George Soros: o filósofo fracassado

Durante a década de 1990, a lenda do mercado financeiro — George Soros — era um dos vilões favoritos da esquerda brasileira. Em meio à crise dos mercados emergentes, o Real sofria ataques especulativos até que Armínio Fraga (um mero lacaio de Soros, diriam os menos lúcidos) assumiu a presidência do Banco Central do Brasil. Nos tempos recentes, cerca de 20 anos depois, o mesmo George Soros é apontado pela direita brasileira financiador-mor da esquerda! O tempo provou que o conspiracionismo não escolhe ideologia política, mas quem é George Soros e por que as pessoas se deixam levar por tamanhas lorotas? Senhoras e senhores, lhes apresento George Soros (segundo ele próprio). Aproveitem!

A ocupação da Hungria pelo exército alemão em 1944 foi uma das minhas experiências formativas. Mal havia completado 14 anos, vindo de uma família de classe média razoavelmente abastada e, repentinamente, estava frente a frente com a morte pelo simples fato de ser judeu.

Por sorte, meu pai estava preparado. Décadas antes, havia superado a Revolução Russa. Assim que a Primeira Guerra eclodiu, voluntariou-se para o serviço no exército austro-húngaro, acabou capturado pelos russos e aprisionado na Sibéria. Durante o exílio, tornou-se editor do jornal “A prancha”, circulado entre os prisioneiros, escrito à mão e fixado numa prancha que deu nome à publicação. Assim, ganhou notoriedade e foi eleito representante dos prisioneiros. Num acampamento vizinho, alguns prisioneiros escaparam e o represente foi fuzilado em retaliação. Meu pai, antecipando o que poderia acontecer, organizou um grupo de fuga.

O plano era construir uma jangada e navegar o oceano. Infelizmente, ele não conhecia a geografia da região. Todos os rios da Sibéria levam ao Ártico. Vários meses se passaram até que ele alcançasse a civilização do outra lado da taiga. Nesse meio-tempo, a revolução eclodiu e o arrastou para o conflito. Tivesse ele permanecido no acampamento, voltaria ao lar muito antes.

De volta ao lar, o homem outrora ambicioso só tinha interesse em aproveitar a vida. Não desejava acumular riquezas ou ser importante, apenas trabalhar o mínimo necessário para garantir a sobrevivência da família.

A invasão alemã era um sinal de tempos anormais. Meu pai, se dando conta disso, arranjou passaportes falsos para a nossa família e muitas outras pessoas. Alguns puderam pagar por isso, muitos outros receberam ajuda de graça. A maioria sobreviveu. Me senti especial, parte de uma grande aventura. Pude seguir o meu pai e saí sem nenhum arranhão. O que mais um jovem de 14 anos poderia pedir?

Três anos depois, encontrei meu caminho fora da Hungria. Comecei os estudos na cidade de Londres, interessado em entender o mundo onde nasci e cultivando a fantasia de me tornar um filósofo importante.

Londres foi uma grande decepção. Não tinha dinheiro e ninguém se interessava naquilo que eu tinha para dizer. Acabei na cidade de Nova York, trabalhando com arbitragem no mercado financeiro. Quando estava enfrentando dificuldades na carreira, voltei a me dedicar à filosofia. Mergulhei profundamente e me afoguei nas entranhas das minhas próprias ideias. A cada manhã, nem sequer entendia o que escrevi na noite anterior. Foi aí que decidi abandonar a filosofia e focar em ganhar dinheiro. Depois, já um gestor de hedge fund bem-sucedido, voltei mais uma vez à filosofia.

Publiquei The Alchemy of Finance em 1987, livro onde tentei explicar como a essência filosófica da minha abordagem nos mercados. A obra fez sucesso, passou a ser lida nas principais escolas de negócios do mundo, mas pouco impressão deixou nos filósofos. Minhas ideias foram descreditadas, presunções de um homem bem-sucedido nos negócios, mas aventureiro na filosofia.

Cheguei a duvidar se realmente descobri algo novo, ninguém parecia caminhar na mesma direção. Não há dúvida que aquelas ideias eram úteis para mim mesmo, mas não eram tão valiosas para terceiros. Tive que aceitar julgamentos alheios, mas não desisti. Passei a reconhecê-las como um passatempo nos negócios e na filantropia. Me considero um filósofo fracassado. Um filósofo fracassado que tenta novamente.

Esse texto é uma adaptação de trechos da palestra de George Soros intitulada General Theory of Reflexivity.

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