Nobel 1972: Kenneth Arrow | por Mauro Rodrigues

As contribuições de Kenneth Arrow

Kenneth Arrow (1921-2017) foi um dos principais nomes da Economia no século 20. Suas contribuições, principalmente para a área de microeconomia, são gigantescas e revolucionaram a profissão.

Se eu fosse falar de todas as contribuições de Kenneth Arrow para a Economia, teria que escrever um tratado. Por isso resolvi focar no principal: equilíbrio geral. Antes disso, falarei um pouco de equilíbrio parcial, que nada mais é que a análise do comportamento das forças de oferta e demanda em um mercado, quando ele é tomado de forma isolada.

Pense no mercado de bananas. Aqui há dois lados: os produtores (o lado da oferta), que querem vender bananas, e os consumidores (o lado da demanda), que querem comprar bananas. Produtores gostariam de preços elevados, pois assim poderiam lucrar mais; só que consumidores querem pagar o preço mais baixo possível.  Se o preço for demasiadamente alto, muita gente gostaria de produzir bananas, mas pouca gente gostaria de comprar. Se o preço for baixo demais, pouca gente quer produzir, mas muita gente quer comprar.

O equilíbrio é a situação em que as decisões de consumidores do quanto comprar são coerentes com as decisões de produtores do quanto vender. O preço não seria nem muito alto, evitando que houvesse muita produção para poucas vendas, e nem muito baixo, evitando a situação de muita demanda para pouco produto disponível.

Com base nisso, podemos entender como o mercado se ajusta a uma mudança no ambiente. Suponha que se descobriu que a banana tem propriedades medicinais únicas, que melhoram a vida das pessoas. Nesse mundo, os consumidores querem mais bananas. Para adequar a produção a essa nova demanda, os preços têm que subir, configurando um novo equilíbrio. Como o próprio nome diz, isso faz com que o mercado se reequilibre: preços mais altos incentivam a produção ao mesmo tempo em que seguram um pouco o ímpeto do consumo, reduzindo, assim, a diferença entre a oferta e a demanda induzida pela mudança.

É difícil, entretanto, pensar em um mercado em isolamento. Em diversas situações, por uma conveniência técnica e para facilitar a explicação, utilizamos argumentos de equilíbrio parcial, em que estão em ação apenas as forças de oferta e demanda daquele produto ou serviço em particular. Mas, em outras ocasiões, essa aproximação não é tão boa assim. Pense em um país em que bananas respondem por 70% das exportações. E o mundo inteiro agora quer comprar mais banana por causa de suas propriedades medicinais recém-descobertas. Uma mudança como essa incentivará a produção de bananas, o que demandará mais terra para a plantação, e mais trabalhadores para o cultivo, processamento, transporte etc. Como o setor é relevante na economia do país, é muito provável que isso afete os mercados de trabalho e terra. Os salários devem aumentar, e o preço da terra, subir.

Isso puxa para cima os custos de outras atividades no país. Por exemplo: o preço maior da terra deve onerar a produção de feijão, arroz, carne etc. A mão de obra mais cara afeta o setor de serviços, o que se traduz em preços mais altos. O custo de vida deve subir. As pessoas, com mais dinheiro nas mãos, desejarão mais espaço para suas famílias, o que deve levar a uma escalada nos preços dos imóveis. E assim por diante.

O que se percebe no raciocínio acima é que os mais diversos mercados de uma economia se influenciam mutuamente. Uma coisa que aconteceu no mercado de bananas acaba afetando outros mercados. E podemos esperar efeitos secundários no próprio mercado de bananas. Note que aqui estamos fazendo uma análise de equilíbrio geral, na medida em que envolve a interação de diversos mercados na economia.

Não basta mais um único preço para equilibrar o mercado de bananas. Temos agora de determinar diversos preços, para os mais variados insumos e produtos, que fazem com que o conjunto de mercados se equilibre simultaneamente.

Esse problema foi colocado por Léon Walras, ainda no século 19. Só que ninguém conseguia provar que de fato existia um conjunto de preços que fosse capaz de equilibrar todos os mercados de uma economia. Demorou mais de 70 anos, a partir das contribuições de Walras, para alguém conseguir demonstrar tal resultado. E essa pessoa foi Kenneth Arrow.

Na mesma época, o economista francês Gerard Debreu, outro gigante da profissão, também conseguiu completar a prova. Debreu  recebeu o prêmio Nobel de 1983.

O Primeiro Teorema do Bem- Estar

Outro desdobramento fundamental da prova da existência de equilíbrio geral foi o estabelecimento dos teoremas do bem-estar. Em particular, o Primeiro Teorema do Bem-Estar aborda a questão da eficiência do equilíbrio de mercado. O conceito de eficiência é tomado emprestado do filósofo italiano Vilfredo Pareto. Especificamente, precisamos responder à seguinte pergunta: no equilíbrio de mercado, é possível melhorar a vida de alguém sem prejudicar outras pessoas?

Se a resposta for “sim”, quer dizer que os mecanismos de mercado não conseguem gerar o máximo de bem-estar na sociedade. Haveria, neste caso, espaço para que a intervenção governamental complemente a ação dos mercados. Mas o Primeiro Teorema do Bem-Estar nos diz que a resposta é não, ou seja, a solução de mercado é eficiente no sentido de Pareto. Não há muito espaço para intervenção governamental com vistas a aumentar a eficiência dessa economia.

Para entender isso, pense em um exemplo bem simples: um mundo em que há apenas padeiros e sapateiros. E essas pessoas querem consumir tanto pães quanto sapatos, o que significa que sapateiros venderão sapatos a padeiros, que venderão pães aos primeiros. O equilíbrio geral determinará preços de modo a equilibrar os dois mercados – de sapatos e pães.

Esse equilíbrio vai ser tal que a quantidade de pães que padeiros querem vender seja igual à quantidade de pães que os sapateiros querem comprar; e a quantidade de sapatos que os sapateiros desejam vender é igual à quantidade de sapatos que os padeiros querem comprar. Se o preço do sapato (relativamente ao do pão) fosse mais alto do que o de equilíbrio, então sapateiros desejariam vender muito sapato em troca de pães, porém padeiros não estarão dispostos a pagar tão caro por sapatos. Sapateiros ficariam com poucos pães, e padeiros com poucos sapatos, o que é ruim para todo mundo. Se baixarmos um pouco esse preço, ambos podem ganhar: sapateiros conseguem mais pães em troca de sapatos, e padeiros podem comprar mais sapatos (raciocínio análogo vale se  o preço do sapato relativamente ao do pão fosse mais baixo que o preço de equilíbrio).

Esses ganhos se exaurem justamente no preço de equilíbrio. Nesse ponto, as quantidades desejadas por compradores e vendidas por produtores são exatamente iguais para ambos os bens, e não há mais trocas que poderiam beneficiar ambos. Em outras palavras, o equilíbrio de mercado é eficiente: não é mais possível melhorar a vida de alguém sem piorar a de outra pessoa.

Os resultados encontrados por Arrow se referem a uma economia caracterizada por concorrência perfeita. Ou seja, ninguém tem poder de mercado: não há consumidor gigantesco capaz de sozinho influenciar os preços, e também não nenhuma firma grande capaz de individualmente mexer nesses preços. Além disso, não há externalidades, ou seja, a decisão de consumir ou produzir de um indivíduo não impacta outras pessoas que não têm nada a ver com isso.

Você pode estar pensando: os resultados de Arrow valem para uma situação bastante irrealista. No mundo real há empresas com considerável poder de monopólio, capazes de influenciar significativamente o preço em seu mercado. Adicionalmente, externalidades abundam por aí: quando uma pessoa acende um cigarro, afeta indiretamente outros indivíduos que não estão interessados em fumar; quando uma empresa joga detritos em um rio, mexe na vida de pessoas que nem sequer conhecem seu produto.

Para que serve tudo isso então?

Na verdade, o equilíbrio geral descrito por Arrow nos fornece uma situação ideal. A partir dela podemos entender como uma falha de mercado (como o poder de monopólio ou uma externalidade) nos afasta de tal situação. Isso nos dá uma referência e ilumina a discussão sobre políticas públicas, indicando-nos como a intervenção governamental (e que tipo de intervenção) pode ajudar a nos aproximar desse mundo ideal.

Arrow tem outras contribuições seminais em economia do bem-estar, economia política, economia da informação e até crescimento econômico. Por seu trabalho em equilíbrio geral, recebeu o prêmio Nobel de Economia em 1972, quando tinha apenas 51 anos. A premiação daquele ano foi dividida com o economista britânico John Hicks. 

Mauro Rodrigues

Professor Titular, Departamento de Economia, FEA/USP. Economista do porque.com.br / [email protected]

Artigo originalmente publicado na página www.porque.com.br, em 23/2/2017

https://porque.com.br/rip-kenneth-arrow-1921-2017 

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