Revendo o desemprego brasileiro: uma análise à luz dos microdados

Ao final do mês passado (31/05), como de praxe, o IBGE divulgou a estimativa para a taxa de desemprego no país. Segundo o órgão oficial, eram cerca de 14 milhões de brasileiros desempregados no trimestre encerrado em abril, uma taxa de 13,6% [1]. Este número, bastante elevado, pode subir ainda mais nos próximos meses, influenciado pela turbulência política pela qual o país passa.

A proposta deste breve artigo, entretanto, não é discorrer sobre a trajetória futura da taxa de desemprego ou mesmo sobre as causas por trás das tendências recentes. Hoje, o tema diz respeito aos números pouco divulgados e escassamente debatidos do desemprego brasileiro, os quais, muitas vezes, passam despercebidos pela população em geral. Apesar da (já alta) taxa de desocupação do país estar nos jornais ao menos uma vez por mês, além das rodas de conversas cotidianas, a verdade é que o seu cálculo permanece como uma caixinha preta para boa parte dos brasileiros.

Infelizmente, são poucos os que sabem que não estão no rol dos desempregados: os trabalhadores não remunerados (que ajudam no trabalho de familiares, ou que recebem apenas moradia/alimentação como pagamento); os que trabalham bem menos horas do que gostariam (uma vez que a jornada de uma hora semanal já é computada como emprego); ou ainda aqueles indivíduos que desistiram (ainda que temporariamente) de procurar trabalho. Estas são apenas algumas das múltiplas faces que o desemprego pode assumir e que não estão contempladas pelo cálculo do IBGE. Em particular, tanto os trabalhos não remunerados, como a subocupação, são característicos de períodos de crise, em que uma grande parcela da força de trabalho passa a se ocupar de atividades que garantam o mínimo de renda ou benefício à família, ainda que sejam ocupações bastante distintas daquelas que desempenhavam até poucos meses atrás.

Assim, antes de apresentar alguns números que merecem maior atenção no debate sobre o desemprego brasileiro, cabe uma breve explicação sobre a metodologia de cálculo oficial. Para tanto, trago aqui as definições do IBGE, presentes no Relatório Completo da última PNAD Trimestral (1º Tri/2017) [2]. Segundo o Instituto, a taxa de desocupação (popularmente, taxa de desemprego) corresponde ao “percentual de pessoas desocupadas em relação às pessoas na força de trabalho: [Desocupados / força de trabalho] x 100”.

O mesmo documento apresenta as demais definições e uma ilustração para entendermos melhor a conta, as quais estão reproduzidas abaixo.

  • Pessoas desocupadas: “São classificadas como desocupadas na semana de referência as pessoas sem trabalho nessa semana, que tomaram alguma providência efetiva para consegui-lo no período de referência de 30 dias e que estavam disponíveis para assumi-lo na semana de referência. Consideram-se, também, como desocupadas as pessoas sem trabalho na semana de referência que não tomaram providência efetiva para conseguir trabalho no período de 30 dias porque já haviam conseguido trabalho que iriam começar após a semana de referência”.
  • Pessoas na força de trabalho: “As pessoas na força de trabalho na semana de referência compreendem as pessoas ocupadas e as pessoas desocupadas nesse período”.

Classificação da população em idade de trabalhar (IBGE)

[caption id="attachment_10030" align="aligncenter" width="809"] Fonte: Relatório Completo – PNAD Trimestral (IBGE).[/caption]

Ou seja, a taxa de desemprego corresponde à simples razão: [pessoas desocupadas / (pessoas desocupadas + pessoas ocupadas)]. O leitor mais atento certamente irá questionar a ausência da definição de pessoas ocupadas. Esta variável não foi definida no presente artigo para que a análise não se estendesse demais, mas será objeto de estudo da sequência deste texto.

O objetivo aqui é mostrar dados do próprio IBGE que demonstram, quando analisados em maior proximidade, uma face muito mais extensa do desemprego brasileiro, inicialmente através da recomposição da variável pessoas desocupadas. Os que se aventurarem pelos microdados da PNAD Contínua (disponíveis apenas na versão trimestral da pesquisa) podem explorar as informações desagregadas respondidas pelos entrevistados. A partir destas, pode-se chegar a uma estimativa mais ampla do número de indivíduos que não estavam trabalhando na semana de referência (mas que gostariam e poderiam estar empregados), de modo a incluir aqueles que não procuraram emprego nos últimos 30 dias por motivos alheios à problemas de saúde, estudos ou cuidados com a família.

O gráfico a seguir apresenta um resumo da análise proposta. Conforme pode ser observado, segundo o IBGE, o número de pessoas desocupadas era equivalente a 14,2 milhões de brasileiros no primeiro trimestre deste ano. Entretanto, se considerarmos na conta os indivíduos mencionados acima, a estimativa cresce para 18,9 milhões de desempregados. Este acréscimo revela, sobretudo, a dura realidade de milhões de brasileiros que desistiram de procurar trabalho (mas que gostariam e poderiam estar empregados), seja pela ausência de empregos na localidade (principal variável de acréscimo) ou pela qualificação inadequada.

Estimativas do desemprego segundo os microdados – março/2017

[caption id="attachment_10033" align="aligncenter" width="521"] Fonte: Microdados – PNAD Trimestral (IBGE). Elaboração própria.[/caption]

Destaca-se que, mesmo mantendo a definição do IBGE de pessoas ocupadas, a taxa de desemprego calculada a partir deste novo contingente de desocupados seria de 17,5%, consideravelmente mais elevada do que a oficial (13,7% em março). Cabe ressaltar que uma discussão mais aprofundada sobre o real tamanho do desemprego no país, bem como sobre a sua evolução recente, ultrapassa o escopo deste artigo e merece maior atenção por parte do governo e de analistas.

O IBGE tem seu mérito em ter empregado esforços para a disponibilização periódica de informações tão detalhadas. Aos que não são familiarizados com o assunto, a PNAD e seus microdados ficavam disponíveis apenas anualmente até poucos anos atrás. Contudo, informações relevantes sobre as diversas faces do desemprego no país permanecem às escuras para grande parte da mídia e da população.

Daniele Chiavenato – Editora do Terraço Econômico

Referências: [1] Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Mensal: ftp://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_de_Domicilios_continua/Mensal/Comentarios/pnadc_201704_comentarios.pdf. [2] Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Trimestral: ftp://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_de_Domicilios_continua/Trimestral/Fasciculos_Indicadores_IBGE/pnadc_201701_trimestre_caderno.pdf.

Daniele Chiavenato

Formada em Economia pela FEA-USP, é mestre na mesma área pela Universidade de Leuven (Bélgica). No Brasil, trabalhou em consultorias econômicas com pesquisa macro e com microeconomia aplicada. Atualmente, na boa companhia das cervejas e chocolates belgas, trabalha na Comissão Europeia com políticas de emprego e inclusão social.
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