Liberal está proibido de pedir ajuda do Estado?

Coronavírus. Uma pandemia que praticamente paralisa a economia mundial. Da economia mais desenvolvida até a que mais patinava, todos nos encontramos em uma situação complexa que envolve restringirmos a circulação de pessoas (o que tem impacto direto na economia) e verificarmos como os governos serão capazes de suprir esse tempo de pausa necessária. É nesse momento que surge a pergunta que dá título ao artigo: qual o sentido dos liberais pedirem ajuda do Estado neste momento?

Este que vos escreve é um liberal. Acredita piamente que o Estado deve estar presente em aspecto institucional (colocando as regras no jogo) e que, em todos os outros casos possíveis, o mercado é quem deve atuar. Liberal de verdade é aquele que reconhece que, assim como o Estado, mercados também têm suas falhas e, no fim das contas, está aí a necessidade de integração de atuações entre ambos.

Respondendo a pergunta inicial: não, nenhum liberal está proibido de pedir ajuda do Estado. Amplio a resposta dizendo que isso não desfaz o pensamento liberal de maneira alguma. Para explicar o que digo vamos fazer uma breve comparação entre dois países.

Imagine que o primeiro país é responsável com suas contas públicas, apresenta superávit primário constantemente e isso não o impede de ter políticas sociais de acompanhamento direto das atividades – instituindo as regras do jogo, sem atrasar o andamento do próprio jogo.

Agora imagine um segundo país em que a frase “gasto é vida” já foi literalmente dita por alguém que ocupou a presidência do país, que quando teve oportunidade chamou de “rudimentar” um plano de ajustes de contas de longo prazo e, quando teve oportunidade, aliou-se a empresas de modo a concentrar mercados através de vultosos empréstimos via bancos públicos porque tinha em mente que precisava “fazer um grande país” (apesar de, no fim das contas, sequer ter conseguido aumentar a produtividade do país com isso).

Provavelmente você ficou perdido sobre qual é o primeiro país (que é a Alemanha), mas identificou facilmente que o segundo é o Brasil. Nos dois países temos que a importância é posicionar o Estado onde ele deveria estar, que é estabelecendo as diretrizes pelas quais os agentes econômicos podem circular e deixando-os seguir seus caminhos dentro disso, não dando a mão a alguns que crescem sadios e esquecendo de outros que morrem de fome.

Chegamos então novamente na situação atual vivida. Tanto Alemanha quanto Brasil vivem dramas com o coronavírus, cada um com suas particularidades. Mas em um aspecto podemos diretamente comparar: o poder de fogo do Estado para amenizar essa situação de parada.

Na Alemanha os incentivos tiveram início em US$550 bilhões e, conforme já anunciado, terão a extensão necessária – inclusive até o termo “crédito ilimitado” chegou a ser utilizado. Por aqui, embora os esforços não sejam desprezíveis, é notável que o espaço fiscal existente para isso é muito menor e possivelmente, pelo menos até o que foi anunciado, a ajuda será insuficiente. Isso é fruto direto de nossa incapacidade em lidar adequadamente com nosso lado fiscal.

Não é de hoje que se fala sobre a necessidade de adequarmos as despesas públicas à realidade de nosso orçamento. A questão está em suspensão porque estamos vivendo um período extraordinário, mas com o desenvolvimento todo da questão nos próximos meses o conflito distributivo de nosso orçamento público ficará ainda mais escancarado. Se a questão até agora de ouvir mais grupos de interesses corporativistas para manutenção de privilégios, a gritaria será muito maior diante de uma redução notável da arrecadação a ser verificada nos próximos meses.

A previsão atual do governo brasileiro é de um déficit de R$419 bilhões para 2020 e, levando em conta que talvez a ajuda anunciada precise ser reforçada, não é difícil de imaginar que acabe por superar US$500 bilhões. Trata-se do maior déficit da série histórica e, por se tratarem de tempos realmente extraordinários, primeiro devemos focar em oferecer este auxílio para depois retomar a questão de ajuste de contas. O urgente se sobrepõe ao importante

Então temos a questão: liberal é aquele que não pode pedir ajuda do governo agora? Em absoluto. Liberal é aquele que solicita que o governo esteja presente onde dele se precisa de verdade (o que difere das práticas tão comuns de compadrio e corporativismo que observamos em Terra Brasilis). E, indiscutivelmente, essa é uma situação em que o governo tem de atuar.

Peço pessoalmente o favor de não ser confundido com quem levanta a bandeira de que deveríamos adotar um “Estado mínimo” sem sequer saber qual seria a definição disso. E, também, que não seja confundido com quem está na ébria ilusão de que o que resolve qualquer coisa neste país é aumentar os gastos eternamente.

Digo uma vez mais sem medo de soar repetitivo (já que essa dita “ladainha” nunca foi ouvida com rigor neste país): o Estado precisa estar onde dele se necessita de verdade. Definindo as regras do jogo, oferecendo condições iniciais mais favoráveis, permitindo que quem tenha de prosperar prospere e quem tenha que quebrar quebre. E, claro, atuando diretamente quando não houver alternativa possível (que é o caso que vivemos agora).

Da próxima vez que você ver alguma discussão sobre “liberais arrependidos” lembre-se de verificar se alguma vez de fato liberais o foram na realidade.

 

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