O coronavírus é a antessala da desglobalização?

Este artigo é a tradução de "¿Es el coronavirus la antesala de la desglobalización?"

Versão original do artigo (em espanhol): ¿Es el coronavirus la antesala de la desglobalización?

O coronavírus, um subproduto da globalização, conseguiu o que diferentes populismos vêm tentando sem sucesso há vários anos, a saber: interromper o processo de globalização. Em razão da emergência sanitária global, os governos decretaram o fechamento das fronteiras, a interrupção das trocas comerciais e o controle dos movimentos populacionais.

Tudo isso ataca frontalmente o processo de globalização, uma vez que coloca as nações diante de seus próprios problemas e recupera a mensagem emocional de “nosso país, primeiro”, que se diluiu tanto quando pensávamos que fazíamos parte da “aldeia global”.

Não sabemos se é um fenômeno temporário, e se tudo voltará ao normal quando o coronavírus passar. Mas, neste momento, e com a perspectiva de que isso possa durar, temos a sensação de que uma mudança de longo alcance afetará o nosso modelo de relações sociais e, é claro, a ordem econômica internacional.

Do trabalho remoto ao cancelamento das celebrações festivas

Algumas empresas decidiram implementar planos de trabalho remoto e outras ainda não o fizeram porque não estão tecnicamente preparadas para isso. Todos estão determinados a aplicar estratégias de emprego temporário para enfrentar a perda de atividade econômica. Já os autônomos estão em pânico, com seus negócios paralisados e sem nenhuma rede de proteção social e econômica para protegê-los. Na Espanha [e mesmo no Brasil], as medidas econômicas do governo podem ajudar, mas seus resultados são incertos.

As pessoas estão preocupadas, e até agora estão reagindo com sensibilidade, exceto por alguns comportamentos extemporâneos relacionados à acumulação.

O cancelamento de comemorações que pareciam imutáveis devido ao seu valor simbólico e econômico (como a Páscoa…) foram aceitas com bastante naturalidade pela população, além do fechamento de cinemas e teatros e da suspensão de grandes eventos esportivos. Porém, se isso continuar por mais tempo do que o razoável, a preocupação se tornará medo, e já sabemos o quão é difícil gerenciar tais situações.

Existe ainda um fato marcante: diante da pandemia, a ação dos governos nacionais (ver China ou Coréia do Sul) está sendo eficaz, pelo menos no que tange a propagação do vírus e a redução dos efeitos da doença em seus respectivos países. Pensávamos que somente uma governança global poderia lidar com os problemas globais; contudo, os Estados nacionais tão criticados entenderam a gravidade do problema sanitário, e tomaram para si a liderança diante de suas respectivas populações.

Doenças globais

No contexto de uma emergência sanitária, com suas graves repercussões macroeconômicas e seus efeitos devastadores na microeconomia das famílias e das empresas, existem algumas questões que exigem reflexão.

A primeira é que o coronavírus é o elo de uma cadeia de epidemias com as quais teremos que nos familiarizar e que estão se expandindo graças à intensidade das trocas em uma sociedade tão aberta quanto a de hoje. Isso também se deve ao modelo internacionalizado de produção ilimitada que caracteriza essa fase do capitalismo global.

Anos atrás, era a doença da vaca louca, depois a gripe aviária e, mais recentemente, alguns membros da família dos coronavírus. Todos eles mostram os riscos da economia globalizada quando a lógica do lucro leva empresas a produzir a baixo custo em certas regiões do planeta e depois vender seus produtos em outras, sem estabelecer os controles sanitários adequados.

A segunda questão é a crítica cada vez mais exacerbada que a globalização econômica está recebendo, ao verificar que seus efeitos práticos não são tão benéficos quanto se pensava anteriormente. E isso não vem mais apenas de grupos populistas, mas de círculos políticos mais amplos (as declarações do presidente francês Emmanuel Macron são significativas sobre essa questão, exigindo atualmente controlar a “globalização descontrolada”).

Há alguns anos, observa-se que a abertura total dos mercados internacionais levou ao empobrecimento de muitas pequenas e médias empresas locais. É verdade que também foi uma boa oportunidade para certos setores empresariais que souberam tirar proveito disso, mas esses resultados são menos visíveis do que os outros.

É uma realidade que, há uma década e desde a crise de 2008, muitas pequenas empresas estão fechando. Além disso, existe uma crescente precariedade dos trabalhos e uma forte queda nos salários, como a única estratégia para as empresas competirem com baixos custos.

Tudo isso significa que estamos diante de uma sociedade cada vez mais fraturada entre vencedores e perdedores da globalização, com uma redução no papel central do Estado em introduzir algum tipo de equilíbrio.

Cabe se perguntar se as atuais medidas nacionalistas desaparecerão ao término da crise do coronavírus e tudo voltará ao que era antes, ou se estamos na antessala de um processo gradual de desglobalização (ou ao menos de controle das dinâmicas globalizadoras) em que o Estado recupera parte de suas funções reguladoras.

Por Eduardo Moyano Estrada

É professor (catedrático) do Instituto de Estudos Sociais Avançados (IESA) do Conselho Superior de Investigações Científicas (CSIC) da Espanha. É especialista em ação coletiva e articulação de interesses no setor agroalimentar, e governança e desenvolvimento de áreas rurais. Em 1997, recebeu o Prêmio Arco-íris, em 2001, a Ordem do Mérito Agrícola da República Francesa e, em 2018, ganhou o Prêmio Orgullo Rural da Fundação de Estudos Rurais da Espanha. Para mais informações sobre Eduardo Moyano Estrada, ver: http://www.iesa.csic.es/directorio/perfil/id/19. E-mail: [email protected].

Tradução de Filipe Prado Macedo da Silva

É professor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), no Brasil. E-mail: [email protected].

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