Não há absolutamente ninguém no planeta Terra que não tenha se surpreendido com a pandemia da COVID-19 e os seus efeitos imediatos no cotidiano. De uma hora para outra, nossos hábitos foram radicalmente alterados, as rotinas adaptadas e os nossos planos repensados.
Com essas mudanças bruscas, as economias do mundo todo foram severamente afetadas. Segundo o FMI, há a expectativa de encolhimento do PIB mundial de 4,9%. Não é pouca coisa. Aqui no Brasil, é esperado que o PIB contraia 9%, queda mais suave do que o esperado na Espanha (12,8%) e no Reino Unido (10%). Não há paralelo na história da humanidade de quedas tão bruscas e generalizadas em todos os continentes.
Mas a boa notícia é que, aparentemente, o pior já passou. Quando olhamos os indicadores de indústria, varejo, consumo das famílias e pedidos de desemprego, no Brasil e no mundo, há a clara percepção que o fundo do poço ficou para trás. No caso brasileiro, existe ainda no ar uma certa desconfiança dos agentes em relação à economia, e, principalmente, como será o pós-pandemia.
Nesse sentido, o IPEA elaborou um material riquíssimo de análise e projeções que levam em conta esse cenário. Colocamos o relatório completo aqui. É interessante mencionar que o Instituto, além de mostrar o cenário atual e as medidas que foram adotadas, sugeriu 4 eixos de ações para serem tomadas para a recuperação, visando o aumento da produtividade da economia e utilização eficientes dos recursos.
Em seguida, abaixo elaboramos um resumo do material disponibilizado pelo IPEA.
Cenários macroeconômicos
O crescimento observado para a economia em 2020 será muito aquém do que aquele esperado ao início deste ano. Fato é que antes mesmo do coronavírus já não tínhamos previsões tão elevadas de crescimento, mas um PIB menor acabou transformando-se em uma queda livre.
Os dados mais recentes do Boletim Focus, que coleta informações de agentes do mercado, trouxe nesta segunda-feira (26/07) uma queda esperada de 5,77% para a economia brasileira neste ano. Segundo o estudo do IPEA, a queda ficará em 6%, mas com recuperação de 3,6% em 2021, conforme mostra o gráfico abaixo.
Em termos de dívida pública, este item que tenderia a se estabilizar e reverter logo nos primeiros anos da década que se inicia em 2021, acabou apontando para cima. Previsões indicam que uma possível estabilidade ocorra apenas ao final da década.
Em parte, devido aos desembolsos adicionais deste atual período e também pelo avanço “natural” do tamanho do Estado brasileiro. Não nos esqueçamos que o orçamento público do Brasil é 93% composto de despesas “engessadas”, que não podem ser alteradas sem movimentações na Constituição. Este desafio que já era complexo torna-se ainda mais após esse período.
Em consequência dessa questão fiscal temos um apontar para cima da curva de juros ao longo do tempo. Naturalmente, com uma dívida maior e mais complexa de ser gerida, o custo desses empréstimos tomados pelo governo se eleva. Apesar da inflação ainda em baixa, isso ocorre porque nossa situação fiscal já era delicada antes mesmo da pandemia.
Covid-19 no mundo: medidas internacionais adotadas
A atuação internacional se deu, não surpreendentemente, também através de vultosos pacotes fiscais cujo objetivo foi o de manter a espinha dorsal das economias funcionando. Assim como aqui, tais estímulos foram em direção a empresas e também a pessoas físicas.
Nesse momento, o estudo do IPEA mostra de maneira bastante direta como um lado fiscal mais robusto faz diferença em momentos como o atual. Se sabemos que todos os países acabam tendo de elevar suas dívidas públicas, a capacidade de cada um sinaliza como poderão enfrentar melhor a crise. O estudo apresenta os casos da Alemanha, da França, da Espanha, dos Estados Unidos e do Canadá para comparar com as medidas aplicadas no Brasil.
Importante ressaltar o caso específico da Alemanha que, de “austericida” passou a ser um exemplo na lida deste período, dado que, logo no início, literalmente colocou à disposição recursos ilimitados que tinham início na monta de US$550 bilhões. Novamente, para que não se perca esse ponto: apenas um cuidado recorrente com o lado fiscal permite que isso ocorra. Momentos extraordinários demandam medidas extraordinárias, mas tempos normais demandam prudência.
Em um momento como o atual vemos claramente quem teve e quem não teve essa prudência.
Eixos de ação para a recuperação econômica
O estudo do IPEA mencionado aqui coloca quatro eixos para recuperação econômica do Brasil pós-pandemia. Esse é um ponto bastante positivo do material produzido pelo Instituto: além de falar do cenário atual, fornece o caminho para dias melhores. Cada um dos eixos apresenta propostas diferentes de atuação.
Atividade produtiva e reconstrução das cadeias de produção.
Neste primeiro eixo as propostas são de reformar o sistema brasileiro de recuperação de empresas (leis de falências e recuperação judicial), a concessão de empréstimos para micro e pequenas empresas para manter de pé suas escalas produtivas, a criação de uma indústria de reciclagem automotiva, o uso estratégico de compras públicas (com foco em micro e pequenas empresas), ideias para o campo da saúde (para reestruturá-lo em termos de financiamento), a criação de concursos nacionais de foco de resolução de problemas com financiamento privado e a adequação dos fundos de financiamento regionais.
Inserção internacional
O Brasil ainda é um país muito fechado. A relação (importação + exportação)/PIB é de 25%, inferior aos nossos pares sul-americanos e de praticamente todos os países ricos (OCDE).
Precisamos estar mais integrados ao resto do mundo, nas cadeias de valor e dar condições para que empresas exportadoras tenham mais êxito na venda de seus produtos e permitir às indústrias locais que importem equipamentos e bens de forma mais fácil, desburocratizada e barata. Além disso, precisamos ter menos amarras e dificuldades para atrair investimento externo, favorecendo o ambiente de negócios por aqui.
De forma geral, os especialistas do IPEA sugerem a adoção de políticas que favoreçam esse ambiente propício para o comércio exterior e para a atração de investimentos externos (tanto diretos como indiretos).
Investimentos em infraestrutura
Não é nenhuma novidade que precisamos de obras de infraestrutura com o objetivo de reduzir o “custo Brasil”. Com exceção de poucos estados, fazer o transporte de carga nesse país de dimensões continentais é caro e arriscado. Apostamos todas as nossas fichas no modal rodoviário, deixando de lado alternativas pluviais e férreas.
Para piorar a situação, casos de corrupção e mal uso do recurso público foram recorrentes nos últimos anos, lançando dúvidas sobre esse modelo de investimento.
Não à toa, o estudo do IPEA sugere fortalecer as parcerias público-privadas e as RDC (Regime Diferenciado de Contratações Públicas). Ainda, sugere revisar as concessões, de modo a identificar ineficiências e oportunidades de melhoria. Trata também da questão do saneamento básico, que deve ser transformado a partir da aprovação do Marco Legal no Congresso.
Proteção econômica e social de populações vulneráveis
Há uma enormidade de programas sociais no Brasil. Mas poucos de fato são focalizados, ou seja, chegam de fato para quem precisa. O Bolsa Família é um deles, com evidências robustas de êxito na transferência direta de recursos para famílias pobres. Contudo, ainda há políticas feitas no Brasil que não trazem resultados concretos para as populações vulneráveis.
O relatório do IPEA, nesse eixo, traz diversas políticas com o objetivo de focalizar o gasto e, dessa forma, dar maiores condições de progresso para esses grupos vulneráveis: medidas educacionais (tempo integral na educação básica, financiamentos estudantis), saúde (vacina tríplice, número de profissionais na saúde) e políticas sociais (agricultura familiar, jornada de trabalho e acesso ao emprego pelos jovens) são debatidas no documento, inclusive pontuando qual deverá ser a origem dos recursos para cada política sugerida.
Mas espera um pouquinho: o que tudo isso tudo tem a ver com os ATIVOS REAIS?
A economia real movimenta os ativos reais. Isso parece óbvio, mas não pode ser esquecido. Aparentemente o mundo dos investimentos se preocupa apenas com aqueles que estejam focados mais em aspectos financeiros, mas é quando a roda da economia gira nas ruas que os ativos reais, aqueles que têm um maior potencial de valorização vigorosa ao longo do tempo, cumprem seu caminho de valorização.
A partir do momento em que a economia estiver sobre bases mais sólidas e bem estabelecidas, os negócios poderão se desenvolver melhor e, com isso, os ativos reais passam a se valorizar mais.
Em termos de longo prazo, temos uma chamada década perdida (como vimos nos anos 1980 e viveremos nos anos 2010) quando a renda da economia praticamente anda de lado o tempo todo. Com a casa arrumada, todos saímos beneficiados.
Não é fácil, não é trivial e envolve um conjunto imenso de mudanças como as que apresentamos aqui. Mas se tem uma coisa que não podemos deixar de considerar é que a oportunidade para reformar e pavimentar o futuro nunca foi tão evidente.