O Prêmio Nobel de Economia de 2022 laureou Ben Bernanke, Douglas Diamond e Phillip Dybvig por suas contribuições para o entendimento do papel dos bancos nas economias e de como ocorre a disseminação de crises financeiras por meio do sistema bancário.
O presente artigo tem por objetivo olhar com maiores detalhes para as contribuições específicas de Diamond e Dybvig.
Nenhuma surpresa no prêmio para Diamond e Dybvig
O Nobel já era bastante esperado para essa dupla infame. O paper de Diamond e Dybvig de 1983, “Bank Runs, Deposit Insurance and Liquidity”, é de longe o trabalho acadêmico mais citado em toda economia monetária com suas 14195 citações; superando mesmo o clássico “A Monetary History of United States” de Milton Friedman e Anna Schwartz (com suas 11272 citações).
Razões não faltam para a tamanha importância desse trabalho, pois ele foi a base para o nascimento do que viria a ser conhecido como microeconomia bancária. Foi graças ao entendimento microeconômico dado ao setor bancário feito por Diamond e Dybvig que questões sobre o funcionamento do setor bancário deixaram de ser um campo de estudo exclusivo da macroeconomia e microfundamentos de economia monetária puderam ser finalmente construídos. Além disso, toda uma série de políticas públicas, sobretudo na forma de regulações bancárias, surgiram espelhando o modelo teórico formado pelos autores.
A contribuição dos autores evoluiu ao longo dos anos com base nesse importante trabalho pioneiro. Douglas Diamond em particular continuou a dar contribuições extremamente importantes para o entendimento que os economistas tem de como os bancos funcionam. Em Diamond e Rajan (2000), por exemplo, ele nos presenteou com um modelo teórico sobre como funciona a estrutura de capital dos bancos à luz das finanças neoclássicas (particularmente o Teorema Modigliani-Miller) e suas consequências para políticas regulatórias.
Contudo, obviamente, o modelo não está isento de críticas. O objetivo do presente artigo será sintetizar o argumento central do paper clássico de Diamond e Dybvig e apresentar pontos críticos em relação a sua contribuição.
A Natureza e a Ruína dos Bancos
A contribuição central do Modelo Diamond-Dybvig é em sua análise sobre a natureza das operações bancárias. Para que serve os bancos? Segundo os autores, a principal função dos bancos é atuar como intermediário de fundos emprestáveis entre agentes ao longo do tempo.
Imagine que você tem uma economia onde as pessoas produzem em três períodos de produção: verão, inverno e outono. Considerando que essa economia tenha N consumidores dotados de quantidades iguais de um bem; como batatas, por exemplo. Vamos dizer que um hectare plantado no Inverno gera uma renda R > 1; com 1 sendo o valor de um hectare, no Verão, mas apenas uma renda de 1 no Outono. Vamos dizer que as pessoas enfrentam dificuldades no Outono. Nesse caso, o investimento na plantação de batatas é arriscado. Os desafortunados indivíduos “tipo Outono” terão que liquidar seus investimentos em batata prematuramente, obtendo um retorno líquido de zero em seus investimentos.
Por outro lado, os indivíduos sortudos do “tipo Verão” podem se dar ao luxo de adiar o consumo até a colheita, desfrutando de um retorno positivo em suas plantações. Logo, o racional seria esperar até o Verão para colher os frutos do investimento, certo? Não exatamente. Os indivíduos não sabem no Inverno se suas plantações darão renda no Outono ou no Verão, de forma que podem escolher por liquidar seus investimentos prematuramente. De acordo com Diamond e Dybvig, um banco é um dispositivo que permite o compartilhamento de risco entre os indivíduos ao agrupar investimentos e dividir os retornos previstos entre eles. Assumindo que a fração, t, de indivíduos do tipo Outono é menor que um, o compartilhamento de risco assume a forma de contratos de depósito (não transacionáveis) que dão direito aos depositantes de adiantar rendas em igual valor a sua produção futura dado um depósito inicial. Assim, segundo Diamond e Dybvig, um indivíduo que tenha a sorte de ter uma boa plantação de batatas pode depositar seus valores junto aos bancos e esse depósitos podem servir como base para empréstimos aos plantadores menos afortunados a um retorno pelo menos igual ao valor da produção futura de batatas do depositante inicial. Dessa forma, os bancos permitem uma melhor alocação de recursos e gestão de riscos ao facilitar o contato entre depositantes e agentes deficiários.
Todavia, nem tudo são flores. Existe uma instabilidade inerente a um sistema assim.
Segundo o Modelo Diamond-Dybvig, existe uma assimetria de informação fundamental entre intermediários e seus clientes. Os bancos possuem informação privada a respeito da qualidade de seus empréstimos e, portanto, os depositantes não tem como ter certeza acerca da segurança de suas reservas. Em resumo, as pessoas não tem como saber para onde seus depósitos estão sendo alocados dado que os bancos mantém sigilo sobre seus portfólios de empréstimos.
Devido esse problema de assimetria, os depositantes não tem como discriminar adequadamente entre bancos solventes e insolventes. Tal condição implica que, quando rumores surgem no mercado acerca da insolvência de um banco, isso pode levar os indivíduos a suspeitarem da solvência de qualquer banco. Como consequência, elas podem ser levadas a liquidar seus depósitos. Seguindo o raciocínio anterior, isso implicaria em um cenário onde pessoas que só deveriam converter seus depósitos no Verão irão converter no Outono para assegurar suas rendas; reduzindo assim a disponibilidade de fundos emprestáveis. Como consequência, os bancos serão forçados a liquidar seus ativos para garantir os depósitos. Entretanto, os ativos de depósitos bancários muitas vezes estão na forma de empréstimos e contratos que só são executáveis em longo prazo, de forma que eles não podem ser convertidos em liquidez no momento presente. Logo, os bancos teriam que lidar com o exigível de passivos de curto prazo ao mesmo tempo que não poderiam liquidar perfeitamente ativos de longo prazo; gerando assim um problema de liquidez no balanço bancário.
Esse problema gera então o segundo ponto do Modelo de Diamond e Dybvig: os saques sequenciais. Nesse cenário, considerando que os agentes do sistema possuem direitos uns sobre os outros, os bancos, ao enfrentar o pânico de saques por parte do público, irá demandar a parte de suas reservas que estão na forma de passivos de outros bancos, que por sua vez demandará de outro banco e assim por diante. Assim, os saques sequenciais irão drenar os vários bancos de suas reservas e poderão transformar um pânico bancário em uma financeira sistêmica.
Em meio a esse cenário, a recomendação de Diamond e Dybvig é clara: instituir regulações bancárias mais sólidas e, sobretudo, instituir um seguro de depósito. Esse seguro é uma forma de seguro governamental, que garante a liquidez dos depósitos bancários e impede que os bancos quebram durante pânicos bancários. No Brasil, essa proposta tomou forma física por meio do famoso Fundo Garantidor de Crêdito (FGC).
Contudo, essa modelo está realmente correto? O que dizem as evidências?
Críticas contra Diamond e Dybvig
O Modelo Diamond-Dybvig de crises bancárias certamente foi um marco na ciência econômica, isso não pode ser negado. Mesmo seus críticos reconhecem seu valor em introdução a economia monetária a uma nova forma de pensamento. Contudo, ele não está imune a críticas.
Primeiramente, do ponto de vista teórico, Wallace (1988) demonstrou que o problema de saques sequenciais colocado por Diamond e Dybvig não poderia ser solucionado por meio de uma ação governamental de injeção de liquidez , pois o próprio governo estaria sujeito a esse problema também. Para que uma solução de seguro de depósitos funcionasse, por exemplo, seria necessário que o governo coletasse os fundos necessários para garantir os depósitos em momento de pânico antes que esses mesmos depósitos fossem convertidos, sendo que o governo não tem como saber quando isso irá ou não ocorrer. Como resultado, poderia ocorrer um problema onde o governo tributa desnecessariamente os bancos para garantir os fundos do seguro depósito e aloca esses mesmos fundos em momentos em que eles não são realmente necessários.
Uma vez que os próprios bancos possuem melhores conhecimentos sobre suas restrições e riscos, é mais provável que o próprio mercado interbancário gere soluções de auto-regulação para o problema dos saques sequenciais do que o governo.
Outra crítica que se pode fazer é que o Modelo Diamond-Dybvig foi criado para espelhar o setor bancário americano no século XX. Desde o século XIX até 1993 os Estados Unidos possuíam diversas leis estaduais que limitavam ou impossibilitaram os bancos de abrirem agências! Como resultado, os bancos ficavam restritos a número reduzido de depositantes e possibilidades de empréstimos de uma área geográfica. Em zonas agrícolas, por exemplo, isso significava que os bancos tinham que alocar os depósitos de agricultores que poderiam necessitar deles a qualquer momento devido uma safra ruim para empréstimos em safras agrícolas que poderiam ou não gerar retornos capazes de cobrir esses depósitos.
Como observaram Calomiris e Gorton (1991), se um pânico bancário tiver a possibilidade de ser solucionado por meio do próprio sistema de empréstimos interbancário, pelos saldos das agências fora daquela localidade ou por mecanismos de comunicação parcial entre os agentes do mercado, as consequências do Modelo Diamond-Dybvig não serão mantidas.
Por fim, o Modelo Diamond-Dybvig ignora que o seguro depósito tem como consequência a criação de um risco moral. Uma vez que os depósitos estão assegurados pelo governo, por qual razão deveria o banco se importar com o risco de seus empréstimos e outros ativos que compõem seu portfólio?
Alston, Grove e Wheelock (1994), estudando o caso dos bancos americanos durante a década de 1920, observaram que a maioria das falências ocorria devido a maioria dos bancos estarem restritos a áreas rurais e a maioria deles tomarem risco moral devido a existência de seguros de depósito nos estados onde atuavam. Como resultado, os seguros acabaram por incentivar a tomada de risco com empréstimos rurais que, posteriormente, seria a causa da quebra de vários deles durante a Crise de 1929.
Essas são algumas considerações sobre a obra desses dois gênios das ciências econômicas e espero que ilumine um pouco o caminho para quem queira se aventurar pelo debate sobre microeconomia bancária e microfundamentos da economia monetária.
Esse artigo focou nas contribuições de dois laureados pelo Prêmio Nobel de Economia de 2022. Para uma visão geral, incluindo os trabalhos de Ben Bernanke – o terceiro premiado com esse reconhecimento – sugerimos os dois textos a seguir, ambos escritos por Caio Augusto, Head de Conteúdo do Terraço:
Artigo no Guia Financeiro (Guide Investimentos): https://www.oguiafinanceiro.com.br/textos/nobel-de-economia-2022/
Artigo no Brazil Journal: https://braziljournal.com/o-nobel-de-ben-bernanke/