Juros baixos, crises e a síndrome de João Grilo no Brasil

Menor taxa de juros da história, inflação dentro da meta e otimismo do mercado em  relação a 2020, agora o Brasil decola? Todos esses são pontos indiscutivelmente  positivos – apesar do choque de realidade desta semana -, mas que merecem algumas considerações.

A queda da taxa de juros Selic diminui o custo financeiro das empresas, aumentando o lucro e seu fluxo de caixa, o que possibilita tomar empréstimos mais baratos e  financiar as atividades com recursos próprios. Isso é bom, pois projetos que estão  parados terão continuidade e novos poderão começar. Portanto, agora vale a pena arriscar: inovar e empreender tendem a “render” mais do que  a renda fixa (as opções mais seguras).

A renda fixa passa a não render como antes, arrisca-se afirmar que ela, num futuro próximo, não terá  rentabilidade real positiva. O fato é que se a inflação prevista pelo boletim Focus se  concretizar, o investidor em poupança e em tesouro Selic “perderá dinheiro”.

Obviamente  verá o seu dinheiro render, mas, ao final do ano, comprará menos bens que compraria atualmente. Isso ocorre porque a rentabilidade real desse investimento é negativa. A inflação vai  superar os rendimentos, além dos valores recolhidos pelo imposto de renda, daqueles  que não são isentos, tornarem a rentabilidade líquida ainda menor.

Não restando outra saída, o investidor vai ter que abraçar o risco, onde os fluxos  passam para a renda variável: ações e fundos. Essa renda tem uma característica  diferente de outros investimentos: é normalmente associada aos negócios de fato,  empresas, projetos, gestão. Negócios são projetos, projetos geram inovação,  oportunidade e empregos.

Tudo isso indica um direcionamento: maior produção, renda e emprego. No curto e  médio prazo, as expectativas são de retomada de crescimento. Mas ninguém afirma  quanto vai crescer (com exatidão) e por quanto tempo (crescimento sustentado).

O mercado trata de negócios e o risco está atrelado a eles. A exemplo disso, os  acontecimentos da semana: 

A guerra de preços do petróleo entre Arábia Saudita, maior produtor de petróleo do mundo, e Rússia, terceiro maior produtor, resultou no corte do preço do barril entre 4 e 6 dólares pelo país árabe. A Arábia Saudita tomou essas medidas após a Rússia negar ajuste de preços recomendado pela Opep. Dessa forma, o preço do petróleo, que já estava em tendência de queda, caiu ainda mais, chegando ao patamar próximo de US$30.

Outro fator relevante que afeta os mercados globais é a crise do novo Corona Vírus, chamado de Convid-19. Esse pode ser também um dos responsáveis pela queda do preço do petróleo, visto que ele afeta negativamente toda a cadeia produtiva, através de restrições em viagens e mudança de hábitos da população afetada, por medo de uma epidemia.

Esses acontecimentos geram impacto negativo nas bolsas pelo mundo e o papel das expectativas explicam muito. A incerteza em relação ao lucro futuro gera “pânico” nos investidores em momentos de crise, sem horizonte de recuperação e medo do afundamento completo das empresas mais dependentes dos fatores expostos anteriormente. Assim sendo, o emocional afeta as decisões dos agentes na economia, dado o cenário de incerteza no curto prazo. Assim, os preços das ações despencam, principalmente das empresas produtoras de petróleo, como a Petrobrás, que houve desvalorização em mais de 20%.

Vale ressaltar que, apesar dessas quedas bruscas nos índices de ações, no longo prazo, os negócios valorizam, porque a inovação sempre propõe respostas as novas demandas da sociedade, gerando, dessa forma, valor.

Nesse cenário, o Brasil deve, acima das políticas de estímulo de curto prazo, priorizar fatores endógenos atrelados ao seu crescimento.

Para que o crescimento extrapole o período de quatro copas do mundo, é necessário combater problemas estruturais. Sem isso, o brasileiro médio viverá seus 75 anos de “fica rico…fica pobre, fica rico…fica pobre, fica rico… fica pobre” frequentemente ao decorrer da vida.

O “fica rico… fica pobre” é uma comparação com as flutuações econômicas de médio prazo na economia. É uma referência ao personagem João Grilo do filme “O auto da Compadecida”, na qual ele se desespera com a situação clímax do filme, ao tentar mudar o cenário de miséria vivenciado no Sertão. Trata de como o Brasil tem “boom” de crescimento e em pouco tempo sofre desaceleração e crise, sem capacidade de recuperação.

Mas quais seriam os problemas estruturais?

  • Baixo nível educacional; um dos fatores que afetam positivamente o  crescimento econômico é o avanço tecnológico. Mas, primeiro, é necessário combater indicadores crassos: 6,8% de taxa de analfabetismo no Brasil e em alguns estados chega a 14%, como no Acre (IBGE).
  • Falta de infraestrutura; nesse tópico, é importante destacar que 34% dos domicílios brasileiros não têm cobertura de esgoto e 14,5% não possuem distribuição de água (IBGE). Trabalhador doente não produz. No índice de qualidade de rodovias (CNT), outro indicador de infraestrutura, de 1 para o pior a 5 para o melhor, o Brasil possui índice 3,26 e os melhores resultados são São Paulo, Alagoas e Rio de Janeiro. Uma rodovia que não está em boa qualidade dificulta todos os trabalhos que exigem transporte, seja de pessoas, insumos ou resultados da produção para escoamento.
  • Excesso de burocracia e complexidade tributária; no Brasil são necessários, em média, 79 dias para abrir uma empresa, no total são 11 procedimentos. No melhor país da pesquisa, Nova Zelândia, o tempo médio é de um dia com um único procedimento. Empresas precisam de 1958 horas para calcular e pagar impostos no Brasil (Banco Mundial). O problema central é que nem todas as empresas têm estrutura para vencer essas barreiras. Empresas pequenas são as mais prejudicadas.
  • Dificuldade de gerar eficiência no setor público; Diante da fronteira de possibilidades de produção – escolher prioridades dado o cenário de escassez – a máquina pública tem papel fundamental em prover serviços de maneira eficiente. É comum no Brasil ações que gastam tempo e recursos, mas não geram retornos significativos. Para evitar isso, é necessário planejamento e todas as ferramentas que o acompanham, além do governo estar bem financeiramente. Os pilares da saúde financeira do governo envolvem controle da dívida pública e do índice de preços, revisão de prioridades na composição do gasto e avaliação de políticas públicas.
  • Corrupção; existem estudos em torno do impacto econômico da corrupção no desenvolvimento. Mauro (1995) buscou encontrar causalidade entre corrupção e desenvolvimento da economia. Ele concluiu que a corrupção está  negativamente associada ao crescimento econômico. Isso significa que a redução da corrupção aumenta o crescimento do Produto Interno Bruto. Gupta et al (1998) concluíram que países com maiores taxas de corrupção tendem a ter gastos sociais menores.

Como resolvê-los?

Reformas que ataquem a produtividade, no âmbito do legislativo e programas que  ataquem a produtividade, no âmbito do executivo. É somente pensar em como educar,  melhorar as ferramentas e utilizar os recursos da melhor maneira. A solução teórica é simples, mas, na prática, reformas nunca são fáceis de serem executadas.

Por que a produtividade é importante para o crescimento?

Países mais produtivos têm a renda per capita elevada, e isso não é mera correlação,  mas causalidade.

A produtividade proporciona a melhoria na qualidade de vida das pessoas, em geral,  em relação a décadas passadas. É fácil enxergar: quem afirma que tem o padrão de vida inferior ao de seus avós? Ninguém.

A mentalidade é entender que a riqueza da próxima geração deve ser elevada em relação a essa. Devem comprar mais, viver mais e melhor. Isso implica crescimento  econômico sustentado nas próximas décadas e não em uma, ou meia, problema recorrente no Brasil e outros países como Argentina e México.

Ruan Lima

Graduando em Economia pela UFAC. Gosta de açaí, pastel de queijo, cálculo econômico e responsabilidade fiscal.

 

 

 

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