Quando eu entrei em economia na USP, éramos cerca de 20 mulheres em um total 90 alunos. 22%. Já no mestrado, no velho continente, a razão não era melhor. Éramos 5 dos 22 mestrandos em economia. 23%. Lá, tive uma única professora (responsável por apenas uma parcela da matéria que lecionava), de um total de 11 cursos. 9%.
Assim, não me causou espanto quando li no começo deste ano que as mulheres respondem por apenas 14% das vagas de professores titulares de economia nos Estados Unidos. A oferta de pesquisadoras já começa muito menor, com menos de um terço dos candidatos ao doutorado sendo mulheres [1].
Este artigo não tem a intenção de discutir possíveis causas e soluções para esta questão. Muito embora falte um debate sério a respeito do assunto. Como bem colocado pela publicação The Economist no início deste ano, o meio acadêmico de economia – que propaga a valorização da competição e da diversidade nos mercados – é o mesmo que falha ao olhar para a própria casa e entender porque talentos são subaproveitados.
A boa notícia é que as coisas caminham, ainda que a passos lentos. Em um evento com nomes gabaritados da economia mundial, incluindo a palestra do Prêmio Nobel Christopher Pissarides (veja aqui o meu resumo sobre a sua apresentação), foram duas jovens economistas o grande destaque do Fórum Econômico de Bruxelas 2019.
Conforme apresentado na primeira parte do texto, o evento reuniu representantes de diversos governos e instituições europeias, organismos multilaterais, bem como pesquisadores e investidores. Apesar do maior foco nos mercados europeus, os temas discutidos em uma série de painéis dizem respeito a desafios comuns que se impõem sobre diversos países (desenvolvidos e emergentes) e sobre a cooperação internacional.
A defesa das pesquisas de opinião como ferramenta científica e política e da prudência fiscal foram os dois grandes tópicos abordados, respectivamente, por Stefanie Stantcheva (Universidade de Harvard) e Gita Gopinath (FMI e Harvard).
Ampliando os métodos científicos – com Stefanie Stantcheva
Universidade de Cambridge, École Polytechnique (Escola Politécnica de Paris), Paris School of Economics e MIT são alguns dos “singelos” carimbos que a jovem economista francesa (nascida na Bulgária) tem no currículo. Desde 2014, ela é também professora da Universidade de Harvard, tendo sido promovida ao cargo titular em 2018. Ainda ano passado, a publicação britânica The Economist conduziu uma pesquisa nos meios acadêmicos para eleger os 8 melhores jovens economistas da década. Stefanie foi eleita para o seleto grupo.
No Fórum de Bruxelas 2019, ela foi convidada para fazer uma Ted Talk (palestra no estilo das realizadas pelo grupo TED) sobre um tema que ela considera primordial. Apesar do aviso inicial da economista de que aquela era a sua primeira conferência neste estilo, não foi preciso muito tempo no palco para que a audiência entendesse o porquê do seu crescente destaque.
Stefanie usou os seus 15 minutos de apresentação para defender o uso de pesquisas de opinião de forma rigorosa por legisladores e acadêmicos. Seu ponto central foi o de que importantes aspectos para a formulação de políticas públicas – como a percepção das pessoas sobre justiça e ética e sobre a própria condição financeira – ficam de fora do desenho destas, uma vez que pouco se pergunta à população. Para Stefanie, enquanto grande parte da academia e dos formuladores de políticas públicas ignora esta valiosa fonte de informação, populistas prestam atenção nela e a usam para distorcer políticas e instituições.
Para ilustrar por que devemos monitorar as percepções da população e entender o que está por trás delas, a economista apresentou alguns números de como a visão das pessoas pode divergir significativamente do que de fato está acontecendo na sociedade. Um quadro interessante (reproduzido abaixo) foi a comparação da percepção dos indivíduos a respeito da porcentagem de imigrantes no seu país (em amarelo) com a taxa real (em azul) – muito aquém da percebida.
Percepção vs Realidade – Participação dos imigrantes na população
[caption id="attachment_15199" align="aligncenter" width="486"] Fonte: Apresentação de Stefanie Stantcheva (Brussels Economic Forum 2019).[/caption]Outro quadro mostrou como em vários países europeus, as pessoas subestimam a probabilidade de alguém de baixa renda chegar ao topo da pirâmide social, ocorrendo o oposto nos Estados Unidos – a imagem do sonho americano ainda parece ser bastante vívida no imaginário coletivo. Stefanie também apresentou alguns exercícios revelando a percepção dos indivíduos sobre justiça e ética e como elas nem sempre são consistentes entre si.
Em suma, a sua mensagem para a audiência foi a de que é preciso aproveitar o potencial de compreensão disponível nas pesquisas de opinião. Lá pode estar a resposta, por exemplo, de situações em que a realidade diverge do esperado por determinada política econômica. “Para entender a dinâmica muitas vezes invisível…o método direto é o mais rápido e efetivo” (tradução livre).
Sustentabilidade, mas com prudência fiscal – com Gita Gopinath
Assim como Stantcheva, Gita Gopinath também coleciona carimbos impressionantes no currículo. Nascida em Calcutá, estudou economia na Delhi School of Economics (India), tendo iniciado o PhD na Universidade de Washington (EUA). Alguns meses após o início do doutorado, entretanto, seu mentor (impressionado com o potencial da jovem) a recomendou para os melhores programas dos Estados Unidos (“ela é uma das melhores que a Universidade já viu em pelo menos 20 anos”, tradução livre) [2].
Em 2001, concluiu o doutorado em Princeton, tornando-se professora assistente na Universidade de Chicago logo em seguida. Desde 2005, é afiliada à Harvard, tendo sido promovida à titular em 2010. Ela foi a terceira mulher a chegar a este cargo no Departamento de Economia, e a segunda nacional indiana – antes dela, apenas o Prêmio Nobel Amartya Sen. Terceira mulher e segunda nacional indiana. Pois bem, 2019 trouxe uma nova celebração: ela é agora a primeira mulher a ser economista-chefe do FMI (Fundo Monetário Internacional).
Neste último Fórum de Bruxelas, coube à ela a difícil missão de defender a prudência fiscal em um painel com alguns opositores e com uma parcela da plateia por vezes hostil. Talvez um dos pontos mais interessantes da discussão tenha sido quando um dos debatedores levantou a questão sobre os erros na planilha de excel usada por Reinhart e Rogoff. Caso o leitor não esteja familiarizado com o assunto, em 2013, um doutorando da Universidade de Massachusetts* descobriu falhas na base usada por esses autores em um trabalho (bastante propagado) sobre a relação entre dívida pública e crescimento econômico (relembre aqui). O tópico foi especialmente selecionado por Rogoff ter sido orientador de Gita em Princeton. Não pretendo me estender mais, mas, em suma, a defesa de Gita foi na linha da instabilidade gerada pelo crescimento da dívida pública e alguns exemplos europeus.
Aos leitores que se interessarem pelo assunto, recomendo procurar mais sobre os trabalhos das duas brilhantes economistas – diferentes em linhas de pesquisa e mesmo no entendimento sobre alguns papéis do Estado. Também indico o meu texto anterior sobre o Fórum, cobrindo a interessante visão de Christopher Pissarides sobre o futuro do trabalho.
*Errata: anteriormente, MIT.Notas
[1] https://www.economist.com/leaders/2019/03/21/economics-is-uncovering-its-gender-problem