Conforme um colaborador de longa data, Douglass North (1920-2015) tinha uma “poderosa intuição acerca da pergunta [de pesquisa] que deveria ser formulada em seguida”. Professor da Washington University, St. Louis desde 1983, North não recebeu o Nobel (1993) por conta de um trabalho considerado um divisor de águas, como no caso de diversos vencedores da distinção. Pelo contrário, North construiu gradativamente uma teoria sobre a relação entre instituições e desempenho econômico, reformulando sua teoria a partir das lacunas deixadas por sua pesquisa anterior. Uma analogia cinematográfica pode ajudar: a premiação de North não se deveu a uma atuação, mas ao conjunto de sua obra. Com suas contribuições, o pesquisador norte-americano foi um dos responsáveis por revitalizar a interdisciplinaridade e o papel da narrativa analítica na Economia. Embora tenha sido um dos grandes historiadores econômicos da segunda metade do século XX, seus estudos ganharam destaque em campos muito além de sua área original de pesquisa.
North era um historiador econômico conhecido já no final da década de 1950, principalmente por conta de seus influentes estudos sobre base exportadora, agricultura e crescimento econômico regional nos Estados Unidos. Entre 1961 e 1966, North foi um dos editores da Journal of Economic History (JEH), período em que a revista aumentou substancialmente a publicação de estudos vinculados à New Economic History (NEH). Essa corrente de pesquisa, cujo principal expoente era Robert Fogel, enfatizou o emprego de teoria econômica convencional e métodos quantitativos em estudos de história econômica. Entretanto, North se deu conta que a NEH era insuficiente para responder perguntas fundamentais sobre crescimento no longo prazo. Para tratar disso, North desenvolveu sua própria teoria a partir dos custos de transação de Ronald Coase.
Três conceitos são fundamentais para se entender o arcabouço teórico de Douglass North: custos de transação, instituições e crenças. Em primeiro lugar, é preciso definir os custos de transação de Coase: tratam-se dos custos de definição, enforcement e comercialização de direitos de propriedade. Os resultados neoclássicos de equilíbrio ótimo são obtidos sob a ausência de custos de transação, mas esses custos são altos na economia real. Ao visitar um museu marítimo nos Países Baixos, North se deu conta que os avanços tecnológicos não tinham sido o principal fator na queda do custo do frete. Ao perceber que a quantidade de armamentos carregados pelas embarcações diminuíra ao longo do tempo, North concluiu que o declínio da pirataria tinha reduzido os custos em termos de defesa e seguros. Tornara-se claro que a literatura subestimava os efeitos dos custos de transação sobre o desempenho econômico.
A fim de tratar dos custos de transação, North lançou mão de um segundo conceito crucial no início da década de 1970: as instituições. Por meio de uma analogia esportiva, North definiu instituições como “as regras do jogo” da sociedade em seu famoso livro Institutions, institutional change and economic performance (1990). Essas regras incluem aspectos formais (como leis) ou restrições informais (como convenções culturais, códigos de conduta, etc.). A história importa no arcabouço de North, uma vez que escolhas passadas moldam as instituições que delimitam o conjunto de escolhas possíveis no presente, ou seja, há dependência de trajetória (path dependence). As organizações são, por sua vez, os jogadores: grupos específicos que incluem desde órgãos políticos estatais até associações de bairro. Ao diminuir incertezas e, assim, os custos de transação, a interação entre instituições e organizações têm papel fundamental no desempenho econômico. Mais tarde, North e coautores incorporaram também a influência de instituições e organizações no controle da violência. A relação entre custos de transação e instituições é a característica definidora da chamada Nova Economia Institucional (NEI), que tem Douglass North como um de seus principais expoentes ao lado de pelo menos três agraciados pelo Nobel: Ronald Coase, Oliver Williamson e Elinor Ostrom.
Uma passagem de The Rise of the Western World (1973) marca a incorporação das instituições como aspecto central em sua pesquisa: “os fatores que listamos (inovação, economias de escala, educação, acumulação de capital, etc.) não são causas do crescimento; eles são o crescimento”. Ainda que identificassem as causas imediatas, os modelos convencionais eram insuficientes para explicar as causas fundamentais do crescimento econômico. No mesmo estudo, North e Thomas destacaram o papel das diferenças institucionais na Idade Média: a chamada Peste Negra reforçou os laços feudais no Leste Europeu, mas levou ao declínio da servidão na Europa Ocidental. Dito de outro modo, um mesmo choque de preços relativos sob diferentes instituições teria levado a resultados opostos. Entretanto, North ainda não tinha uma explicação consistente para a persistência de instituições ineficientes. Em Structure and Change in Economic History (1981), North ressaltou o papel do poder político na definição das estruturas de direitos de propriedade: as elites escolheriam regras a seu favor em detrimento do resto da sociedade. Em Institutions, North argumentou que a persistência de instituições ineficientes tinham a ver com problemas informacionais e limitações cognitivas dos agentes, o que nos leva ao terceiro ponto.
O papel das crenças já aparece em Structure and Change, em particular na sua teoria neoclássica do Estado. Em Institutions, North aprofunda a questão e critica diversos pressupostos da teoria da escolha racional. Ainda nessa obra, ele se concentra naquilo que o aproxima de Herbert Simon e Daniel Kahneman: a complexidade do mundo e as limitações cognitivas. A investigação sobre cognição e crenças dá um passo adiante em Understanding the Process of Economic Change (2005). Segundo North, as pessoas criam modelos mentais para lidar com os complexos problemas em um contexto de incerteza knightiana. Esses modelos são em parte herdados do sistema de crenças e das experiências vividas dos indivíduos. As crenças, por meio de seu papel na formação dos modelos mentais, informam a escolha de instituições. Em diversas situações, as instituições herdadas são ineficientes para lidar com os novos problemas sociais, mas persistem ao longo do tempo.
A partir das contribuições da literatura novo-institucionalista, a pesquisa sobre persistência institucional ganhou impulso na virada do século. Engerman e Sokoloff, em conhecido trabalho na área de história econômica, resgataram ideias semelhantes às de Caio Prado Jr. referentes a padrões de colonização. Eles destacaram o papel das dotações iniciais de fatores sobre as instituições criadas em distintas partes das Américas, o que explicaria a divergência em níveis de renda per capita no continente. Ainda que North e coautores tenham criticado parte do argumento, sem dúvida o pensamento de North teve um papel importante no desenvolvimento dessa linha de pesquisa. Em outros dois estudos que tiveram enorme impacto na Economia, Acemoglu, Johnson e Robinson inauguraram uma bem-sucedida linha de pesquisa empírica relacionando instituições e desempenho no longo prazo. Esses trabalhos são amplamente conhecidos e, portanto, não necessitam de maior escrutínio aqui. O importante é destacar que esses autores fazem tributo ao trabalho anterior de North. Vale destacar o alerta de Wallis sobre a ênfase dessa literatura na persistência e não na mudança institucional. É difícil tratar do último ponto, mas a mudança é também a questão crucial.
Tendo em vista a mudança institucional, North teve grande influência na literatura sobre as causas da Revolução Industrial. Conforme North e Weingast (no artigo mais citado na história da JEH), a Revolução Gloriosa de 1688 resultou em mudanças profundas nas instituições formais, com o fim do absolutismo monárquico e o aumento do poder do Parlamento. Diante da decorrente queda do risco de expropriação, as taxas de juros da dívida soberana britânica teriam diminuído substancialmente ao longo do século XVIII. Os autores dão a entender que essa mudança nas instituições formais teria pavimentado o caminho para a Revolução Industrial. Por outro lado, Joel Mokyr e Deirdre McCloskey enfatizaram o papel de crenças e da cultura no advento do crescimento econômico moderno. Para Mokyr, o Iluminismo teria significado uma profunda mudança de crenças na sociedade, o que teria permitido a invenção e a adoção de tecnologias novas durante a Revolução Industrial. Ainda que haja grande debate sobre o tema, não é possível ignorar os argumentos institucionalistas. A dificuldade empírica de lidar com as crenças é um obstáculo considerável, mas não impediu o desenvolvimento de linhas de pesquisa relevantes baseadas no conceito.
Por fim, vale destacar os últimos escritos de North, nos quais se tratou do problema da violência. Em Violence and Social Orders (2009), North, Wallis e Weingast apresentam mais dois conceitos: as ordens de acesso limitado (limited-access) e de acesso aberto (open-access). A primeira é também chamada de “estado natural”, por ser a mais prevalente na história registrada. Algumas sociedades passaram do “estado natural” para ordens de acesso aberto. Nessas sociedades, para evitar conflitos entre facções das elites, privilégios das elites foram estendidos para os demais segmentos e se tornaram direitos. No entanto, nada garante que não possa haver uma reversão ao “estado natural”. Esses conceitos contrariam a tese de Acemoglu e Robinson, para quem somente ameaças às elites por parte de outros segmentos sociais levam à mudança institucional.
Diante de tudo isso, é evidente que North exerceu um papel fundamental na reincorporação da história e da política na pesquisa econômica. Embora seu principal objeto de pesquisa tenha sido o crescimento no longo prazo, a teoria institucional também pode ser aplicada para outros aspectos relacionados a bem-estar. História, crenças e instituições também são fundamentais para explicar outros resultados sociais como educação e desigualdade, apenas para citar alguns exemplos. Há espaços inexplorados nessa agenda, em que pesem suas dificuldades. Ao invés de evitar as perguntas difíceis, North procurou justamente enfrentá-las, contribuindo para entendermos melhor as causas da persistência e da mudança institucional. As instituições que temos, ironicamente, não incentivam pesquisas que busquem responder de forma rigorosa às perguntas menos tratáveis, porém fundamentais.
Thomas H. Kang
Professor Assistente da ESPM, Porto Alegre. Eu agradeço a Leo Monastério e Rafael Spengler por observações, ainda que a responsabilidade pelo texto final seja absolutamente minha.
Notas
[2] Wallis, J. J. (2014), “Persistence and change in institutions: the evolution of Douglass North”, in Galiani, S. e Sened, I. Institutions, property rights and economic growth, Cambridge: Cambridge University Press, p. 30.
[3] North, D. C. (1955). “Location theory and regional economic growth”. The Journal of Political Economy, 63(3), 243–258.; North, D. C. (1959). “Agriculture in regional economic growth”. Journal of Farm Economics, 41(5), 943–951.
[4] Diebolt, C. e Haupert, M. (2018), “A cliometric counterfactual: what if there had been neither Fogel nor North?”, Cliometrica 12, p. 407-434.
[5] Coase, R. (1960), “The problem of social cost”. The Journal of Law and Economics 3, p. 1-44.
[6]Menard, C. e Shirley, M. (2014), “The contribution of Douglass North to New Institutional Economics”, in Galiani, S. e Sened, I. Institutions, property rights and economic growth, Cambridge: Cambridge University Press, p. 19.
[7]Davis, L. e North, D. (1971), Institutional change and American economic growth. Cambridge: Cambridge University Press.
[8]Embora North tenha enfatizado principalmente as instituições formais no início, ele passou a dar mais atenção às instituições informais ao longo de sua pesquisa.
[9] Vale ressaltar que instituições para North não são o que habitualmente as pessoas entendem pelo termo (“instituições democráticas, como o STF e o Congresso”). O STF e o Congresso seriam organizações (jogadores) para North. Agradeço a Rafael Spengler pela sugestão.
[10] North, D. (1990), Institutions, institutional change and economic performance, Cambridge: Cambridge University Press, p. 3-5.
[11] North, D., Wallis, J. J. e Weingast, B. (2009), Violence and social orders: a conceptual framework for interpreting human history. New York: Cambridge University Press, p. 15-6.
[12] North, D. e Thomas, R. P. (1973), The rise of the western world: a new economic history, New York: Cambridge University Press, p. 76.
[13] North, D. (1981), Structure and change in economic history. New York: Norton.
[14] Aqui North se aproxima inclusive de outro laureado, Amartya Sen, ao mencionar altruísmo e restrições autoimpostas como motivações dos agentes (ainda que sem citá-lo). Ver Sen, A. (1977), “Rational fools: a critique of the behavioral foundations of economic theory”, Philosophy and Public Affairs 6 (4), p. 317-344.
[15] Simon, H. A. “From substantive to procedural rationality.” 25 years of economic theory. Boston: Springer, p. 65-86; Kahneman, D. (2011), Thinking fast and slow. New York: FSG.
[16]Engerman e Sokoloff (2002), “Factor endowments, inequality and paths of development among New World economies”, Economia 3, p. 41-109. Ver também Monasterio e Ehrl (2007), “Colônias de povoamento versus colônias de exploração: de Heeren a Acemoglu”, 37 (72), p. 213-39.
[17]North, D.; Summerhill, W. e Weingast, B. (2000), “Order, disorder and economic change: Latin America vs. North America” in Bueno de Mesquita, B. and Root, H., Governing for prosperity, New Haven: Yale University Press, p. 17-58.
[18]Acemoglu, D., Johnson, S. e Robinson, J. (2001), “The colonial origins of comparative development: an empirical investigation”, American Economic Review 91 (5), p. 1369-1401; Acemoglu, D., Johnson, S. e Robinson, J. (2002), “Reversal of fortune: geography and institutions in the making of the modern world income distribution”, Quarterly Journal of Economics, 117, p. 1231-1294.
[19]Wallis, J. J (2014).
[20]North, D. e Weingast, B. (1989), “Constitutions and commitment: the evolution of institutions governing public choice in 17th century England. Journal of Economic History 49, p. 803-842.
[21]Vários autores contestaram a visão de North e Weingast, mas ela continua tendo papel importante no debate.
[22]Mokyr, J. (2009), The enlightened economy, New. Haven: Yale University Press; McCloskey, D. (2006), The bourgeois virtue: ethics for an age of commerce. Chicago: Chicago University Press.
[23]Acemoglu, D. e Robinson, J. (2006), The economic origins of dictatorship and democracy. Cambridge: Cambridge University Press.