Infraestrutura: o grande gargalo brasileiro

No debate econômico brasileiro atual discutem-se diversos pontos do porquê de termos entrado na recessão em que nos encontramos. Os erros vieram de diversas origens: gasto aumentando mais do que a receita, ausência de priorização nesse gasto (foi aumentando, mas não se acompanhavam os resultados), uma espécie de medo não justificado (ou melhor, justificado pelo entrelaçamento corruptivo entre o Estado e os grandes grupos que operações como a Lava Jato têm apresentado) de abrir investimentos em infraestrutura para a iniciativa privada, dentre outros. Especificamente neste último ponto, as consequências são duras: graças a este gargalo, mesmo quando se produz com qualidade e excelência corre-se o risco de ter enormes prejuízos.

Recentemente, o Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Blairo Maggi declarou, em linhas diretas, que a safra recorde de grãos que teremos neste ano de 2017 está “indo para o ralo” [1]. O motivo? Infraestrutura. Neste caso, inacreditáveis 100km não asfaltados da BR-163 (esta que tem ou teve atrasos em quase todos os pontos de seu projeto [2]), rodovia que contribui enormemente para o escoamento de grãos entre o Mato Grosso e os portos do Norte do País. Ah e o problema não é recente, como mostram as imagens abaixo:

Devido a este impasse, diversos produtores, que tendo acordadas suas vendas nos portos em termos contratuais e não podendo simplesmente deixar de entregar os produtos, acabam tendo que importar estes produtos de outros países, enquanto observam seu produto se perder no transporte. Ou quando conseguem desviar o escoamento para outros portos (como os de Santos-SP e Paranaguá-PR), veem que a sobrecarga gera uma demora maior na operação como um todo.

Em suma: uma safra recorde está se transformando em um prejuízo estrondoso. Isso sem contar o custo anual de perdas sobre a safra de grãos em nosso país, que alcança a marca de R$9 bilhões [3].

Aqui pode surgir o comentário clássico de quem vê um problema ocorrendo e, desesperado por uma solução, não procura entender onde ele começou: “não seria apenas asfaltar este trecho e permitir que o escoamento da safra siga seu caminho normalmente a solução disso tudo?”. A questão é mais ampla: infraestrutura é um setor que demanda investimentos de prazo mais estendido do que qualquer “pacote de ajuda ao setor” ou “programa de aceleração” pretende demonstrar – e, além do mais, também envolve investimentos continuados para sua manutenção. O imediatismo do setor público em querer trazer para si os méritos de obras dentro de um mesmo mandato, o gerenciamento difuso de projetos públicos, os arranjos institucionais complexos e o receio arraigado da iniciativa privada formam uma combinação que nos traz este atraso observado nos tempos atuais [4].

A deterioração da infraestrutura brasileira pode ser visualizada em dados:

[5]

Considerando que a infraestrutura necessita de investimentos para sua manutenção, não é difícil compreender, olhando os dados acima, o porquê dos problemas atuais de infraestrutura em nosso país. Um exemplo rápido pode ajudar a ilustrar isso: imagine que uma empresa investiu R$100.000,00 em um estoque de capital, tendo este uma depreciação de 10% ao ano; ao final de um ano, ela terá como estoque de capital R$90.000,00 caso não tenha investido nada, R$100.000,00 caso tenha investido igual ao que se depreciou e mais do que o estoque inicial caso tenha investido mais do que a depreciação. Ou seja: investindo cada vez menos em infraestrutura, dado que ela mantem seu tamanho original ou aumenta, na prática estar-se-á encaminhando a um enfraquecimento do estoque de capital fixo.

Muito mais do que lamentar sobre os problemas de hoje, é preciso pensar em como sair desta situação. A atual equipe econômica apresenta como ideia de equacionamento desta questão ao longo do tempo a abertura econômica para investimentos em infraestrutura, permitindo que o capital privado aumente sua participação [6]. A ideia parece correta por pelo menos três motivos: primeiramente, porque com a Emenda Constitucional do Teto de Gastos a limitação fica mais explícita do que outrora, uma vez que os investimentos não entram em regulamentos que o engessem dentro do orçamento e, assim, acabam sendo os primeiros a sofrerem cortes; em segundo lugar, porque a iniciativa privada geralmente apresenta uma agilidade maior na gestão de projetos; e, em terceiro lugar, porque a saída complementar a isso – ampliar a participação pública – não teve como resultado o avanço pretendido, então seria esta uma nova tentativa.

A infraestrutura deficitária prejudica diversas frentes de desenvolvimento do país, mas podem ser destacadas duas principais: água e saneamento (cujos atendimentos no país são de, respectivamente, 83,3 e 50,3% [7]) com acesso universal permitem que condições básicas de saúde possam ocorrer, o que possibilita um desenvolvimento humano mais adequado do que quando estas condições são ruins; eletricidade, telecomunicações e transportes em melhores condições possibilitam que o foco das atividades produtivas seja, enfim, produzir (e não atentar para questões que não ligadas ao negócio principal de diversas empresas, como fornecimento de energia para saber se é possível produzir, verificar se o sistema de telecomunicações funciona para atender melhor aos parceiros comerciais ou ainda se o que foi produzido pode ser entregue adequadamente). Em suma: a infraestrutura representa o básico para que um país possa crescer com qualidade – e, como podemos observar atualmente, quanto mais deficientes estes aspectos são, pior para o país.

Antes de imaginar que simplesmente uma desestatização em massa ou repasse para a iniciativa privada seja a solução direta de todos os problemas, é preciso lembrar que uma questão a ser resolvida é a das instituições. As regras do jogo precisam estar claras, ou corremos o risco de entrar em um novo jogo de interesses entre Estado e iniciativa privada que, passando a incorreta impressão de que a eficiência por meios privados é impossível, faz com que a opinião popular sobre o tema “privatizações” seja sempre negativa (advindo tal opinião do fato de que os serviços, por mais que tenham melhorado, ainda continuem com curiosas ineficiências).

Dois exemplos são notáveis para explicitar o que ocorre quando as regras do jogo não ficam claras. O primeiro exemplo é o das telecomunicações: após a ocorrência das privatizações nos anos 1990 a rede de acesso se ampliou consideravelmente (há alguns anos já temos mais celulares do que habitantes no Brasil [8]) e, junto com ela, também se ampliou a quantidade de reclamações por má prestação do serviço. Outro, é o da Medida Provisória 579, que rompeu com regras estabelecidas previamente em contratos de longo prazo do setor elétrico, ocasionou uma redução dos investimentos no setor e uma multa de R$62 bilhões que será paga por todos os brasileiros [9]. Em outras palavras: não estabelecer regras claras ou quebrar as regras no meio do jogo são duas atitudes que resultam em danos, mesmo quando a operação da infraestrutura ocorre por via privada.

Infraestrutura é o grande gargalo brasileiro porque acaba por dificultar enormemente as atividades econômicas que dela se utilizam – ou seja, praticamente todas. No Brasil, a produção tem avançado em termos de tecnologia e otimização (embora haja ainda um enorme caminho a percorrer), mas não ter condições básicas de produção atendidas, como são as de infraestrutura é um problema gravíssimo. O tempo gasto resolvendo questões advindas de um péssimo fornecimento de infraestrutura poderia ter sido gasto produzindo bens e serviços e, ao longo do tempo, isso faz uma diferença considerável.

 

Caio Augusto – Editor do Terraço Econômico

[1]          http://www.istoedinheiro.com.br/safra-recorde-esta-indo-para-o-ralo-diz-maggi/

[2]          Confira qual o tamanho do atraso, por ponto, na página 27 do Texto Para Discussão 2253 do IPEA, de novembro de 2016 http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2253_web.pdf

[3]          http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/campo-e-lavoura/noticia/2014/03/transporte-deficiente-de-graos-causa-perda-anual-estimada-em-r-9-bilhoes-ao-brasil-4445535.html

[4]          Obra do economista Raul Velloso levanta a discussão sobre como melhorar a eficiência do investimento público no Brasil http://www.raulvelloso.com.br/investimento-em-infraestrutura-no-brasil-continuar-investindo-apesar-do-ajuste/

[5]          http://www.portaldaindustria.com.br/agenciacni/noticias/2016/07/empresas-privadas-respondem-por-54-dos-investimentos-em-infraestrutura-no-brasil/

[6]          http://www.valor.com.br/brasil/4742173/brasil-precisa-abrir-para-investimento-e-infraestrutura-diz-meirelles

[7]          http://www.tratabrasil.org.br/saneamento-no-brasil

[8]          https://www.tecmundo.com.br/celular/26912-brasil-ja-tem-mais-celulares-ativos-do-que-habitantes.htm

[9]          http://www.gazetadopovo.com.br/economia/consumidor-tera-de-indenizar-transmissoras-de-energia-ate-2025-f50malk37k0gn10hl3yq8chfq

Caio Augusto

Formado em Economia Empresarial e Controladoria pela Universidade de São Paulo (FEA-RP), atualmente cursando o MBA de Gestão Empresarial na FGV. Gosta de discutir economia , política e finanças pessoais de maneira descontraída, simples sem ser simplista. Trabalha como diretor financeiro de negócios familiares no interior de São Paulo e arquiva suas publicações no WordPress Questão de Incentivos. É bastante interessado nos campos de políticas públicas e incentivos econômicos.
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