Juros no Brasil: por que tão altos e como resolver?

O que são os juros? Primeiro, para responder esta pergunta, é necessário compreender a natureza desse importante elemento da realidade econômica. Böhm-Bawerk [1] ensinava que a natureza dos juros reside na preferência temporal. Isso é, na percepção de que bens presentes possuem maior valor que bens futuros de mesma quantidade e grandeza.

Dito de outra forma, costumamos preferir antecipar o máximo possível nossos objetivos e adiar nossas conquistas — somente — se isso significa uma conquista ainda maior posteriormente. O economista Eduardo Giannetti [2] segue a mesma linha ao se referir aos juros como o valor do amanhã.

Resumidamente, quando pensamos em juros, pensamos em tempo. Porém, como bem diz o professor Ubiratan Iorio [3], não estamos falando em um tempo newtoniano. Ou seja, o simples passar dos minutos, horas e dias; trata-se de um tempo dinâmico, cuja assimilação é subjetiva. A razão disso é que apesar de o tempo ser sempre o mesmo, a maneira como cada indivíduo o percebe é diferente.

Aliás, um mesmo indivíduo, em momentos de estado de espírito distintos, percebe o tempo mais devagar ou mais rápida. Quem nunca teve a sensação de sentir o tempo passando mais lentamente num momento de aflição? Ou quando estamos em momentos de euforia, o tempo parece passar mais rápido? Agora, você deve estar se perguntando: o que isso tem a ver com economia?

Os juros no Brasil

De novo, quando pensamos em juros pensamos em tempo (dinâmico). Portanto, aqui está a chave para compreendermos o nível de juros no Brasil. O histórico do nosso país não é nada entusiasmante. Trata-se de um país muito instável, em vários sentidos, e isso reflete na formação das taxas de juros.

Eis um dos fatores que agravam o nível de incerteza, tratando-se de investimentos. Alguns podem afirmar que os juros, por representarem uma relação temporal, sempre têm o componente ‘incerteza’. Sim, é verdade, mas, existem graus distintos de incerteza. Não esqueça disso, pois,  essa observação nos ajudará a compreender o fenômeno dos juros no Brasil.

Um breve olhar para a História já demonstra que, do ponto de vista político, tivemos vários golpes de Estado. A começar pela própria Proclamação da República, passando por Getúlio, Militares, impeachments de dois presidentes em menos de 30 anos de “redemocratização”, etc.

Numa perspectiva econômica, também encontramos muita desordem. O Brasil teve 9 moedas diferentes durante o século XX, algo único no mundo. No aspecto jurídico, já tivemos 7 constituições. Em suma, não temos estabilidade política, econômica ou jurídica. Como esperamos ter juros baixos dessa maneira?

Como resolver?

O problema dos juros altos se arrasta por décadas e que coloca em risco o nível de investimentos produtivos no Brasil. Sendo assim, podemos considerá-lo um problema estrutural. Não há uma bala de prata que pode resolver tudo de uma só vez. É preciso pensar em curto, médio e longo prazo ou, respectivamente, fases A,  B e C.

Fase A

No curto prazo, o remédio é uma forte restauração da saúde fiscal. Um estado gastador, com contas deficitárias há anos, não conseguindo honrar suas dívidas, obviamente sofrerá com juros.

Atualmente, a dívida brasileira chega a 80% do PIB, conforme diz o BC [4]. Alguém pode dizer que existem países com dívidas ainda maiores, mas, com juros bem menores, caso dos Estados Unidos e Japão, só para citar alguns exemplos. Sim, porém, o grau de incerteza apresentado por economias desenvolvidas é relativamente menor que o grau de incerteza de países em desenvolvimento — caso do Brasil.

Sendo assim, os juros em outros países são menores. Quanto mais rico é um país, maior sua capacidade em honrar suas dívidas, mais alto é seu prestígio junto aos credores e, consequentemente, mais baixos são os juros.

Para impedir que a dívida continue crescendo (e os juros conjuntamente), é necessário um ajuste fiscal, cortando privilégios, enxugando os gastos governamentais, reforma da previdência, reforma tributária e outros. Dessa maneira,  seria possível controlar a trajetória do endividamento público. Com as devidas reformas, o Brasil dará sinal extremamente positivo a investidores nacionais e estrangeiros que a economia retomará o crescimento.

Fase B

Dadas expectativas favoráveis, o nível de confiança ascendente e os holofotes sobre a nossa economia, será possível atrair novos players, quebrando a forte concentração bancária no mercado brasileiro. O próprio Banco Central aponta que apenas 5 bancos concentram 82% dos ativos no país [5].

Segundo a lei da oferta e demanda, quanto maior a oferta, isto é, quanto mais competidores no mercado, maior a tendência de preços reduzidos, mais acessíveis. A retomada da confiança na economia brasileira é vital para promovermos um cenário de genuína competição.

Apesar da concentração bancária ser um fenômeno mundial, reflexo da crise, de 2008, o Brasil é um dos países com maior concentração dentre os países conforme dados do Banco de Compensações Internacionais (BIS).

Contudo, uma informação animadora é: o número de fintechs vem aumentando no Brasil [6], o que pode representar maior acessibilidade a crédito com juros mais baixos em relação aos grandes bancos. Conforme a Financial Stability Board, fintech pode ser entendida como “Inovações financeiras, habilitadas por tecnologias que podem resultar em novos modelos de negócios, aplicativos, processos ou produtos com efeitos tangíveis nos mercados, nas instituições financeiras e na prestação de serviços financeiros.” Além delas, é necessário atrair outros bancos e fazer tubarões competirem com tubarões. Isso só será possível com desregulamentação, desburocratização e abertura comercial.

Fase C

A abertura comercial possibilita a absorção do know-how das principais empresas do mundo, a inserção das empresas brasileiras nas principais cadeias globais de valor e o aumento da nossa capacidade produtiva, principalmente no que diz respeito à capacitação de capital humano.

A única forma realmente sustentável de aumentar a renda do trabalhador é: aumentar a produtividade do trabalho. Infelizmente, nesse quesito, o Brasil está estagnado há cerca de 35 anos [7]. Estamos presos naquilo que os economistas chamam de armadilha da renda média [8].

Por esse motivo, é preciso aumentar, de maneira sustentável, a renda do trabalhador, para que seja possível formar poupança. Aqui temos um dos motivos para os altos juros: a baixa poupança do brasileiro [9]. O problema se torna ainda maior, pois, a formação de poupança passa diretamente pela educação financeira, logo, as medidas tomadas surtem efeito apenas no longo prazo.

É importante dizer que aumentar a renda do trabalhador é diferente de induzir a sensação de aumento de renda via inflacionismo. Ou seja, expandir crédito não lastreado em poupança destrói, no longo prazo, a capacidade do indivíduo construir patrimônio. Políticas monetárias expansionistas, com fins políticos, são uma das maneiras mais perversas e silenciosas de enganar a população.

Conclusão

Não se trata apenas de culpar rentistas, pois, os juros existem desde a antiga Mesopotâmia [10] e, atualmente, são praticados em todos os países civilizados. O problema dos altos juros no Brasil só será realmente superado se enfrentarmos as causas principais que afetam singularmente nossa economia: descontrole fiscal, forte concentração bancária e baixa formação de poupança. Atuando nesses três pontos será possível ter juro baixo para investidores do setor produtivo e também para consumidores.

Marcel Pereira Bernardo

É economista, laureado com os prêmios Menção Honrosa, pelo Conselho Federal de Economia e Mérito Acadêmico, pelo Conselho Regional de Economia – SP. Também é autor do livro “A História Monetária: da origem do dinheiro às criptomoedas”.

Notas

[1] BÖHM-BAWERK, Eugene Von. Teoria positiva do capital. São Paulo: Nova Cultural, 1986.

[2] GIANETTI, Eduardo. O Valor do Amanhã. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

[3] IORIO, Ubiratan Jorge. Ação, tempo e conhecimento: A Escola Austríaca de economia. 2°ed. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2011

[4] Sobre dívida brasileira, verificar Plano Anual de Financiamento – Tesouro Nacional (2019), pág. 24. Disponível em: http://sisweb.tesouro.gov.br/apex/cosis/thot/transparencia/anexo/5028:219583:inline

[5] Sobre concentração bancária, verificar Relatório de Economia Bancária (2017) – Banco Central do Brasil, página 91. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/pec/depep/spread/REB_2017.pdf

[6] Sobre crescimento de fintechs, verificar Relatório de Economia Bancária (2017) – Banco Central do Brasil, página 97. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/pec/depep/spread/REB_2017.pdf

[7] Sobre baixa produtividade, verificar O legado do PBQP e novos desafios para um Brasil competitivo e sustentável – Academia Brasileira da Qualidade (2019). Disponível em: http://www.abqualidade.org.br/livro_abq/O_legado_do_PBQP_final.pdf

[8] Sobre armadilha da renda média brasileira, verificar Paulo Gala (2019). Disponível em: https://www.paulogala.com.br/a-armadilha-da-renda-media/

[9] Sobre baixa poupança brasileira, verificar Datafolha (2017). Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/12/1942232-levantamento-revela-imediatismo-e-baixa-tendencia-a-poupanca-do-brasileiro.shtml

[10] BERNARDELLI, Leandro; NORI, Rodrigo; BERNARDO, Marcel Pereira. A História da Moeda: uma proposta de união entre teoria econômica e etnografia. XX Semana de Economia – VI Encontro de pesquisa e extensão em Ciências Econômicas. Cornélio Procópio, UENP. 2018.

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