No dia 18 de junho, eu tive a oportunidade de participar do Fórum Econômico de Bruxelas 2019, que reuniu representantes de diversas instituições europeias, governos, organismos multilaterais, bem como pesquisadores e investidores. Apesar do maior foco na Europa, os temas discutidos em uma série de painéis com nomes gabaritados da economia mundial dizem respeito a desafios comuns, que se impõem sobre diversos países (desenvolvidos e emergentes), e sobre a cooperação internacional. Governos populistas, os impactos da robotização, habilidades socioemocionais, crescimento sustentável e ajuste fiscal foram alguns dos temas quentes do dia.
Trago aqui minhas impressões e um pequeno resumo, em duas partes, das principais discussões do Fórum.
O futuro do trabalho, com Sir Christopher Pissarides
Certamente este era um dos momentos mais esperados do dia. Pissarides é professor da London School of Economics e recebeu, em 2010, o Prêmio Nobel de Economia, junto com Peter Diamond e Dale Mortensen, por sua análise do mercado de trabalho através da ótica de fricções na procura. “Como há tantos desempregados e, ao mesmo tempo, tantas ofertas de emprego?” foi uma das principais questões sobre as quais os laureados se debruçaram.
Pissarides foi convidado ao evento para falar sobre a sua visão de um tema relacionado: qual o futuro do mercado de trabalho em um mundo cada vez mais robotizado e integrado? E que políticas públicas devem ser pensadas para suavizar a transição para o novo contexto?
Em resumo, o Nobel se mostrou bastante otimista em relação ao avanço da inteligência artificial e seus impactos sobre o mercado de trabalho, apesar de enxergar clara necessidade de políticas ativas de proteção social (sobretudo de re-inserção no mercado) e educacionais. Estudos recentes de diversos organismos e consultorias internacionais têm apontado para o alto risco de extinção de um grande contingente de posições de trabalho. Para se ter uma ideia, pela estimação recente da OCDE, a porcentagem de empregos sob risco (na próxima década) varia bastante entre os países membros, podendo chegar até 40% em regiões do leste europeu, e estando em média em 14% no grupo como um todo. Esta porcentagem sobe para cerca de 50% quando se incluem trabalhos que devem sofrer drásticas mudanças na próxima década.
Apesar de resultados (sombrios?) como estes, Pissarides defendeu que a inteligência artificial aumentará a demanda por outros tipos de trabalho, sobretudo em setores da área de saúde, entretenimento e turismo. A lógica por trás é o aumento da expectativa de vida, bem como a redução da jornada de trabalho e uma, consequente, maior demanda por atividades de lazer.
Neste sentido, a consolidação e difusão das chamadas áreas STEMs (Ciências, Tecnologia, Engenharias e Matemática) se colocam mais do que nunca como primordiais na agenda social e de crescimento dos países. Uma educação básica capaz de formar as bases para o aprendizado efetivo dessas áreas, bem como um ensino técnico devidamente conectado a elas são alguns dos pontos principais desta agenda.
Não espere, entretanto, que só de exatas viverá a educação. Talvez tão imprescindíveis ou mais que as STEMs num mundo robotizado sejam as chamadas habilidades socioemocionais (soft skills). Estas, ainda em grande parte fora do currículo escolar da maioria dos países, são mais que desejáveis do ponto de vista social e de convivência, se colocando também como essenciais para o desenvolvimento de outros mercados de trabalho — sobretudo em lazer e saúde. Criatividade, inteligência emocional, habilidades de comunicação e empatia foram algumas das soft skills defendidas por Pissarides em sua apresentação.
Esta demanda, vale notar, não é nova. Ela inclusive se insere dentro da defesa de uma agenda ampla de cuidados e de educação na primeira infância defendida há anos por outro Prêmio Nobel: James Heckman (veja aqui meu artigo sobre o tema).
Ainda sobre o assunto, acredito que caiba um comentário final. A discussão sobre os efeitos da automação sobre os mercados de trabalho é bastante latente em países desenvolvidos e vem recebendo crescente atenção por parte dos governos. Devido aos menores custos da mão de obra em países emergentes e em desenvolvimento, entretanto, esta discussão se perde frente a problemas básicos ainda a serem solucionados. Este é o caso do grande deficit educacional brasileiro. Apesar disso, e aqui coloco uma referência à entrevista da deputada federal Tabata Amaral ao Terraço, para que o país não escorregue ainda mais em termos de competitividade, para que possa se inserir nas cadeias internacionais de valor e também avançar em termos sociais, é imprescindível que combine a preocupação com uma agenda antiga de educação com um olhar atento aos movimentos no mercado de trabalho do século XXI.
A segunda parte deste texto trará um resumo das apresentações da pesquisadora Stefanie Stantcheva (Universidade Harvard) e da economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Gita Gopinath, que falaram de ajuste fiscal, governos populistas e pesquisas de opinião.