No longo prazo, essa deficiência econômica se traduziu em uma estrutura de oferta que não poderia fazer frente ao constante fluxo monetário de suas colônias; ou seja, tornou-se inelástica por uma deficiência de formação de capitais. Tal fenômeno, como seus vizinhos espanhóis também iriam experimentar, acabou levando ao episódio da Grande Inflação e, como toda inflação, essa causou um problema da balança de pagamentos portuguesa em relação a seus parceiros comerciais mais importantes, sobretudo a Grã-Bretanha [1].

Em razão disso e dos termos do Tratado de Methuen de 1703, Portugal entrou em sérias dívidas com os já firmados bancos ingleses e a renda em metais preciosos retirados do Brasil começou a ser transferido para a Inglaterra para pagamento de dívidas ou para custeio das despesas da corte.

De fato, de um ponto de vista realista sobre as relações econômicas internacionais de Portugal, a metrópole funcionava meramente como um entreposto do fluxo de rendas do Brasil para a Grã-Bretanha em virtude do Tratado de Methuen de 1703 [2]. Todavia, em verdade, essa função meramente intermediária de Portugal já era observada quando se olhava os fluxos comerciais do império metropolitano.

Enquanto colônia, o Brasil destinava a totalidade de suas exportações para Lisboa. Esse fluxo comercial era o que garantia a vida econômica de Portugal: entre 80% e 90% de todo comércio exterior lusitano resultava de reexportação nas transações entre outras nações europeias e os produtos vindos da colônia [3].

Do ponto de vista interno, a colônia não era muito mais animadora para se traçar perspectivas futuras de desenvolvimento. O último quartel do século XVIII denunciava a crise do sistema colonial português no Brasil. As exportações caíram em termos absolutos e em termos per capita por efeitos que não podem ser somente atribuídos ao esgotamento dos veios de ouro no período.

Ao colapso da produção aurífera se associa a baixa exportação de açúcar, atingindo o ponto mais baixo dos dois séculos anteriores naquele momento. Em 1750, para uma população de 1.500.000 habitantes, a exportação alcança 4.300.000 libras esterlinas, com o ponto mais baixo da década em 1780–90. A renda per capita cai de 30 libras em 1600 para 3 libras em 1800. E a participação das exportações caem cerca de 80% no período posterior a 1600 [4].

Para compensar o declínio dos fluxos auríferos da colônia e pagar sua crise do balanço de pagamentos, Portugal criou uma série de medidas para extrair toda renda possível do Brasil. A primeira foram as medidas de restrição à instalação de fábricas no Brasil impostas pelo Marquês de Pombal. Essa medida tornava a colônia dependente dos produtos importados da metrópole, fazendo com que a renda ainda restante do ciclo aurífero fluísse unicamente para a metrópole sem muitos ganhos para a colônia; uma vez que essa somente poderia importar bens de consumo e não bens de capital. Vale notar que boa parte desse fluxo era não de produtos fabricados em Portugal, mas sim produtos de reexportação vindos da Grã-Bretanha.

A atividade econômica da colônia ainda seria afetada por constantes intervenções do Estado por problemas de erário. A política mercantilista de monopólios mantinha uma série de impostos e taxas exclusivas da fazenda real que davam privilégios àqueles comerciantes com ligações com a burocracia metropolitana portuguesa; como impostos diferenciados, taxas exclusivas de comércio e produção, facilidade na obtenção de direitos proprietário, etc . Vale notar que, como bem notou Faoro, essa concessão de privilégios fiscais para favorecer “amigos políticos” ou “amigos do rei” seria a fonte do patrimonialismo brasileiro e das instituições extrativas que arruinariam o país em décadas por vir.

Do ponto de vista tributário, o sistema foi desenhado com o único propósito de extrair rendas da colônia para complementar as despesas fiscais da metrópole. É um erro pensar que o sistema só foi desenvolvido durante o Ciclo do Ouro, como alguns historiadores acreditam, pois desde a instalação do Governo-Geral existia um sistema tributário na colônia com os fins já citados. Os primeiros impostos coloniais foram o quinto do pau-brasil e o famoso quinto sobre metais preciosos (o “quinto dos infernos” dos inconfidentes mineiros), administrados já pelas capitanias hereditárias e entregues ao erário real. Também era cobrado taxas sobre posse de escravos (a “finta” e a taxa de captação), censo das indústrias (estabelecido em prática para impedir a instalação interna de manufaturas), impostos sobre a passagem nos rios, décima urbana ( imposto para a manutenção das vilas e cidades e avó do nosso atual IPTU), sisa de compra e, sobretudo, os imposto sobre exportação; os quais eram as principais fontes de receita da metrópole [5].

Tudo mudaria quando um general corso, elevado à posição de Imperador da França, forçaria Portugal à aderir a um bloqueio de comércio internacional contra o Império Britânico. Esse general, um tal de Napoleão Bonaparte, tinha como objetivo estrangular a economia britânica por meio do corte da sua capacidade de exportação de seus excedentes industriais para as outras nações europeias e suas colônias. O que ele não podia prever era que Portugal, tanto em razão do antigo Tratado de 1373 (o mais antigo tratado diplomático ainda em vigor no mundo) como de sua dependência financeira em relação à Grã-Bretanha, jamais poderia aderir a um bloqueio comercial contra a Inglaterra.

Assim, em razão da não aderência de Portugal ao Bloqueio Continental, Napoleão moveu suas tropas para uma invasão da Lusitânia. Temendo por sua vida e da integridade da corte, o príncipe regente, João Maria de Bragança, faria um acordo com a Royal Navy para que a corte portuguesa (e por consequência, a administração do Império Português) fosse transferida para a capital colonial do Brasil, o Rio de Janeiro. Os britânicos apoiaram o movimento, não apenas por causa do Tratado de 1373, mas também pelos interesses econômicos que a diplomacia britânica tinha nessa operação, como iremos ver mais a frente.

Na conjectura da fuga da família real de Lisboa, três grandes problemas diplomáticos passariam a dominar as ações internacionais do Brasil Joanino: em primeiro lugar, o problema dos acordos de comércio que que teriam que ser revisados ou cancelados com a eventual mudança da capital de Lisboa para o Rio de Janeiro; em segundo lugar, o problema crítico da mão-de-obra que se traduzia nas pressões britânicas pelo fim do tráfico negreiro e pela necessidade de aumento da imigração para a colonização do interior; e, por fim, o grave problema dos desequilíbrios nas contas do Estado que tinham que ser equacionados pela via dos empréstimos externos, significando a contratação de vultosas somas de crédito junto às casas financeiras de Londres e a consequente dependência financeira das contas públicas brasileiras com relação aos banqueiros britânicos [2].

Porém, mesmo com os desequilíbrios das contas públicas, nada impediu o príncipe João de Bragança(daqui para frente chamado de Dom João VI) concedesse uma série de privilégios fiscais na forma de isenção de impostos e direitos para a burocracia metropolitana que embarcou junto da corte e para as elites provinciais brasileiras. Isso era uma forma do príncipe comprar o apoio dessas classes sociais para manter a integridade política do império mesmo em face de uma mudança de capital; um ato político extremamente custoso. Nascia aí as raízes do que muitos erroneamente denominaram “presidencialismo de coalizão”.

A venda de favores, sobretudo fiscais, para os “amigos do rei” em troca de apoio político não é um fenômeno intrínseco do sistema presidencialista ou da república, mas sim uma herança das instituições extrativas portuguesas cujas origens podem ser traçada desde os privilégios mercantilistas concedidos nas Ordenações Manuelinas de 1512 [6]. Constitui, portanto, um mito do conservadorismo monárquico brasileiro acreditar que a fonte da degeneração das instituições republicanas (entendidas em sua forma clássica) está no positivismo republicanista do Golpe de 1889, uma vez que as verdadeiras raízes desse patrimonialismo nefasto se encontram na própria metrópole que nos colonizou.

O primeiro ato de teor econômico e que teve impacto fiscal no Brasil Joanino foi a assinatura da Carta Régia de 28 de Janeiro de 1808, conhecido popularmente na historiografia nacional como “Abertura dos Portos às Nações Amigas”. Nele ficava estabelecido que as chamadas “mercadorias secas”( as manufaturas em geral) passariam a pagar um imposto ad valorem de 24%, a metade do cobrado anteriormente, enquanto que seria mantida a alíquota de 48% para os “produtos molhados” (como vinhos, azeites ou alimentos transportados em barris).

Porém, em 11 de Junho, essa viria a ser reduzida por pressão dos mercadores portugueses em virtude de esses produtos serem a principal pauta de exportação de Portugal. Em razão dessa pressão, passaria a ser cobrado uma taxa de 16% sobre mercadorias importadas de Portugal e 19% daquelas importadas em navios portugueses e 46% sobre mercadorias embarcadas em navios de demais nações.

Obviamente essa concessão de privilégios aos mercadores portugueses desagravam uma grupo em específico: os mercadores britânicos. O Império Britânico tinha interesse na exportação de seus produtos diretamente para o Brasil sem o intermédio português para redução de custos de transporte. Assim, usando do argumento da proteção inglesa e do favor prestado pela Royal Navy na fuga da família real, os britânicos, na figura de Sir Sidney Smith, fizeram pressão junto a Dom João e assim foi concedido aos comerciantes britânicos, além de uma série de vantagens institucionais( como o não julgamento de ingleses que aqui praticassem crimes por autoridades brasileiras ou portuguesas), a redução da taxa de entrada de produtos britânicos para 15% ad valorem, ficando, portanto, as mercadorias mais favorecidas que as portuguesas [2].

Vale notar esse episódio por duas razões. A primeira é que boa parte da receita tributária do Brasil nesse período era derivada de taxas alfandegárias. Em razão disso, uma guerra de interesses entre britânicos e portugueses por privilégios alfandegários teria um impacto sobre o erário real. A segunda, é que existe um mito desenvolvimentista de que a abertura dos portos e a redução da taxa de importação aos produtos ingleses teria atrasado o desenvolvimento industrial do Brasil.

Segundo os defensores dessa tese, o Brasil saiu prejudicado, pois não teria como um produtor nacional competir com os produtos manufaturados de escala industrial da Grã-Bretanha, e por isso haveria um “vazamento de poupança/renda” do mercado interno para o externo por busca de produtos mais baratos e pela facilidade de importação relativa aos produtos nacionais, o que no fim causaria um subdesenvolvimento do mercado interno.

A lógica histórica por trás desse argumento está em comparar o Brasil aos Estados Unidos dessa época, usando do argumento de que esses praticavam políticas industriais protecionistas( guiadas pelo ideário do secretário do tesouro Alexander Hamilton) e que isso foi a causa do desenvolvimento industrial dos Estados Unidos. Esse mito não apenas demonstra uma ignorância histórica por parte de seus defensores, como bem mostrou Frank Taussig  e Douglas Irwin , como mostra também uma ignorância fundamental sobre sua própria bibliografia, pois como já dizia Celso Furtado [7]:

“O desenvolvimento dos Estados Unidos, a fins do século XVIII e a primeira metade do século XIX, constitui um capítulo integrante do desenvolvimento da própria economia européia, sendo em muito menor grau o resultado de medidas internas de protecionismo adotadas por essa nação americana. O protecionismo surgiu nos Estados Unidos, como sistema geral de política econômica, em etapa já bem avançada do século XIX, quando as bases da economia já haviam se consolidado” 

 Em verdade, como os dados mostram, a Carta Régia de 1808 foi de grande benefício para o Brasil, pois a partir daí tanto passamos a importar bens de capital outrora proibidos como também permitiu uma maior entrada de produtos brasileiros( como café, cacau e tabaco) em um número maior de mercados estrangeiros por causa do intermédio britânico. Tal pode ser visto em termos quantitativos na evolução das exportações do Brasil no período desde a independência até o auge do governo republicano. Vale notar que o “achatamento” das exportações no período 1821–1833 mostrado no gráfico abaixo se deve à estagnação da pauta de exportação em razão do declínio dos preços internacionais do açúcar e do algodão em fase da concorrência americana e antilhana. A partir de 1833 ocorre uma evolução ascendente das exportações em virtude do novo produto de exportação: o café.

Exportações do Brasil entre 1821–1911 em US$. Retirado de Absell e Junguito (2017).

Os problemas financeiros da metrópole também vieram com a família real quando essa fugiu de Lisboa. Em meio a um passivo governamental crescente, tanto em razão das dívidas metropolitanas e da corte como das despesas de modernização do Rio de Janeiro, Dom João cria o primeiro Banco do Brasil para esse servir de credor da dívida governamental.

Assim, eram emitidos títulos de dívida pública com deságios de 5 a 15% e com pagamento de juros fixos de 4,5 a 5%. Porém, com o crescimento exponencial da dívida, os títulos em posse do Banco do Brasil, que constituíam seu maior ativo ao lado do lastro de ouro, transformaram-se em um risco que ameaçava a solvência do banco. Em consequência disso, Dom João tomou duas medidas. A primeira foi a assinatura do Decreto de 30 de Julho de 1822, que autorizava empréstimos internos junto às elites coloniais no valor de 400 contos de reis, a um juro de 6% ao ano e com prazo de 10 anos. A segunda era o consumo do lastro de ouro do Banco do Brasil tanto para pagar dívidas como para ampliar base monetária para o pagamento de dívidas.

Com isso, tanto o Banco do Brasil acabou tendo seu fim pela destruição de seu lastro de ouro como o primeiro de tantos episódios de inflação no Brasil teve seu começo, em decorrência de uma dominância fiscal. Todavia, mesmo emitindo moeda e tomando empréstimos, o primeiro orçamento do Brasil, com uma receita de 4.000 contos de reis e despesas de 5.000 contos de reis, apresentava forte desequilíbrio.

Para solucionar isso os privilégios alfandegários portugueses foram revogados e foi instituída uma taxa de 2% sobre circulação de mercadorias dentro do território. Isso acabou trazendo insatisfação tanto da elite metropolitana portuguesa que fazia transações com o Brasil como da elite colonial, sobretudo em virtude de a taxa sobre movimentação de mercadorias afetar o comércio interprovincial de escravos.

Com o fracasso da administração joanina e a volta do Rei para Portugal para a reclamação do trono frente à Revolta Constitucionalista do Porto, as elites coloniais e dois dos maiores nomes da história brasileira, José Bonifácio e Dona Leopoldina, arquitetaram um golpe de independência contra a administração colonial ao colocarem o príncipe-herdeiro de Portugal, Dom Pedro I, como patrono da independência; dando um certo grau de legitimidade ao movimento.

Eles usaram da figura do príncipe herdeiro de Portugal, Pedro I, para dar a legitimidade simbólica da causa de independência para as elites coloniais, uma vez que esses passariam a ver no monarca uma continuação das políticas de Dom João e uma legitimidade divina do poder do Brasil. Além disso eles fizeram um acordo com o embaixador britânico no Brasil, Charles Stuart de Rothesday, para que o Império Britânico reconhecesse a legitimidade da nova nação e intermediasse as negociações de independência com Portugal. E assim foi feita a independência, um grande plano de duas figuras políticas brilhante com uma potência estrangeira e a elite política interna.Porém, do ponto de vista fiscal, o acordo de independência foi planejado de maneira ruim.

Por intermédio de Stuart, Brasil e Portugal assinaram um tratado de independência. Nele Portugal concedia ao Brasil o “favor da independência”, uma forma de dizer que Portugal estava reconhecendo voluntariamente a independência, mesmo com os brasileiros tendo sido vencedores dos conflitos militares do processo independentista. Em troca desse “favor”, o Brasil teve que pagar uma indenização de 2 milhões de libras esterlinas para Portugal em razão da perda de suas propriedades no Brasil, algo que equivalia a 7% do PIB brasileiro da época.

Em troca do acordo dos britânicos, o Brasil se comprometeu em pagar e manter os compromissos da Carta Régia de 1808. Considerando as receitas perdidas com os privilégios ingleses e as indenizações à Portugal, os custos totais do acordo de independência deram em uma dívida de 5,68 milhões de libras esterlinas. O tratado de reconhecimento da independência implicaria, assim, em um imenso dispêndio de recursos do governo central. A guerra com a Argentina de Juan Rosas pela província brasileira da Cisplatina( que, em virtude de intervenção inglesa em apoio às elites locais, viria a se tornar o Uruguai) aumentaria ainda mais o volume desses gastos e da dívida do governo imperial brasileiro. Porém, como não houve aumento do produto da economia e, por consequência, das receitas tributária em virtude da decadência da pauta de exportação brasileira do período( açúcar, algodão e fumo), o governo acumulava déficits atrás de déficits, financiados prontamente pelos banqueiros ingleses da Lombard Street [3].

A mudança política da formação do Império do Brasil não afetou muito a estrutura da economia brasileira. Na independência, em 1822, o Brasil tinha por volta de 4,5 a 4,8 milhões de habitantes; sendo um terço dessa sendo escrava. Em 1821, um levantamento estatístico revelou uma população total de 112.695 habitantes na província do Rio de Janeiro, cerca de 70.000 em Salvador e de 25 a 30.000 no Recife. A economia imperial era predominantemente dominada pelo setor primário, com foco na agropecuária. Mesmo com a ascensão do setor minerador no período anterior, a economia interna e as pautas de exportação ainda eram extremamente dependentes dos produtos agrícolas.

No período em destaque três produtos tinham vital importância para a economia: o açúcar, o algodão e o café. Em 1821–22 esses produtos teriam respondido por ⅔ das exportações totais, sendo peles e couro responsáveis por outros 15%. No período seguinte de 1850–51 e 1888–89, a participação desses produtos passaria, respectivamente, a 81,7% e 72,2%. A preponderância da agropecuária na economia imperial era marcante. Embora o governo imperial tenha distribuído subsídios em diversos períodos da existência do Império, a indústria tinha um peso modesto de apenas 10% nas projeções mais otimistas. O surto industrial só viria a ocorrer na esteira das políticas macroeconômicas da República [8].

Essa manutenção da estrutura econômica herdada da Colônia mostra apenas uma incapacidade ou não desejo dos políticos brasileiros em se livrar das instituições extrativas herdadas de Portugal. Afinal, muitos desses políticos e membros da elite, que estavam presentes nessa época, eram do interesse de apenas alterar a direção do fluxo de extração dessas instituições, direcionando os privilégios e rendas que outrora iam para a metrópole para suas próprias mãos.

E assim nasceu o grande desastre fiscal brasileiro. Fim.

Notas:

[1]- OSTA, Leonor Freire; LAINS, Pedro; MIRANDA, Susana Münch. História econômica de Portugal: 1143–2010. A Esfera dos Livros, 2011;

[2]- DE ALMEIDA, Paulo Roberto. Formação da diplomacia econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império. Senac, 2001;

[3]- CALDEIRA, Jorge. História da riqueza no Brasil: cinco séculos de pessoas, costumes e governos. Sextante, 2017;

[4]- FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patrimônio político brasileiro. rev. e aumentada. Porto Alegre, Globo, 1958;

[5]- BALTHAZAR, Ubaldo Cesar. História do tributo no Brasil. Fundação Boiteux, 2005;

[6]- SENNA, José Júlio. Os Parceiros do Rei: herança cultural e desenvolvimento econômico no Brasil. Topbooks, 1995;

[7]- FURTADO, Celso;. Formação Econômica do Brasil. Editora Universidade de Brasília, 1963;

[8]- ABREU, Marcelo de Paiva et al. A Ordem do Progresso: dois séculos de política econômica no Brasil. Editora Campus–Elsevier, 2014;

 

 



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