Lidando com um Cisne Negro

Acreditamos que, muitas vezes, se formos guiados pela lógica, matemática, probabilidade ou quaisquer outros instrumentos de raciocínio poderemos prever ou “calcular” situações, acontecimentos, catástrofes ou guinadas espetaculares no mercado, na economia, na política ou mesmo na vida pessoal.

Não levamos em conta o quanto esses caminhos podem ser não-reais, guiados pela nossa visão do mundo, nossa subjetividade, pela não-compreensão ou não-percepção de todas as variáveis que realmente existem ou, simplesmente, aceitar que não há como prever o futuro e perceber o quanto qualquer forma de tentar fazê-lo, usando modelos científicos ou não, está mais próximo da indução do que de qualquer outra coisa.

Em The Black Swan, publicado em 2007, Nassim Taleb denota a crença dos europeus, até 1697, sobre a existência apenas de cisnes brancos quando, naquele ano, um cisne negro foi avistado, pela primeira vez, na Austrália.

Taleb define um Cisne Negro como um evento raro, que possui um grande impacto na sociedade e, de alguma forma, é explicável, mas, além de tudo, seria praticamente impossível de ser previsto apenas analisando o passado. Era impossível prever a existência de cisnes negros até um ter sido visto pela primeira vez.

Eventos raros, como o primeiro cisne negro, ou tantos outros no decorrer da história (desde guerras, invenções, crises financeiras, crises políticas ou até mesmo pandemias) ocorrem com mais frequência do que imaginamos e, naturalmente, nossas mentes não são programadas para lidar com o que foge da rotina ou do status quo, então, tentamos explicar a situação da forma mais reconfortante possível. Já que não é nada agradável para a mente humana lidar com acontecimentos não planejados ou não previstos.

Há padrões para reconhecermos tais eventos. A primeira e principal característica é a sua completa ou parcial imprevisibilidade. Quando ocorre, causa um impacto enorme e, depois de acontecido, surgem as mais variadas explicações tentando afirmá-lo como menos aleatório e mais previsível do que realmente era.

Segundo Taleb, não temos a percepção prévia de tais fenômenos pois os seres humanos estão programados para aprender coisas especificas, se manter nelas, e não para pensar em generalidades e cenários variados. Assim, não conseguimos avaliar claramente as oportunidades, nem somos suficientemente abertos para acreditarmos naqueles que conseguem calcular cenários, aparentemente, improváveis.

A Falha Lógica: O Problema da Indução

problema da indução é a questão cognitivo-filosófica referente ao raciocínio indutivo, que muitas vezes pode ser uma generalização sobre um tema ou uma previsão não dedutiva (ou seja, uma previsão baseada em impressões não racionais ou lógicas) e que poderiam levar à verdade ou ao conhecimento em si.

À vista disso, o problema da indução pode ser definido em duas falhas: 

i) Generalizar: Basear-se que o que fora previamente analisado apenas empiricamente torna-se a verdade padrão e, portanto, não há a possibilidade de alterar ou haver variações no futuro, ou que tudo é sempre daquela forma (por exemplo, retornando à lógica de que “todos os cisnes que vimos são brancos e, portanto, todos os cisnes que existem são brancos”, antes da descoberta do cisne negro);

ii) Pressupor: Partir da premissa que eventos futuros ocorrerão sempre como foi no passado e que as situações manter-se-ão iguais, praticamente em inércia (por exemplo, que as leis da física se manifestarão como sempre foram observadas, mas que hoje vêm tendo suas estruturas questionadas pela Mecânica Quântica).

O próprio Método Científico se baseia na lógica indutiva e no empirismo clássico, mas deveríamos, no mínimo, aceitar que há uma chance considerável de que as análises e interpretações atuais podem mudar com o tempo. Resumidamente, não há verdade absoluta muito menos um ambiente infinitamente constante em que não haverá variações ou instabilidades.

Embora o Problema da Indução seja estudado desde os filósofos céticos da Grécia Antiga, é David Hume que o traz com uma análise mais científica. Hume afirma que uma das bases do problema é concluir quais são os melhores métodos indutivos, quando notamos que não é possível encontrar qualquer diferença objetiva entre métodos indutivos bons e ruins.

Desse modo, a indução é uma inferência e só pode levar à uma conclusão que tem limitado grau de probabilidade de estar correta. Em seu Tratado da Natureza Humana, Hume afirma que a relação que as conexões probabilísticas têm com o que de fato ocorre dependem de hábitos da mente do observador, mas não necessariamente da sua experiência do mundo. Uma solução filosófica para esses pontos é muito bem abordada no conceito da Falseabilidade, de Karl Popper.

Compreendendo o Cisne Negro

Cisnes Negros são eventos que causam grandes transformações em diversos níveis, seja a destruição de um setor no mercado financeiro ou uma crise política. Os efeitos desses eventos podem afetar profundamente algumas pessoas, no entanto outras podem passar praticamente incólumes.

Só há uma única forma de se precaver para os impactos de um evento assim: a informação. Quanto mais informado você é, de modo geral, menor é a chance de você ser surpreendido por um Cisne Negro. Quanto mais ignorante e disperso, mais provável é que você seja surpreendido e afetado por essas situações, teoricamente, imprevisíveis.

Um Cisne Negro pode transformar todo o entendimento de conceitos seculares e mudar o rumo da humanidade para sempre. Quando Copérnico propôs que a Terra não é o centro do universo, houve consequências, não só para a religião na época, mas para a sociedade e para a ciência. Tão bem como a Guerra do Peloponeso, a Peste Negra ou a Revolução Industrial. Todos esses eventos moldaram o mundo da sua forma e abriram caminhos para uma mudança cultural na sociedade como um todo. Cisnes como esses mudam conceitos antes aparentemente inabaláveis e aceleram mudanças do mundo, acerca de todas suas consequências.

Aceitando o Improvável como uma Realidade

É fundamental estar aberto à possibilidade de resultados não planejados ou realmente surpreendentes nos percursos que fazemos. Isso tira o vício de nossas mentes de não ter expectativa para mudanças e definitivamente nos afasta da zona de conforto e nos mantém alertas. O surpreendente deve ser sempre visto como uma possibilidade real. Isso nos fará perceber mais facilmente um Cisne Negro quando nos depararmos com um. Seria como buscar um novo caminho para as Índias (algo que você esperava) e encontrar algo que você definitivamente não esperava (descobrir um outro continente).

Há uma lei em estatística, denominada lei das expectativas iteradas. Ela afirma que a expectativa de atingir um conhecimento por si só é equivalente ao conhecimento em si. Essa lei age da seguinte forma na mente humana: Quando eu espero que algo ocorra daqui certo tempo, eu já tenho como premissa, no presente, que esse algo acontecerá. Se você, hoje, acredita que fará certas escolhas no futuro, ou que tomará certos rumos em sua vida, você, praticamente, já os fez. É uma lógica com a qual não devemos ficar presos. Isso também é analisado no conceito lógico-filosófico da Profecia Autorrealizável.

Para lidar com um Cisne Negro ou, até mesmo, beneficiar-se com algum deles, além de manter-se informado sobre as mudanças do mundo e sua mentalidade aberta à todas as possibilidades que a vida nos expõe, devemos ficar o menos vulneráveis possível para situações que podem nos afetar excessivamente. O que você acredita que poderia afetar sua vida de forma irreversível deve estar bem analisado e devidamente evidenciado.

Quando trata-se do incerto, devemos ser sempre céticos para previsões alheias e ter a mente aberta para quaisquer acontecimentos. Nunca descredite algo apenas por parecer improvável. Exponha-se à situações onde eventos positivos podem acontecer e eles acontecerão; fique atento às transições do mundo e suas tendências e poderá perceber as próximas falhas e mudanças que irão surgir. E, como afirma Taleb, não devemos tentar fazer tantas previsões, estaríamos apenas gastando nosso tempo e energia com algo que realmente não dominamos.

Michael Sousa

Mestre em Comércio Internacional pela European Business School de Barcelona, MBA em Gestão Estratégica pela FEA-RP USP, é graduado em Ciência da Computação e especialista em Strategic Foresight. Possui extensão em Estatística Aplicada pelo Ibmec e em Gestão de Custos pela PUC-RS. Trabalha com Gestão de Projetos, Análise de Dados e Inteligência de Mercado. Entretanto, rendendo-se aos interesses pelas teorias freudianas, foi também estudar Psicanálise no Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica, e especializar-se no assunto e na clínica. Quando não passa seu tempo livre tentando desenvolver seu péssimo lado artístico, encontra-se estudando o colapso político-econômico das nações ou lendo vagos e curiosos tomos de ciências ancestrais.
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