Os juros da dívida pública e a inflação: uma relação bem perversa

Nunca se discutiu tanto os problemas fiscais do Brasil. No spotlight do momento temos a PEC 241 que visa impor um teto global real para as despesas públicas primárias (isto é, sem contar despesas com juros). Independentemente de como atuará a PEC no orçamento, ela tem como objetivo criar uma trajetória de sustentabilidade para a dívida pública, que cresceu mais de R$ 3 trilhões nos últimos 12 anos e passou de 57% do PIB em 2013 para 74% em 2016. E obviamente o montante pago de juros também cresceu consideravelmente.

[caption id="attachment_7993" align="aligncenter" width="1267"]Fonte: Banco Central e STN; Elaboração Própria Fonte: Banco Central e STN; Elaboração Própria.[/caption]

Os juros da dívida são bem gordos, enormes à primeira vista e também uma poderosa fonte de reclamações dos desinformados que acham um absurdo o quanto é gasto para pagar os juros da dívida. Eles bradam: “é um absurdo se pagar tanto de juros”, “precisamos auditar a dívida pública” e o mais divertido “nosso dinheiro está indo para o bolso de banqueiros gananciosos”. A dívida existe porque o governo gasta mais do que arrecada, o que não é algo ruim, desde que feito com parcimônia e respeitando parâmetros que faça a dívida ser sustentável no longo prazo.

Os juros podem ser decompostos em dois itens: juros reais + correção monetária (inflação). O primeiro componente é o mais importante, pois ele carrega o risco e a qualidade do emissor da dívida. Então, se o país tem estabilidade macroeconômica e é um bom pagador, o juro real é baixo. O segundo componente é simplesmente a inflação do período, afinal de contas não faz sentido que os detentores da dívida aceitem ter seus investimentos corroídos pela inflação, mesmo que ela seja baixa.

Uma vez que entendemos os componentes dos juros, podemos olhar para o quanto o Brasil tem pago em cada item por sua dívida pública. Mas antes, o crescimento da dívida. O gráfico abaixo é bastante ilustrativo e mostra quanto o montante cresceu nos últimos anos, principalmente no ano de 2015.

[caption id="attachment_7994" align="aligncenter" width="1185"]Fonte: Banco Central e STN; Elaboração Própria Fonte: Banco Central e STN; Elaboração Própria[/caption]

Entre 2014 e 2015 o pagamento de juros aumentou 58,16%. O aumento absurdo se justifica por dois fatores: a dívida aumentou mais de 10 pontos percentuais do PIB no período, basta ver o primeiro gráfico e o pagamento de juros referente à correção monetária explodiu, exatamente porque a inflação (IPCA) fechou o ano em 10,67%, superando o centro da meta de inflação em 6,17 pontos percentuais. Uma perversa combinação de aceleração inflacionária com crescimento perigoso da dívida.

Fazendo uma conta na média, e sabendo que nenhum detentor da dívida vai querer incorrer em perdas inflacionárias, ou seja, todos querem correção monetária, podemos calcular o quanto é gasto no pagamento de juros com a correção monetária. Mais importante do que saber quanto se gasta com a correção monetária, é saber o quanto gastaríamos caso a inflação viesse na meta de 4,5% a.a. Como a inflação de 2015 foi de absurdos 10,67% a.a., é claro perceber que os juros ficaram bem mais onerosos.

A conta aqui feita foi realizada da seguinte forma: a dívida é composta por alguns títulos, com taxas e pagamentos diferentes[1], por uma questão de simplificação usamos o custo médio acumulado da dívida nos últimos 12 meses em porcentagem do estoque da dívida, indicador calculado pela secretaria do Tesouro Nacional, o guardião da dívida. E descontamos desse custo médio a taxa de inflação (IPCA) também acumulada nos últimos 12 meses, calculada pelo IBGE, e assim encontramos a taxa de juros real. O gráfico abaixo mostra a trajetória dos juros reais, que vem sendo estável, e o IPCA que acelerou muito em 2015.

[caption id="attachment_7995" align="aligncenter" width="1265"]Fonte: Banco Central e STN e IBGE; Cálculos do autor. Fonte: Banco Central e STN e IBGE. Elaboração própria.[/caption]

Somando aos juros reais calculados uma inflação de 4,5% ao ano para chegarmos ao juro total correspondente à inflação na meta temos um gráfico da seguinte forma:

[caption id="attachment_7996" align="aligncenter" width="1265"]Fonte: Banco Central e STN e IBGE; Cálculos do autor. Fonte: Banco Central e STN e IBGE. Elaboração própria.[/caption]

É nítido que o custo seria substancialmente mais baixo caso a inflação respeitasse a meta. Agora vamos deixar as porcentagens de lado e transformar em valores absolutos. Dos R$ 399 bilhões de juros pagos em 2015, algo em torno de R$ 134 bilhões foram para os juros reais que foram de 5,4% a.a., contra R$ 265 bilhões de correção monetária! Dinheiro suficiente para se custear por quase uma década o programa Bolsa Família (ver valores do Programa aqui).

Com uma taxa real próxima de 5% a.a. a dívida brasileira ainda é cara quando comparada aos pares desenvolvidos que pagam algo próximo de zero. Porém, somos um país de renda média, com uma dívida de mais de 70% do PIB, logo nada mais justo que uma taxa que embuta os riscos da nossa economia.

Então sempre que aquele amigo falar “é um absurdo o quanto pagamos de juros da dívida”, você pode dizer “é um absurdo o quanto disso é inflação”. Com o controle dos gastos públicos sendo sinalizado pela possível aprovação da PEC 241 e de uma possível reforma da previdência, tirando a pressão fiscal da economia, e com um Banco Central claramente mais comprometido em combate a inflação, é bastante provável que o montante gasto com correção monetária da dívida caia substancialmente.

Notas: 

[1] A dívida é composta de uma série de títulos, com diferentes indexadores, alguns títulos seguem a taxa básica de juros (Selic), outros são pré-fixados possuindo uma taxa fixa, mas que sempre está acima da inflação (como eu disse, ninguém quer perder dinheiro), alguns seguem o IPCA mais uma taxa real e por último e com baixa participação no estoque da dívida, títulos com indexação cambial.

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Victor Candido

Mestre em economia pela Universidade de Brasília (UnB). Economista pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Foi economista-chefe de uma das maiores corretoras de valores do país, economista do Banco Interamericano de Desenvolvimento e atualmente é sócio e economista de uma gestora de fundos de investimento. Foi pesquisador do CPDOC (O Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil) da FGV-RJ. Ajudou a fundar o Terraço Econômico em 2014.
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