Nobel 1987: Robert M. Solow | por Luciano Sobral

“Por suas contribuições para a teoria do crescimento econômico.”

O homem e suas circunstâncias

Pode-se aplicar à vida e carreira de Robert M. Solow, um dos grandes arquitetos de modelos econômicos do século XX, um modelo filosófico da mesma época, da obra do espanhol José Ortega y Gasset: ‘Sou eu e minhas circunstâncias’. 

O “eu” de Solow inclui uma capacidade intelectual, se não maior que a de seus pares, notadamente voltada à clareza, à aplicação de teoria a problemas práticos e a comunicar seus resultados para fora dos muros da academia. Para isso, ele dedicou-se a manter seus modelos ‘simples e focados, respondendo uma questão simples com um modelo forte’ e a desenvolver-se como ‘o escritor mais gracioso da nossa área’, nas palavras de outra economista exigente e virtuosa com as palavras, Deirdre McCloskey

Já as circunstâncias foram dadas pelo seu tempo: judeu nascido no Brooklyn em 1924; infância atravessando a Grande Depressão nos Estados Unidos e a ascensão do nazifascismo na Europa (‘posso dizer com certeza que todo mundo no Brooklyn nos anos 1930 era interessado em economia … Era um fato óbvio da vida que nossa sociedade estava funcionando mal politicamente e economicamente e ninguém sabia realmente como explicar ou o que fazer a respeito’); juventude de estudos em Harvard interrompida, em 1941, por três anos como voluntário do exército na Segunda Guerra Mundial, passados entre o norte da África e a Itália. De volta à universidade, em 1945, foi incentivado por seu tutor, o russo Wassily Leontief (Nobel de Economia em 1973), a estudar matemática e a encarar economia como um ‘assunto com uma estrutura teórica e empírica disciplinada’. Em 1950, mesmo antes de terminar a tese de doutorado, já havia sido contratado pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) como professor de estatística no Departamento de Economia e Ciências Sociais.

Harrod-Domar e o crescimento no fio da navalha

Nos anos de formação de Solow, crescimento econômico era um tópico recente. O “Grande Enriquecimento” do mundo capitalista, caracterizado por décadas seguidas de melhora ininterrupta na condição de vida de milhões de pessoas, havia se iniciado há menos de um século. A contabilidade moderna de economias nacionais, que culmina na definição do Produto Interno Bruto, havia sido desenvolvida nos Estados Unidos ao longo dos anos de 1930 e apresentada ao Congresso em 1934 por Simon Kuznets (outro brilhante economista fugido da União Soviética, Nobel em 1971). Já o estudo acadêmico de crescimento econômico apoiava-se num modelo desenvolvido independentemente por Roy Harrod e Evsey Domar em, respectivamente, 1939 e 1946.

No modelo Harrod-Domar, o crescimento econômico é função direta do acúmulo de capital, via poupança e investimento. Não há substituição entre capital e trabalho, é sempre possível crescer acumulando mais capital e o crescimento está sempre, na expressão do próprio Solow, “no fio da navalha”: se, ano após ano, a taxa de poupança nacional não for igual ao produto da relação capital-produto e do crescimento da força de trabalho, há desemprego em massa (e recessão) ou falta de mão-de-obra (e inflação) – instabilidade é o corolário inevitável do modelo. 

Nos anos de 1950 já se sabia, porém, que economias nacionais, apesar de sujeitas a flutuações, crescem a ritmo relativamente estável no longo prazo. Economias nacionais bem-sucedidas, na verdade, crescem a ritmo espantosamente estável no longo prazo: num de seus exemplos favoritos, Lant Pritchett, ex-aluno de Solow no MIT e hoje professor em Oxford, mostra que, em 1916, teria sido possível prever, com menos de 1% de erro, o PIB per capita da Dinamarca em 2010 sabendo apenas seu valor à época e extrapolando sua taxa de crescimento anual desde 1890 (1,9% ao ano). Solow foi, então, “levado a modificar o modelo apenas para fazer com que ele produza uma trajetória que pudesse parecer, de forma mais plausível, com o que de fato se observa nas séries históricas.” 

Construindo um Nobel: o modelo de Solow-Swan e seus resultados

Em fevereiro de 1956, Solow publicou no The Quarterly Journal of Economics “A Contribution to the Theory of Economic Growth”, um dos artigos mais influentes da história do pensamento econômico (o Google Scholar conta, hoje, 31.137 citações a ele). O modelo apresentado, que ficou conhecido como Solow–Swan (também em 1956, de forma independente, o australiano Trevor Swan desenvolveu um trabalho similar), trouxe várias inovações que o mantiveram relevante por décadas. 

No modelo Solow-Swan, o produto é função dos tradicionais fatores de produção capital e trabalho, multiplicados por um fator atribuído à tecnologia ou conhecimento acumulado: Y = A(t)F(K,L). Em contraste a Harrod-Domar, os fatores são substituíveis entre si e não é possível crescer continuamente apenas sempre aumentando o estoque de capital: cada investimento adicional produz retornos menores que o anterior, até que apenas a depreciação do estoque passado seja compensada. A taxa de crescimento da economia é dada pela soma das taxas de crescimento da força de trabalho e do estoque de capital por trabalhador. No longo prazo, com o fim dos retornos para o capital incremental, o PIB cresce apenas à taxa de crescimento da população – ou seja, não há crescimento per capita. A saída da estagnação está no avanço tecnológico, já que os resultados acima são obtidos assumindo-se produtividade dos fatores constante ao longo do tempo: relaxando-se essa premissa, o PIB per capita passaria a crescer junto com o nível de tecnologia.

Esses são resultados obtidos a partir um modelo dinâmico, descrevendo, com equações diferenciais relativamente simples, um sistema em movimento que converge para um equilíbrio, sem explosões ou depressões, construído ao redor de uma função de produção neoclássica – podendo, portanto, ser integrado ao que se fazia em microeconomia e testado contra os dados macroeconômicos que começavam cada vez mais a aparecer. Rei morto, rei posto: Harrod-Domar virou uma relíquia histórica e a economia do crescimento começou a gravitar em torno de Solow-Swan.

No ano seguinte, num artigo de oito páginas, Solow criou o que se convencionou chamar de “contabilidade de crescimento”: analisar dados históricos à luz do modelo de 1956 e atribuir a cada fator uma parcela de crescimento do PIB observado . Usando dados dos Estados Unidos de 1909 a 1949, Solow concluiu que apenas ⅛ do crescimento per capita no período poderia ser explicado por acúmulo de capital. O restante passou a ser conhecido como “resíduo de Solow” ou “produtividade total dos fatores”, descrito vagamente no artigo original como “mudança tecnológica” – ou, de forma menos generosa por Moses Abramowitz, outro grande economista judeu do Brooklyn, como “uma medida de ignorância”. A perplexidade com esse resultado abriu mais uma grande agenda de pesquisa, que segue rendendo frutos.

De Solow até hoje

Por suas simplicidade e sofisticação, o modelo Solow-Swan é, até hoje, o “burro de carga” da teoria do crescimento, uma extraordinária ferramenta didática a partir de onde diversos conceitos fundamentais para a macroeconomia contemporânea podem ser introduzidos – um “trampolim para modelos mais ricos”, como colocado por Daron Acemoglu, um de seus grandes herdeiros intelectuais no MIT. A relevância perene de Solow para a disciplina, evidentemente, vai além disso. Destaco dois pontos, de tantos outros possíveis.

Primeiro, anos de pesquisa e melhoria na coleta e tratamento dos dados provaram que a teoria de crescimento de Solow estava essencialmente certa: simplesmente acumular capital não leva a crescimento sustentável (vide a experiência soviética e tantos outros exemplos frustrados de industrialização forçada), e o “mistério do crescimento” está no resíduo – como capital e trabalho são organizados de forma a aumentar a produtividade de tarefas já existentes e, sobretudo, a criar novos produtos e serviços. A busca por modelos de crescimento endógeno, ou seja, nos quais tecnologia e conhecimento fazem parte da dinâmica de crescimento descrita pelas equações, não dependendo de fatores externos, mobilizou muitas outras grandes mentes do ofício e desembocou no reconhecimento de Paul Romer pelo Nobel, em 2018.

Segundo, a clareza de Solow em seus métodos e objetivos, desde o trabalho pioneiro de 1956, segue guiando a profissão. Ele abre o célebre artigo daquele ano dizendo que ‘Toda teoria depende de suposições que não são exatamente verdadeiras … Uma suposição “crucial” é aquela das quais as conclusões dependem de forma sensível, e é importante que suposições cruciais sejam razoavelmente realistas.’ O passo seguinte é testar o modelo contra a realidade, como feito no trabalho de 1957. Essa combinação de teorização rigorosa e aplicação a dados é o arroz-com-feijão da profissão hoje, o que a faz aspirar à condição de “ciência”.

Solow, porém, vai além dessa objetividade, na linha da descrição de John Maynard Keynes do “master economist”, que combina talentos de matemático, historiador, estadista e filósofo. O que faz da economia uma ciência humana é a necessidade desse conhecimento além do puramente especializado e de julgamento pessoal, já que fatos econômicos, como definidos pelo próprio Solow, não podem se limitar a preços e quantidades – ‘nós só podemos fazer progresso aumentando a classe de fatos elegíveis para incluir, digamos, as opiniões e generalizações casuais de especialistas e participantes do mercado, pesquisas de atitudes, regularidades institucionais, mesmo nossos próprios julgamentos de plausibilidade.’ Deixo por conta do leitor decidir se Solow joga (e vence) sob suas próprias regras ou se estas representam um ideal da profissão; sua influência, porém, é inegável e praticamente sem par entre economistas vivos: tente achar outro que tenha sido orientador de doutorado de outros quatro ganhadores do Nobel (George Akerlof, Joseph Stiglitz, Peter Diamond e William Nordhaus). 

Luciano Sobral

Notas

Acemoglu, Daron. Introduction to modern economic growth. Princeton University Press, 2009.

Costanza, Robert, Maureen Hart, Ida Kubiszewski, John Talberth. “A Short History of GDP: Moving Towards Better Measures of Human Well-being.” The Solutions Journal, vol. 5, No. 1, 2014, pp. 91-97.

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McCloskey, Deirdre. How to be human—though an economist. The University of Michigan Press, 2000.

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Pritchett, Lant e Lawrence H. Summers. “Asiaphoria Meets Regression to the Mean. NBER Working Paper No. 20573, 2014.

Sandmo, Agnar. Economics evolving: a history of economic thought. Princeton University Press, 2011.

Spencer, Roger W. e David A. Macpherson (ed.). Lives of the laureates: twenty-three Nobel economists (sixth edition). The MIT Press, 2014.

Solow, Robert M. “A Contribution to the Theory of Economic Growth.” The Quarterly Journal of Economics, vol. 70, no. 1, 1956, pp. 65-94.

Solow, Robert M. “Technical Change and the Aggregate Production Function.” The Review of Economics and Statistics, vol. 39, no. 3, 1957, pp. 312-320.

Solow, Robert M. “Prize Lecture.” NobelPrize.org, Nobel Media, 1987. URL = <https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1987/solow/lecture/>

Warsh, David. Knowledge and the Wealth of Nations: A Story of Economic Discovery. W.W. Norton, 2006.

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