Art. 1º Fica estabelecida, como diretriz para fixação do regime de política monetária, a sistemática de “metas para inflação”.
Decreto nº 3.088, de 21 de junho de 1999.
[caption id="attachment_1571" align="aligncenter" width="610"]Com a aproximação das eleições, o debate sobre qual política econômica será adotada pelo próximo governo ganha mais tempo no noticiário com a oferta contínua de notícias desagradáveis da economia brasileira. Dilma Rousseff não indica nenhuma mudança na condução da atual política econômica, Aécio Neves diz que retornará ao famoso tripé macroeconômico (metas de inflação, geração de superávits primários e câmbio flutuante), já Marina Silva sinaliza também com a volta da trinca implantada em 1999.
Mas o que é e para que serve o regime de metas de inflação? Qual seu fundamento teórico?
Um dos modelos mais usados para explicar a necessidade de algum conjunto de regras que restrinja a atuação do governo na geração de inflação é o de Barro-Gordon. A ideia principal: como as autoridades fiscal e monetária divergem quanto ao nível de pleno emprego (a autoridade fiscal o superestima, enquanto a monetária o subestima), haverá uma tendência de a autoridade fiscal aumentar o nível de emprego com o simples artifício de imprimir dinheiro – gerar inflação. O que o governo pensa: vou gastar mais, aumentar a demanda e isso puxará o emprego e para gastar mais, preciso de mais dinheiro que obtenho na impressora da sala ao lado.
Há certo consenso (pelo menos entre aqueles que preferem não brigar contra evidências) que esse mecanismo de aumentar a inflação para gerar emprego tem efeitos de prazo muito curto e somente sob certas circunstâncias. O próprio modelo de Barro-Gordon indica que o nível de emprego só será alterado caso o aumento da inflação pegue os agentes econômicos de surpresa. Se os agentes esperam que o governo usará a impressora de dinheiro, o resultado final será somente maior inflação com o mesmo nível de emprego. Enganar os agentes econômicos trimestre após trimestre não deve ser uma tarefa fácil! Até a criança que leu “Pedro e o Lobo” é capaz de entender…
Na tentativa de evitar alta inflação sem aumento do nível de emprego, diversos mecanismos foram pensados: delegação da política monetária a uma autoridade realmente independente, contratos de incentivos com os dirigentes da política monetária caso cumpram os objetivos, regime de câmbio fixo que atrela a política monetária à de um país com maior credibilidade ou, então, um regime de metas de inflação.
Ben Bernanke e demais autores vão além e alertam para a necessidade de se impor uma âncora nominal – um número que será perseguido pelas autoridades da política econômica – para “atar as mãos” do governo e evitar que a impressora de dinheiro funcione a todo vapor.
O regime de metas de inflação combina algumas das características acima. A delegação da política monetária a uma autoridade independente teria o efeito de eliminar a tentação de aumentar o emprego via inflação ao separar as autoridades monetária e fiscal. Também estabelece incentivos aos condutores da política monetária: caso a meta não seja cumprida, o presidente do Banco Central precisa vir a público se desculpar, pode perder o emprego e ter sua reputação manchada (nada muito draconiano). Por fim, oferece a âncora nominal pedida por Bernanke – a meta. Ademais, caso a autoridade monetária seja crível, a expectativa dos agentes econômicos para a inflação será justamente a meta!
O modelo teórico de Svensson nos ajuda a entender como funciona o tal do regime de metas de forma mais sistematizada. Basicamente, a autoridade monetária dispõe de um instrumento para influenciar a inflação: a taxa de juros. Essa taxa de juros afetará tanto a inflação – com um certo atraso – quanto o hiato do produto. Hiato do produto? Sim, a diferença entre a capacidade de produzir de uma economia e sua demanda total. Se a demanda total está acima da capacidade de produção, haverá pressão inflacionária (autoridade monetária deve aumentar os juros). Se a demanda está abaixo da capacidade de produção, as pressões inflacionárias serão menores (autoridade monetária deve reduzir os juros).
Adicionalmente, boa parte do efeito que a taxa de juros exerce sobre a inflação se dá também sobre as expectativas da inflação futura e, ao estabelecer a taxa de juros ideal, o Banco Central deve considerar a inflação futura, usando como base a expectativa de inflação. Portanto, em um regime de metas de inflação, a expectativa dos agentes para a inflação futura e o compromisso com a meta se tornam tão importantes quanto a taxa de juros. As expectativas serão formadas tanto com os dados econômicos quanto com a percepção de que a autoridade monetária está realmente comprometida com a meta estabelecida.
Por fim, uma característica vital para que a política monetária tenha o efeito desejado é a ausência do que chamamos de “dominância fiscal”. A ideia desenvolvida por Thomas Sargent e Neil Wallace indica que, caso não haja coordenação entre as políticas fiscal e monetária, essa última pode se tornar inócua. Ou seja, se o governo gera e continuará gerando sucessivos déficits, o que balizará a taxa de juros será a disposição e o preço cobrado por credores do governo para financiar os persistentes déficits e a autoridade monetária perde a capacidade de influenciar os juros – perde seu instrumento. Ai é o rabo abanando o cachorro.
[caption id="attachment_1572" align="aligncenter" width="676"]Concluindo: o modelo de metas de inflação é um instrumento para evitar que uma relação não causal entre aumento da inflação e aumento do emprego seja explorada por políticos no curto prazo (e também evitar os efeitos perversos dessa política no longo prazo); para seu correto funcionamento, o regime precisa contar com algumas características como coordenação entre as políticas fiscal e monetária, credibilidade e independência do Banco Central para usar o instrumento de combate à inflação à sua disposição, uma âncora nominal e uma boa dose de compromisso da autoridade monetária para que a expectativa de inflação seja igual à meta estabelecida.
Pronto! Agora quando alguém disser que o Banco Central somente sobe os juros para beneficiar os banqueiros da Faria Lima, você pode explicar ao mancebo como funciona o sistema…e depois indicar uma leitura melhor.
No próximo post deste escriba, veremos quais os países que adotam o regime de metas de inflação, quais seus resultados e mais detalhadamente o caso brasileiro.