O Brasil do discurso e o Brasil que queremos

Uma resposta ao discurso de posse da presidente reeleita Dilma Rousseff

Esta carta expressa a opinião de dois movimentos da sociedade civil – #OndaAzul e Construindo a Alternativa – sobre o discurso de posse da presidente reeleita Dilma Rousseff. No Brasil, os partidos da oposição não têm esse costume, mas em alguns países trata-se de uma prática comum. Esperamos, com essa iniciativa, contribuir para o debate público de qualidade, que é próprio das democracias maduras.

O discurso de posse da presidente reeleita Dilma Rousseff foi ouvido atentamente. Os brasileiros esperavam do discurso um projeto de país mais robusto e consistente e da presidente um compromisso real entre o que fala e o que faz.

Não por acaso, o povo brasileiro viu imagens de uma Esplanada vazia no dia em que mais da metade dos eleitores deveriam estar celebrando sua posse. Dilma iniciou seu governo com o silêncio das ruas e da militância do próprio partido, com críticas nas redes sociais, testemunhando vaias na posse de alguns Ministros e proferindo um discurso que, quando não foi vazio, foi protocolar e abatido.

A presidente repetiu o uso de sua arma mais poderosa durante as eleições: subjugar o mundo real ao marketing. Para tanto, abusou de inconsistências, meias verdades e autocongratulações. Mostrou, novamente, sua incapacidade de assumir erros, como já havia notado a candidata Marina Silva durante as eleições. Mostrou, também, sua tendência de jogar os problemas para os outros poderes ou outras esferas de governo.

A presidente que toma possa em 2015 não pôde cumprir as promessas que havia feito quatro anos atrás. Após uma primeira gestão medíocre, o segundo mandato inicia-se sem entusiasmo popular e com evidências precoces de que enganou seu eleitorado – sim, “a vaca tossiu”.

A presidente Dilma apresentou em seu discurso números que transmitem a falsa impressão de que o Brasil nunca esteve tão bem como hoje. A economia brasileira cresce muito pouco e muito menos que países vizinhos e que outros emergentes, refletindo os equívocos da gestão econômica do seu primeiro governo. No discurso, a presidente reeleita fez parecer que o desemprego nunca esteve tão baixo, mesmo em face da destruição de milhares de vagas na indústria de transformação e nos demais setores de atividade produtiva, mostrando-se incapaz de reconhecer que a situação não é pior sobretudo em função da mudança no perfil da população economicamente ativa, e não em virtude das equivocadas políticas adotadas por sua equipe nos últimos anos. Diante do grave quadro de crise econômica, a presidente prefere insistir que a inflação está controlada por ter ficado “abaixo do teto em todos os anos do primeiro mandato”, negligenciando o fato de que a meta é de 4,5% e não de 6,5%, e que se conformar com “não estourar o teto” é assumir de público a política da complacência e da frouxidão no trato de nossa economia — complacência e frouxidão essas comprovadas, de resto, pelas notórias maquiagens das contas públicas (a chamada “contabilidade criativa”) em caso de flagrante falta de transparência da gestão federal. O preço de tamanha irresponsabilidade começa a ser pago agora por toda a população brasileira, onerando terrivelmente os mais pobres e as regiões menos dinâmicas economicamente.

A presidente Dilma fez questão de, mais uma vez, negar aos brasileiros o direito à verdade relativa aos fatos de nossa história recente. Ao abordar as políticas públicas na área social, que contribuíram para o acesso de milhões de brasileiros à chamada nova classe média, Dilma ignorou o papel da estabilização econômica promovida pelo Plano Real durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), bem como os importantes avanços realizados naquele período no sentido da construção de uma rede de proteção social que notoriamente foram o trampolim para novas e importantes conquistas das administrações posteriores. Felizmente para os brasileiros, o Brasil não é propriedade de um partido, e a história dos brasileiros não cabe na versão de partido algum.

Com o seu próprio partido político, o PT, está imerso em casos de corrupção, o tema tornou-se uma prioridade para a presidente. O “pacto de combate à corrupção” é muito bem-vindo, se for sério. O que se observa é que Dilma Rousseff reclama para si a responsabilidade que não lhe cabe — as investigações dos estarrecedores casos de corrupção que assolam o governo petista levadas a cabo pelas instituições de Estado, e não por seu governo — e exime-se das responsabilidades que lhe cabem — os descalabros cometidos na mais importante empresa brasileira, a Petrobrás, enquanto foi presidente de seu Conselho de Administração. Isso sem mencionar as manobras de seu partido e de sua base aliada para obstruir os trabalhos de investigação próprios do parlamento.

Uma onda azul pintada por Tomie Ohtake. Fonte: http://studionobrega.com/Collection

Enquanto a sociedade brasileira acompanha, perplexa, os desdobramentos das investigações que indicam, cada vez mais, a existência de um esquema orquestrado por máquinas partidárias do núcleo do governo para assaltar a Petrobrás, a presidente preferiu tergiversar com absurdas referências a “inimigos externos” da companhia. A recente derrocada da Petrobrás foi tramada no coração dos governos Lula e Dilma, e não há retórica oficial que possa alterar esse fato.

É nesse mesmo contexto de baixa credibilidade que a presidente insiste em tratar a reforma política como uma panaceia para todos os problemas da política nacional. A democracia brasileira funciona, embora tenha algumas disfunções que poderiam ser corrigidas com ajustes, a partir de um amplo debate público e do voto dos legisladores no Congresso Nacional. Seria a presidente Dilma Rousseff a pessoa mais apropriada para levar essa discussão adiante?

Os avanços em questões ambientais celebrados no discurso do primeiro dia de 2015 são notoriamente desmentidos pelos próprios dados oficias. Além do atraso na implementação do Cadastro Ambiental Rural e de outras políticas dele decorrentes, a presidente ocultou dos brasileiros os dados públicos que indicaram um aumento do desmatamento em agosto e setembro de 2014 (dados esses que, de maneira calculista e eleitoreira, deveriam ter sido divulgados antes das eleições, mas foram escondidos da população), omitiu a recusa do governo brasileiro em assinar o compromisso da ONU para a redução pela metade do desmatamento até 2020 e para zerá-lo até 2030 e não mencionou que sua política de redução do IPI, além de aumentar os graves transtornos de mobilidade urbana que o país enfrenta, contraria qualquer preocupação ambiental séria. Sequer falou se irá colocar a mitiga- ção das mudanças climáticas, bem como a adaptação a elas, no centro de suas políticas públicas domésticas para que sejam compatíveis com as metas acordadas internacionalmente.

A presidente Dilma recorreu, novamente, ao marketing como alternativa de quem não conseguiu atender as demandas da população por melhores serviços públicos, especialmente nas áreas de saúde, mobilidade urbana, segurança pública e educação. Já em 2011 a presidente Dilma havia feito da educação uma “prioridade do seu governo”, não tendo sido capaz de fazer o país avançar na área do modo que tanto necessita. Anunciar ao povo brasileiro, após 12 anos de governos petistas, que o lema de sua gestão é “Brasil, Pátria Educadora” soa como se o governo acordou tarde para o que óbvio – e cientificamente provado. A educação pública de qualidade precisa ser prioridade de qualquer governo. Mas quem educa não é a “pátria”, mas sim cidadãs e cidadãos brasileiros que se dedicam ao magistério em todos os ní- veis e que precisam de boas condições de trabalho e de salários dignos providos por uma educação pública digna desse nome. Um verdadeiro projeto nacional que priorize a educação deveria começar por uma melhor e mais sensível escolha para o Ministério da Educação. Esta é uma área que precisamos de mais técnica e menos política.

O povo brasileiro merece voltar a sonhar. O povo brasileiro merece mais e melhor.

Por isso, é necessário fortalecer ainda mais a oposição e mobilizar a sociedade civil em torno de ideias novas, modernas e focadas no desenvolvimento efetivo das pessoas e do país. Os partidos de oposição, por sua vez, também precisam se modernizar para que amplie a participação da sociedade na política institucional, como advoga o #OndaAzul na carta manifesto do movimento.

A melhoria da vida das pessoas facilitada pela atuação do Estado passa por nutrir um pensamento de futuro e de impacto para o país, diferente do expressado pela presidente em seu discurso de posse e, sobretudo, da sua prática administrativa.

Queremos transformar um Estado inchado, caro e lerdo, como temos hoje, em um Estado que funcione e facilite a vida das pessoas e das empresas. Queremos abandonar o estado analógico e expandir o estado digital, centrar as ações no cidadão e em resultados – e não na burocracia -, profissionalizar a gestão, aprimorar as medidas de desempenho e avaliação e transformar o Estado brasileiro num provedor de serviços públicos de alta qualidade. Queremos transformar o Brasil em um país de oportunidades para todos. Garantir oportunidade é também promover a igualdade. É garantir que todo brasileiro tenha acesso à educação e a saúde de qualidade, bem como goze de segurança no seu dia a dia. É garantir que qualquer brasileiro tenha a mesma chance de subir na vida do que os demais, independente de quem seja e de onde venha. É desenvolver alternativas para além do assistencialismo.

Para isso, queremos ver nos próximos 10 anos a educação básica brasileira no mesmo patamar do mundo desenvolvimento, saneamento público presente em todas as residências do Brasil, um sistema de saúde pública (SUS) que foque nos pacientes – e não no próprio sistema -, e um sistema de segurança pública mais coordenado entre os estados brasileiros.

Queremos diminuir também a desigualdade de renda, ao aliviar o fardo relativamente mais pesado que os mais pobres e a classe média pagam neste país, devido a grande proporção de impostos indiretos pagos pelos brasileiros e a pouca progressão do imposto de renda. Queremos eliminar privilégios desnecessários de que governantes e funcionários públicos gozam. Queremos minorar – ou eliminar, se for o caso – mecanismos em que o trabalhador financia os mais ricos, como faz hoje o BNDES em grande medida.

Queremos ver o Brasil mais integrado ao mundo e aberto ao comércio internacional. O Brasil do futuro é cosmopolita. Cultiva o multilateralismo mas não se furta a negociar acordos bilaterais de livre comércio com outros paí- ses quando o mundo todo o faz. É um país que não tem medo de falar “não” ao Mercosul. É pragmático no comércio e, ao mesmo tempo, é o Brasil que tem uma política ativa com seus vizinhos e outros países em desenvolvimento e emergentes, profissionalizando, inclusive, ações mais estratégicas (e transparentes) na área de desenvolvimento internacional. É um Brasil que considera o respeito aos direitos humanos nas relações internacionais.

Queremos o crescimento econômico, integrado harmonicamente com a preservação do meio ambiente, como prioridade de governo para gerar empregos, aumentar a renda das famílias e superar as mazelas da pobreza e da desigualdade desta e das futuras gerações. Sem progresso econômico, não há possibilidade de avançar na melhoria das condições de vida de todos os brasileiros, principalmente dos que mais necessitam do Estado.

Queremos um Brasil mais transparente e com instituições mais inclusivas. O governo precisa ser mais aberto à sociedade. A lei de Acesso à Informação foi um avanço importante. Essa transparência pode ser agora incorporada com mais intensidade à gestão pública, inclusive com o desenvolvimento de mecanismos mais participativos – e criativos – nas políticas públicas.

Queremos um país que desenvolva sua infraestrutura como melhor custo benefício possível. Um país que abola o cartel das empreiteiras e estabeleça uma competição real no setor. Queremos também um ambiente regulatório estável, simplificado e com foco em resultados.

Queremos um país em que cada brasileiro tenha condições e possibilidade de realizar seus sonhos e ser feliz.

Queremos um país melhor do que está aí. Caberá à oposição ser o veículo da realização de um novo sonho coletivo de Brasil, pois a apatia da própria presidente e dos brasileiros neste dia 1 de janeiro mostra que o sonho petista acabou.

A mudança já começou!

*Onda Azul e Construindo a Alternativa
movimentos políticos brasileiros próximos ao PSDB 

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