A fuga do Reino Unido: precisamos falar sobre o Brexit

“Se o Reino Unido sair, isso poderia desencadear um êxodo geral e a dissolução da União Europeia passará a ser praticamente inevitável”

 George Soros, megainvestidor húngaro-americano

A hecatombe da política brasileira nos toma tanta atenção que acabamos pouco falando de um dos eventos mais importantes da atualidade: o chamado Brexit.

É raro ver momentos históricos como este, porque é impossível saber como a história vai mudar e que curso será executado caso isto ocorra. Mas afinal, você sabe o que é Brexit?

O que Brexit significa?

Esta é uma expressão que se tornou muito usada como uma forma abreviada de dizer que o Reino Unido deixará a União Europeia (UE). Nada mais é que a fusão de duas palavras, neste caso, “britain”, diminutivo nativo para Reino Unido da Grã-Bretanha, e “exit”, que significa saída.

É uma transformação da expressão cunhada no passado, Grexit, que se referia à possibilidade de a Grécia sair (ou ser expulsa) da União Europeia dada a sua condição financeira de insolvência.

Mas o que está acontecendo?

O Brexit refere-se a um referendo que será realizado em 23 de junho com o objetivo de decidir se o Reino Unido deve deixar ou permanecer na União Europeia.

O que é um referendo?

Um referendo é basicamente uma votação em que todos (ou quase todos) em idade de votar podem participar, normalmente, dando um “sim” ou “não” como resposta a uma pergunta. Qualquer lado que obtiver mais de metade de todos os votos expressos é considerado vencedor.

Mas o que é a União Europeia?

A União Europeia – muitas vezes conhecida como UE – é uma parceria econômica e política que envolve 28 países europeus (veja aqui quem faz parte – Eurostat) e é uma das formas de organização de mercado único, sendo caracterizado pela própria União Europeia da seguinte forma:

No mercado único europeu (a que, por vezes, também se chama «mercado interno»), as pessoas, os bensos serviços e os capitais podem circular tão livremente como se se tratasse de um único país. O reconhecimento mútuo desempenha um papel importante na supressão dos entraves ao comércio. Os cidadãos europeus podem estudar, viver, fazer compras, trabalhar e reformar-se em qualquer país da UE e usufruir de produtos provenientes de toda a Europa.[1]

Cabe pontuar que dentro da UE há uma gama de países, 19 no total, que compartilham a mesma moeda – o Euro – abrindo mão de sua política monetária autônoma, e tendo como autoridade monetária o Banco Central Europeu (BCE). O Reino Unido não faz parte da Zona do Euro, mantendo a libra como sua moeda oficial e o Banco da Inglaterra como o protetor da moeda.

A UE começou após a Segunda Guerra Mundial, quando era necessário promover a cooperação econômica, com a ideia de que os países que negociam em conjunto são mais propensos a evitar, sobretudo, ir à guerra uns com os outros.

Por que está acontecendo este referendo no Reino Unido?

O primeiro-ministro britânico David Cameron prometeu realizar o referendo caso ganhasse a eleição de 2015, em resposta ao crescente clamor de seu próprio parlamentares conservadores e do Partido da Independência do Reino Unido (em inglês UK Independence Party; ou conhecido pela sigla UKIP), que argumentavam que o Reino Unido não teria uma posição forte desde 1975, quando foi votado um referendo quanto à permanência na União Europeia.

O Reino Unido é obrigado a aderir às leis e regulações da região, o que retira parte da sua liberdade legislativa, e também tem o dever de contribuir com o orçamento da UE, gasto que hoje representa cerca de 0,5% do PIB do Reino Unido por ano.

Quem apoia a permanência do Reino Unido?

O próprio primeiro-ministro David Cameron quer que o Reino Unido permaneça na UE. Figuras como o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, também apoiam. Além destes, a maioria dos países da UE, como França e Alemanha. Aliás, uma importante revista alemã, Der Spiegel publicou recentemente uma reportagem acerca do pedido de permanência com uma apelativa capa: Please Don’t Go – Why Germany Needs the Britsh

Por outro lado, as pesquisas mostram que o público britânico parece bastante dividido sobre a questão. Se o referendo fosse hoje, o “Brexit” venceria com 55%, enquanto o movimento pela da manutenção dos britânicos no projeto europeu não iria além dos 45%.

Há duas companhas: Britain Stronger in Europe, que defende a permanência, e o Vote Leave, que defende o Brexit.

Quais os motivos para o Reino Unido permanecer?

A existência de um mercado único tão forte, envolvendo países tão dinâmicos e de alta renda permite um comércio inter-regional muito maior, além do deslocamento de mão de obra mais barata, normalmente jovem, que ajudam no crescimento daqueles países com uma maior parcela da população com idade mais avançada.

Além disto, sem o Reino Unido, que também é um membro permanente do Conselho de Segurança da ONU e uma potência nuclear, a importância da UE na política externa e de segurança pode cair drasticamente, sobretudo num momento conturbado de terrorismo crescente.

Uma parcela esmagadora de economistas acredita que deixar a UE é ruim para as perspectivas econômicas do país. Em pesquisa anual da Financial Times, quase três quartos dos economistas consultados acreditam que o Brexit prejudicaria perspectivas do Reino Unido.

Dentre outros fundamentos, espera-se um pior desempenho das exportações devido ao acesso mais complexo ao mercado da UE para fazer negócios e serviços financeiros. Uma confluência de fatos levaria à um menor potencial de crescimento. Isso atingiria o orçamento do governo, exigindo impostos mais elevados ou a despesa pública mais baixa em meio a custos mais elevados de financiamento do déficit, um problema similar ao vivenciado pelo Brasil.

A preocupação de curto prazo, ficará concentrada nos possíveis choques negativos na confiança dos agentes econômicos, com possível postergação de investimentos e consumo. Empresas de comércio exterior, por exemplo, estariam sujeitas a indefinições sobre as condições futuras dos seus negócios, enquanto as demais empresas passarão por período de elevadas incertezas regulatórias e legais, enquanto o Reino Unido decide quais regras e legislações da UE serão incorporadas na legislação local.

Mas quais países devem se preocupar mais?

Bom, na verdade o mundo inteiro deve se preocupar, pois o fato poderia causar uma onda de incertezas acerca do futuro da economia europeia – a maior do mundo, que abalaria os mercados financeiros e o comercio internacional de uma forma geral. Por isto, alguns defendem que o Reino Unido mantenha os privilégios de comércio de um mercado único.

Caso o referendo tenha como resultado o Brexit, haverá um período de transição de até dois anos contados a partir do momento em que o Primeiro Ministro inglês informe o Conselho Europeu sobre tal decisão.

A União Europeia pode entrar na maior crise desde sua concepção, há de se lembrar que o momento do bloco não é dos melhores, dado que acabou de sair de uma extensa crise, na qual o setor público assumiu o ônus do setor privado e agora diversos Estados encontram-se em restrições fiscais.

Com a perda de acesso ao mercado único europeu, o Reino Unido deverá, durante o período de transição, negociar acordos comerciais tanto com a UE quanto com países fora do bloco, ao mesmo tempo em que deverá realizar uma reforma legislativa incluindo as regulações e leis da UE que deseja incorporar em sua própria legislação.

Além disto, a persistente deflação que assombra a região tem obrigado o Banco Central Europeu a atuar com políticas monetárias não convencionais, com forte injeção de liquidez nas economias e redução dos juros, no chamado Quantitative Easing (QE). Um Brexit num cenário tão frágil deste traria consequências fortes para economias que, por sua vez, são clientes dos produtos britânicos.

Se olharmos a última balança comercial do Reino Unido, a de 2015, veremos que 7 dos 10 maiores clientes são europeus e membros da União Europeia, portanto, haveria uma forte queda da demanda por produtos ingleses e gerando pressão negativa na atividade economia.

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Uma atividade mais fraca e a turbulência também gerada no Reino Unido impactaria economias da própria Europa bem como dos Estados Unidos, que estão entre os principais fornecedores de bens e serviços para o Reino Unido, gerando assim um círculo vicioso de fraqueza de comercio exterior na região norte do hemisfério.

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Tá, mas e o Brasil?

Bem, o cenário para os europeus já é nebuloso e incerto, para o Brasil é mais ainda. Não há como passarmos “impunes” por um acontecimento histórico desta natureza, que fragilizará todo uma concepção de união entre Estados.

Fora a turbulência nos mercados financeiros, com elevação de risco e a fuga de capital de países como o Brasil – dado o seu elevado risco fiscal, o país também pode ser impactado no comércio. Os riscos de contágio, portanto, poderiam trazer um quadro de aversão ao risco, com impacto adverso na taxa de câmbio, pressionando a inflação e os juros locais.

Mesmo sendo fechado, cerca de 3 dos 5 maiores clientes estariam no olho do furacão, ou próximo como é o caso dos Estados Unidos. Em meio a um cenário de crise doméstica, uma turbulência externa desta magnitude é tudo o que não precisamos, impactando inclusive na decisão do Fed quanto à retomada dos juros americanos.

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Enfim, já foi muito menor. As consequências não são claras para ninguém, mas certamente será um duro golpe a União Europeia, que fragilizada não poderá segurar uma debandada e até a sua própria extinção.

Num cenário de crescente xenofobia e crise de refugiados, o mundo parece trilhar um caminho nem um pouco pacífico. O Brasil está afogado nos próprios problemas, mas certamente não será um mero espectador caso o Brexit aconteça.

Arthur

Editor do Terraço Econômico

[1] http://europa.eu/pol/singl/index_en.htm

Arthur Lula Mota

Mestre em Economia Aplicada pela Universidade de São Paulo (USP/ESALQ) e Bacharel em Economia pela Universidade Federal de São Paulo. Já trabalhou no mercado financeiro, auxiliando mesa de operações de fundos institucionais e departamento econômico com análises macroeconômicas.

Um Comentário

  1. Os brasileiros do sul e sudeste não têm a opção de não permitirem que seus impostos sejam aplicados em estados do nordeste em nome de uma suposta unidade nacional.
    Os ingleses têm a opção de não deixarem seus impostos usurpados pelos perdulários gregos, italianos e portugueses pois que usem da opção de se retirarem, ninguém vai deixar de fazer negócios com a Inglaterra por causa de uma suposta unidade regional.
    Os capitais voláteis criados por taxas de juros zero e negativas só querem uma desculpa esfarrapada, um espantalho para dispararem a próxima recessão mundial.
    Avante ingleses, façam o que São Paulo e tantas outras regiões do mundo gostariam de fazer.
    Para que acha o Brexit ruim, recomendo: Brexit the movie.

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