Nobel 2013: Fama, Hansen e Shiller | por Rodrigo De Losso da Silveira Bueno

Em 2013  Real Academia Sueca de Ciências resolveu prestigiar o campo da economia financeira, premiando com o Nobel os economistas Eugene Fama, Lars Hansen, ambos da Universidade de Chicago, e Robert Shiller, da Universidade de Yale, pela “análise empírica dos preços dos ativos”.

Pretendo escrever sobre Fama e Shiller  primeiro, enfatizando suas principais contribuições e me vou concentrar em Hansen, por último. Os dois primeiros foram muito mais prestigiados na época da premiação que Hansen. Isso não é surpreendente, Fama e Shiller são mais famosos, enquanto o trabalho de Hansen é tecnicamente mais denso, por isso mais difícil de entender. Em particular, Shiller se destaca por ter previsto o estouro da bolha de preços dos imóveis nos EUA, o que o fez naturalmente mais demandado para entrevistas. Entretanto, faltou-lhe concentração para eventualmente prever outras crises como a de 2008.

1 FAMA E SHILLER 

Fama e Shiller são complementares entre si no seguinte sentido: enquanto Shiller tem um foco em economia mais comportamental, Fama se destacou ao conceituar mercados eficientes e testar esses conceitos no mercados financeiros. Sob essa perspectiva, pode-se dizer que Fama tem um caráter mais ortodoxo e Shiller, mais alternativo. Isso é normal para o avanço da ciência e é comum ver a incorporação das críticas aos modelos mais ortodoxos.

1.1 EUGENE FAMA

Eugene Fama é o mais antigo dos pesquisadores, nascido em 1939, fez seu doutorado em Chicago em 1964 e lá tem sido professor há muito anos. Em 1970 publicou artigo definindo o conceito de mercados eficientes ou Hipótese de Mercados Eficiente – EMH, que, basicamente, pode ser entendido assim: os preços dos ativos financeiros (ações, títulos, certificados etc.) resumem (ou sintetizam) a totalidade de informações disponíveis aos agentes econômicos (grosso modo, consumidores e produtores), que agem racionalmente – ou seja, tomam decisões procurando maximizar benefícios e minimizar custos (lucro, por exemplo) [1]. Esse conceito já estava implícito em sua tese de doutorado defendida em 1965, mas foi formalizado posteriormente.

Na prática ele subdividiu as ideias de eficiência em forte, semi-forte e fraca. Esses conceitos estão associados ao conjunto de informação disponível. No caso da eficiência fraca, o conjunto de informação refere-se ao histórico passado de preços. No caso da semi-forte, o conjunto de informações nos diz que os preços devem refletir todas as informações públicas disponíveis. No caso da forte, os preços devem refletir as informações públicas e privadas disponíveis. Esse último caso é interessante, pois nos diz que um insider trading não consegue obter lucro extraordinário, justamente porque sua informação já está refletida nos preços.

As implicações práticas são relevantes. Se as expectativas são racionais, então, a melhor previsão para o preço de um ativo amanhã – imaginemos, no caso, ações – é seu preço hoje. Quer dizer, é impossível dizer se o preço de amanhã vai subir ou descer em relação ao preço de hoje. Caso fosse possível dizer que o preço de amanhã é, em média, o preço de hoje somado a uma fração da variação de preços entre hoje e ontem, o preço de amanhã seria parcialmente previsível. Se assim fosse, o mercado seria, então, ineficiente em sua função de propagar informações e lucros extraordinários seriam possíveis.

Entretanto, mesmo sendo impossível prever o preço dos ativos, sabemos de antemão que ativos com mais riscos (ações, por exemplo) devem ter maiores retornos que aqueles de menor risco (como a poupança). Com base nessa ideia, o norte-americano William Sharpe (Nobel de 1990) desenvolveu o CAPM (sigla, em inglês, para modelo de precificação de ativos financeiros), amplamente usado nos mercados financeiros.

Por isso, mais tarde, Fama redefiniu esse conceito de mercados eficientes. Ele, em coautoria com o norte-americano Kenneth French, mostrou que os retornos dos ativos financeiros estão sujeitos a três fatores de risco: i) o risco da carteira de mercado, ou seja, o desempenho médio das cotações das ações; ii) o risco do tamanho da empresa, pois as menores sofrem riscos maiores; iii) o risco da discrepância entre o valor contábil (valor dos recursos no balanço da empresa) e o valor de mercado (cotação de sua ações na bolsa). Nesse caso, empresas com valor contábil relativamente maior que o de mercado tendem a ter retornos maiores. Nessas condições, para Fama, o mercado seria eficiente se os preços esperados dos ativos não fossem consistentemente maiores (ou menores) que aqueles indicados pelos fatores de risco. Do contrário, diz-se haver alguma anomalia nos preços [2].

Essa literatura sobre fatores de risco, inaugurada por Fama e French, evoluiu muito, havendo hoje um infinidade de fatores de risco, a ponto de se dizer que se trata de um zoológico de fatores de risco, cuja significância estatística de seus coeficientes passam por sérios questionamentos [3]. Pelos seus trabalhos seminais, Fama talvez seja o premiado de 2013 com mais citações de sua obra.

1.2 ROBERT SHILLER

Robert J. Shiller é nascido em 1946, fez doutorado no MIT em 1972 e tem sido professor em Yale desde 1982.

Enquanto o trabalho de Fama procurava explicar os preços regulares, Shiller tentou explicar os casos de anormalidade do mercado, isto é, em que os preços subiam ou caíam de forma ‘irracional’. Nesse sentido, as contribuições de Shiller e Fama não estão em oposição, mas em complementaridade. Mas, o fato é que seu artigo de 1981 desafiava a hipótese de eficiência de mercado, ao concluir que a volatilidade do mercado de ações era muito maior do que a hipótese de expectativas racionais sobre o futuro poderia justificar [4]. Nesse artigo ele estudou o desempenho do mercado acionário norte-americado desde a década de 1920.

Posteriormente, sua fama foi consolidada ao prever o estouro na bolha do mercado acionário em 1987, reforçando a hipótese de que os agentes não são exatamente racionais como pressupunha a hipótese de mercados eficientes. Nesse sentido, Shiller foi o pioneiro a criar índices de sentimentos dos agentes, o que sustentava sua ideia sobre o comportamento dos agentes desviando-se do que os modelos de expectativas racionais presumiam. Em particular, criou um índice de vendas de imóveis para o mercado norte-americano que tem sido usado até hoje como indicador de tendência. 

2 LARS PETER HANSEN

Lars Hansen nasceu em 1952 e concluiu seu doutorado na Universidade de Minnesota em 1978. Tornou-se professor em Chicago no início da década de 80, onde está até hoje. Talvez seja o ganhador de 2013 mais emblemático, vez que sua obra é muito diferente dos outros ganhadores, por ser extremamente mais técnica e aplicar-se a outros campos da economia.

A década de 1970 assistiu ao desenvolvimento da teoria de expectativas racionais, que deu o Nobel aos norte-americanos Robert Lucas Jr. (1995) e Thomas Sargent e Christopher Sims (2011), este orientador de Hansen no doutorado e aquele seu coautor mais habitual. Porém, as predições econômicas desses modelos eram difíceis de serem testadas empiricamente. Essas dificuldades começaram a ser tratadas por Sims e Sargent, mas foi Hansen quem deu a solução definitiva, a partir de um curso de econometria ministrado por Sims.

Hansen desenvolveu uma forma revolucionária de testar modelos em diversas áreas da economia – sobretudo, obviamente, no campo da economia financeira. Trata-se do método generalizado dos momentos – mais conhecido pela sigla GMM –, que mudou a forma até então de se fazer econometria (estatística e matemática aplicadas à teoria econômica), ao tornar os demais métodos existentes seus casos particulares. Com base nesse método, define-se uma conexão direta (e intuitiva) entre as predições dos modelos econômicos e a forma de testá-las empiricamente [5].

Por exemplo, uma predição usual de modelos financeiros diz que o retorno futuro de um ativo financeiro qualquer trazido para o valor presente pelo fator estocástisco de desconto da economia é um, em média. O GMM permite testar essa hipótese facilmente. A formalização teórica do fator estocástico de desconto foi feita com Richard, em que os autores explicam o papel da informação para para deduzir implicações testáveis em apreçamento de ativos [6].

Mais tarde, Hansen e Jagannathan [7] desenvolveram o que ficou conhecido como a Fronteira desses dois autores, em referência à fronteira eficiente de Markowitz. De fato, essa contribuição permitiu entender os limites do já mencionado fator de desconto da economia a partir da distribuição empírica dos retornos de ativos. 

Acredito que os dois últimos artigos tenham sido a razão de sua premiação em 2013, pois foram importantes para determinar os fundamentos de apreçamento dos ativos, razão pela qual Hansen acabou sendo incluído na premiação com os outros pesquisadores. 

O GMM se aplica também a modelos econômicos em cenários nos quais a informação é limitada. Nem sempre o econometrista tem as mesmas informações que o agente econômico que toma decisões. Surge daí o problema de adaptar os métodos empíricos para levar em consideração a diferença entre o conjunto de informação do agente que toma decisão e do econometrista que avalia o processo decisório. A teoria de expectativas racionais somada ao GMM soluciona o problema – antes, isso era ignorado frequentemente, mas as implicações práticas mostraram-se importantes.

Outra área de contribuição de Hansen, normalmente em parceria com Thomas Sargent, é teórica a respeito de uma função utilidade cujo agente toma decisão sob incerteza quanto à verdadeira função utilidade que o caracteriza. Eles desenvolveram uma enorme literatura sobre o assunto, microfundamentada apenas posteriormente, chamada de Preferência por Robustez [8].

3 CONCLUSÃO

É curioso que Hansen tenha dividido o prêmio Nobel com alguém e que tenha sido premiado por suas contribuições em Economia Financeira.

A contribuição de Hansen não se restringe a Economia Financeira, mas inclui Econometria com um novo método de estimação amplamente utilizado em outras área e Macroeconomia Dinâmica.

Os demais ganhadores têm contribuições fundamentais mais aderentes ao campo de Economia Financeira, mas as contribuições de Fama e Shiller são em perspectiva bem mais restritas que as do terceiro ganhador, embora igualmente importantes.

Nesse sentido, talvez a Academia Sueca tenha cometido uma injustiça ao não conceder o prêmio Nobel apenas para Hansen.

De qualquer forma, o campo de Economia Financeira já merecia há anos uma reconsideração em função de sua importância e representatividade no campo da Economia.

Rodrigo De Losso da Silveira Bueno

Professor Titular da FEA-USP, Ph.D Chicago: [email protected]

Referências

[1] FAMA, Eugene F. Efficient Capital Markets: A Review of Theory and Empirical Work. Journal of Finance, n.o 2, vol. 25, p.p. 383-417, 1970.

[2] FAMA, Eugene F.; FRENCH, Kenneth R. Common Risk Factors in the Returns on Stocks and Bonds. Journal of Financial Economics. Vol. 33, n.o 1, p.p. 3–56, 1993. 

[3] HARVEY, Campbell R.; LIU, Yan; ZHU, Heqing. … and the Cross-Section of Expected Returns. Review of Financial Studies, vol. 29, n.o 1, p.p. 5-68, 2016.

[4] SHILLER, Robert J. Do Stock Prices Move Too Much to Be Justified by Subsequent Changes in Dividends?”. American Economic Review,  vol. 71, n.o 3, p.p. 421–436, 1981.

[5] HANSEN, Lars P. Large Sample Properties of Generalized Methods of Moments Estimators. Econometrica, vol. 50, page 1029-1054, 1982.

[6] HANSEN, Lars; RICHARD, Scott F. The Role of Conditioning Information in Deducing Testable Restrictions Implied by Dynamic Asset Pricing Models. Econometrica, vol. 55, n.o 3, p.p. 587-613, 1987.

[7] HANSEN, Lars P.; JAGANNATHAN, Ravi. Implications of Security Market Data for Models of Dynamic Economies. Journal of Political Economy, vol. 99, n.o 2, p.p. 225–262, 1991.

[8] HANSEN, Lars P.; SARGENT, Thomas J.  Robustness. Princeton: Princeton University Press, 2007.

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