Ministro Barroso, do STF, em Stanford “Ser progressista hoje é defender a redução do tamanho do Estado”

Aconteceu na Universidade de Stanford nos dias 07 e 08 de dezembro uma conferência a respeito do Estado de Direito na América Latina. O evento foi aberto por uma palestra do ministro Luis Roberto Barroso do STF. Parecendo relaxado fora da turbulência que afeta seu trabalho em Brasília, o ministro se descreveu “moderadamente otimista” com o futuro do país.

Barroso abriu sua apresentação dizendo que apesar de no momento a foto do país ser devastadora, o filme completo tem muitas vitórias e ele acredita em um possível final feliz.

Entre as principais vitórias conquistadas nos últimos 30 anos Barroso citou a estabilidade das instituições democráticas do país “pode-se discutir as motivações políticas do impeachment, mas o fato é que nenhuma regra constitucional foi quebrada”, a estabilidade monetária e a enorme inclusão social que tirou mais de 30 milhões de brasileiros da extrema pobreza. O ministro lembrou que o país teve nas últimas décadas o maior crescimento de IDH (índice de desenvolvimento humano) entre os países da América Latina e do Caribe.

A foto do momento do país, porém, segundo ele é muito triste. Barroso lembrou que a delação premiada da Odebrecht envolveu mais de 400 políticos de 26 partidos e que a delação da JBS foi ainda mais extensa, com mais de 600 políticos de 28 partidos diferentes. Ele disse que algumas pessoas que defendem esses indivíduos alegam que existe no país uma conspiração punitiva contra políticos e empresários, mas segundo ele “o problema dessa teoria, são os fatos”. Documentos, vídeos, fotos, malas de dinheiro, apartamentos e delações que constituem evidências incontestáveis de práticas criminosas.

Barroso explicou que a corrupção no Brasil infelizmente não era feita por pessoas que agiam de forma independente e sim tratava-se de um esquema profissional de arrecadação e distribuição de dinheiro público levantado de maneira ilegal. Um esquema que envolvia empresas particulares, empresas estatais, partidos políticos, membros de congresso, entre outros agentes. “Eles naturalizaram a corrupção, essa era a maneira de se fazer negócios com o governo brasileiro”.

O ministro afirmou não ser o tipo de pessoa que acredita que se pode mudar o mundo através do código penal ou de um estado punitivo. “O mundo se muda com educação, com igualdade de oportunidades, com uma distribuição justa das riquezas e com um debate democrático de qualidade, mas é inegável que o que aconteceu no Brasil desde o mensalão mudou a atitude do país com relação aos crimes do colarinho branco, e tudo isso começou com uma demanda popular contra a impunidade”.

Segundo Barroso, até bem pouco tempo no Brasil, todo o sistema penal era voltado apenas para a população mais pobre “quem ganhava mais de 5 salários mínimos sabia que a lei não chegaria nele”. Isso, segundo ele, começou a mudar com o julgamento do mensalão que colocou na cadeia políticos e outras pessoas ricas e poderosas. “Com o julgamento do mensalão, a lei começou a chegar em gente que se sentia imune a ela.”

Isso, claro, gerou uma reação, segundo Barroso, totalmente previsível. “Essas pessoas cometeram uma quantidade imensa de crimes achando que nunca seriam responsabilizados. Era tudo tão natural que eles acreditam que a punição é injusta”. Ele disse até entender que essas pessoas não queiram ser punidas “mas o pior é que eles querem continuar sendo desonestos, não querem mudar a sua maneira criminosa de operar”.

Ainda segundo o ministro não é fácil lidar com esses criminosos, uma vez que eles tem aliados em todas as esferas públicas, em agências de controle governamental, na burocracia, na imprensa e até onde você menos poderia esperar (será que essa foi uma indireta para seus colegas do STF?).

Barroso também fez questão de ressaltar os custos financeiros, sociais e morais da corrupção. Ele afirmou que é difícil saber exatamente o valor que foi roubado, mas que as estimativas sugerem que mais de 20 bilhões de reais foram desviados apenas com o pagamento de propinas.

Os custos sociais, também são nefastos. O dinheiro da corrupção é o dinheiro que falta nos hospitais, na educação, nas obras de saneamento básico “a corrupção mata”.

Os custos morais, segundo o ministro, talvez sejam os piores. “Algumas pessoas no Brasil acreditam que uma coisa é o político colocar o dinheiro no bolso, outra, supostamente menos grave é usá-lo em campanhas eleitorais”. Barroso discorda dessa visão e afirma “o problema não é para onde o dinheiro vai e sim de onde ele sai. Tratava-se de um esquema profissional onde políticos apontavam diretores de estatais, que contratavam empresas privadas de maneira fraudulenta para realizar obras, essas empresas superfaturavam as obras e devolviam uma parte desse dinheiro para os políticos como doação de campanha”.

Ainda segundo ele “esse era só um dos esquemas, tinha outros, por exemplo que envolviam o empréstimo de dinheiro sem risco e a juros baixíssimos através de bancos públicos como o BNDES ou a Caixa Econômica Federal”.

O ministro do STF fez questão de destacar a importância dos juízes de primeira instância, em especial da turma de  Curitiba, na investigação e punição desses crimes. “São jovens profissionais ambiciosos e idealistas. Pessoas que poderiam estar inclusive na política mas prestaram concurso público para o judiciário e resolveram tentar mudar o mundo a partir das cortes jurídicas”. Ele ressaltou que esses profissionais entram na vida pública por concurso que avalia a capacidade técnica e o conhecimento do candidato e que assim conseguem ser totalmente independentes de pressões políticas.

Barroso falou também da importância do STF nesse processo de mudança de atitude. Segundo ele, o STF começou a mudar no primeira década do milênio quando os últimos juízes apontados pelo regime militar finalmente se aposentaram. Ele ressaltou que muitas decisões importantes e delicadas do ponto de vista social, ético e político couberam ao STF nas últimas décadas.

Para ele o STF tem cumprido muito bem a sua missão de proteger os direitos fundamentais dos cidadãos bem como de proteger as regras do jogo democrático. Por outro lado “não fazemos um trabalho tão bom quando a suprema corte é transformada em uma corte criminal. Não deveria ser o nosso papel julgar crimes comuns. Hoje mais de um em cada três membros do congresso está envolvido em algum processo criminal. São mais de 540 processos de crimes cometidos por políticos esperando para serem julgados. Não temos estrutura para isso o que acaba resultando em impunidade”.

Barroso porém está otimista, diz que já tem 7 votos, entre os 11 ministros do STF para reduzir o alcance do foro privilegiado “minha proposta é manter no STF apenas os crimes cometidos durante o mandato e que tenha relação com a atividade política do acusado”.

Sobre o futuro Barroso defende uma mudança do sistema eleitoral. O ministro fez piada dizendo estar um pouco inseguro em colocar sua opinião já que os renomados cientistas políticos brasileiros Carlos Pereira e Marcus Melo, presentes no evento, não concordavam com ele, mas para o ministro “o nosso sistema eleitoral é um verdadeiro desastre. Menos de 10% dos congressistas são eleitos apenas com votos próprios, a maioria dos votos vem de transferência partidária, com isso as pessoas não sabem quem elegeram e os eleitos não sabem quem votou neles. Com isso, não há um processo de cobrança possível, ninguém sabe quem é o deputado que o representa no Congresso”. Para Barroso, o sistema distrital misto no modelo alemão seria o ideal para a representatividade do país. Com outra vantagem: reduzira o custo das campanhas.

Barroso afirmou que uma campanha eleitoral bem sucedida para deputado federal não sai por menos de 5-10 milhões de reais. “Acontece que durante os quatro anos de mandato um deputado recebe no máximo  1.1 milhões de reais, ou seja, pelo menos essa diferença ele vai querer compensar com corrupção”.

O ministro conclui a sua fala com uma mensagem otimista. Lembrou que o Brasil nasceu como nação apenas em 1808 e hoje é uma das maiores democracias e uma das maiores economias no mundo. “Combatemos a ditadura, a hiperinflação e a extrema pobreza, somos fortes, e a corrupção não é um mal invencível”.

Aqui algumas opiniões do ministro Barroso sobre temas polêmicos

Reforma da previdência “é uma obviedade a sua necessidade. Estamos falidos. Hoje o governo gasta com previdência 54% do orçamento. Gastamos duas vezes mais com pessoas que não trabalham mais do que com educação, saúde e políticas sociais.  É uma conta que não fecha e que só vai piorar com o tempo”.

Reforma tributária “Temos um sistema absurdamente complexo e injusto. O sistema tributário brasileiro é concentrado na taxação do consumidor, com isso o pobre, que consome uma parcela maior da sua renda acaba sendo mais taxado do que o rico. A complexidade também atrapalha as empresas. Precisamos simplificar e mudar a forma de cobrança de impostos”.

Partidos políticos “ Não vou nem falar sobre isso porque tem criança na sala. É um horror, um balcão de negócios na melhor das hipóteses”.

Ambiente de negócios “Precisamos estimular capitalistas de verdade no Brasil. Hoje todo mundo depende do Estado. De escola de samba a produtores rurais, quase nada é feito no Brasil sem a benção o Estado. Precisamos acabar com esse paternalismo. Capitalismo é risco, é competição, é liberdade de negócios, não isso o que temos hoje no Brasil.

Aborto “Temos que descriminalizar o aborto no primeiro trimestre da gestação. Hoje estima-se que mais de 500 mil abortos são realizados por ano no Brasil.  As pesquisas indicam que a maioria dos brasileiros é contra o aborto. Mas é claro que sim, todo mundo é contra o aborto, todo mundo quer que ele seja raro. Mas não é essa a pergunta que deve ser feita, o que deveríamos perguntar é – você acha que devemos chamar a polícia para obrigar uma mulher a manter a gestação? – você acha que se essa mulher mesmo assim se recusar ela deve ser ir para a cadeia?. Eu tenho certeza que se as perguntas fossem essas, as respostas para as pesquisas sobre aborto seriam diferentes”

Drogas “O Brasil precisa descriminalizar a maconha. Isso reduziria muito o impacto do crime organizado de drogas na economia do país”

Ser progressista “A esquerda brasileira acredita que ser progressista é defender um Estado grande. Mas esse Estado brasileiro foi corrompido pelos interesses dos mais ricos e poderosos. Para mim ser progressista hoje é defender a redução desse Estado corrompido”.

*As falas do Ministro Barroso foram resumidas e traduzidas livremente do inglês e por isso podem não representar exatamente o seu discurso. (para assistir a palestra completa – em inglês – clique aqui) Renata K. Velloso Médica, formada em administração pública, vive e trabalha na Califórnia.
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