O dilema da educação

Você no Terraço | por Lucas Warwar

É de conhecimento geral que o Brasil possui um péssimo sistema de educação básica, sendo que é visto por muitos – desde a população em geral até pesquisadores do tema – que esse é o grande obstáculo a ser superado pelo nosso país, causador de diversas de nossas maiores mazelas, como a desigualdade de renda, as altas taxas de criminalidade e a baixa produtividade do trabalhador brasileiro. O intuito desse artigo é analisar o panorama geral da educação básica no Brasil e propor alternativas para a resolução desse problema chave na questão do desenvolvimento socioeconômico do país.

  1. Gasto Público em Educação:

O Brasil é um dos países que mais investe em educação em todo o mundo. De acordo com o Education at a Glance 2015 [1] – elaborado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – o Brasil destina 17,2% de todo o seu gasto público para a educação, o que corresponde a cerca de 6,6% do PIB. Tais indicadores são superiores aos de países que têm grande êxito nos seus índices de educação básica, como Japão e Coreia do Sul.

Ao contrário do que poderia se deduzir a partir do senso comum, a falta de verba não é o grande problema da educação básica no Brasil. Tanto o gasto em educação em relação ao PIB quanto o gasto individual por aluno vêm crescendo de forma ininterrupta desde 2003, como mostram os gráficos abaixo.

[caption id="attachment_7331" align="aligncenter" width="674"]Fontes: Inep (MEC) e OCDE. Elaboração própria. Fontes: Inep (MEC) e OCDE. Elaboração própria.[/caption]   [caption id="attachment_7332" align="aligncenter" width="666"]Fontes: Inep (MEC) e OCDE. Elaboração própria. Fontes: Inep (MEC) e OCDE. Elaboração própria.[/caption]   No entanto, todo esse investimento parece não resultar em uma melhora do nível da educação básica no Brasil:  
  1. Qualidade da Educação Básica no Brasil:

O PISA (Programme for International Student Assessment) [2] é um estudo realizado pela OCDE em escala global que avalia as habilidades de estudantes de 15 anos em três tópicos: matemática, ciências e leitura. Teve sua primeira edição no ano 2000 e desde então é reaplicado a cada 3 anos. É considerado um dos melhores testes para indicar a qualidade da educação básica em um país, haja vista que mede características fundamentais para a vida em sociedade, como resolução de problemas e capacidade cognitiva.

O Brasil nunca apresentou resultados animadores no PISA, sempre ficando entre os últimos colocados no ranking dos países – na última edição, ficamos na 60ª posição dentre 76 países, atrás de Vietnã, Cazaquistão e Malásia. Apesar do relativo aumento das notas em cada uma das 3 competências ao longo dos anos, nossas avaliações apresentam um dado preocupante: estamos perdendo posições no ranking desde a sua implementação, ou seja, estamos avançando mais devagar que os outros países.

[caption id="attachment_7333" align="aligncenter" width="678"]Fonte: PISA (OCDE). Elaboração própria. Fonte: PISA (OCDE). Elaboração própria.[/caption]

Observando esse gráfico e comparando-o com o primeiro gráfico, fica claro que nem sempre aumento de investimento é sinônimo de maior eficiência. E esse é só um exemplo da situação na qual os alunos de nível básico se encontram. A ONG Todos pela Educação [3] reuniu em 2013 dados de exames realizados em todas as unidades federativas do país, encontrando dados preocupantes: apenas 4,9% dos alunos da rede pública atingiram a nota mínima em matemática para que seus conhecimentos fossem considerados adequados para a idade pelos examinadores. Em língua portuguesa, a ONG apurou que 78,5% dos alunos saem do Ensino Médio sem os conhecimentos adequados. Isso acarreta, entre inúmeras outras coisas, dados como esse: segundo o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) [4], organizado pelo Instituto Paulo Montenegro (IPM) e ONG Ação Educativa, 38% dos universitários do país são analfabetos funcionais, isto é, estudantes que conseguem ler mas encontram dificuldades em interpretar o significado das frases.

Portanto, mesmo com um investimento crescente na última década, nossos estudantes continuam enfrentando as mesmas dificuldades de sempre. Fica evidente que a questão é cada vez menos quanto se deve gastar, mas sim como se deve gastar.

  1. Ensino Superior e Desigualdade:

Na contramão das escolas públicas, as Universidades públicas são as mais bem conceituadas do país, correspondendo a grande parte da pesquisa feita no Brasil e apresentando relações candidato/vaga por vezes astronômicas em seus vestibulares. Não é necessário dizer que justamente devido a essa concorrência enorme, alunos egressos da rede pública encontram dificuldades em ingressar em uma boa instituição como USP, Unicamp ou UFRJ. Mesmo com a implementação de ações afirmativas e cotas raciais, a maior parte das vagas nos cursos dessas universidades é ocupada por estudantes de escolas privadas.

Como bem apontou o Instituto Mercado Popular (IMP) em sua Nota de Políticas Públicas sobre o ensino superior brasileiro [5], tal disparidade é um forte agravante da desigualdade social no país. Alguns dados: um jovem cuja renda familiar per capita é de R$250,00 tem uma probabilidade de 2% de estudar em uma universidade pública, enquanto para aqueles cuja renda familiar per capita é de R$20.000,00 essa probabilidade é de 40%. A representação proporcional da classe alta na universidade pública é quase o dobro daquela observada na população. Quanto mais concorrido é um curso, menor a proporção de alunos de baixa-renda em suas turmas.

Essa desproporção é grave porque o acesso ao ensino superior é fundamental no que se refere a obter um trabalho qualificado, e por consequência, um melhor salário. Quando o setor público favorece o ensino superior em detrimento do ensino básico, cria-se um círculo vicioso no qual só o rico consegue estudar em uma boa universidade, conseguir um bom emprego e prosperar, enquanto a parcela mais pobre da população continua sem oportunidades. Com uma melhor educação básica acessível a todos, é possível quebrar esse ciclo no longo prazo, criando um ambiente com igualdade de oportunidades que gera efeitos positivos na distribuição de renda. Como fazer isso parece ser o grande questionamento.

  1. O Caso do ProUni:

O ProUni (Programa Universidade para Todos) [6] foi criado em 2004 pelo Ministério da Educação e consiste na concessão de bolsas integrais e parciais para que alunos de baixa renda possam estudar em instituições privadas de ensino superior. Desde sua criação até 2013, o programa possibilitou que 1,2 milhões de jovens ingressassem na universidade – muitos deles se tornaram os primeiros de suas famílias a cursarem o ensino superior. Além de dobrar o número de matrículas no ensino superior, o programa também trouxe uma nova perspectiva de vida aos seus beneficiados.

Vale lembrar que diferentemente do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), o ProUni não concede empréstimos, mas sim bolsas. É como se o governo federal investisse recursos diretamente em educação, só que ao invés de construir novas universidades e ampliar as vagas, passa essa função à iniciativa privada.

Apesar dos bons resultados, o ProUni serve apenas como medida paliativa, sem alterar as perspectivas de longo prazo. Mesmo aumentando o número de estudantes de baixa renda no ensino superior, o programa não altera a proporção desses alunos nas universidades de ponta, predominantemente públicas. Ainda é necessário que a educação básica no Brasil tenha uma qualidade melhor.

  1. “O ProUni da Educação Básica”:

Em resumo,  os dados mostrados até agora indicam algumas coisas:

  • O governo federal não investe pouco em educação mas sim tem dificuldade em alocar os recursos da melhor maneira;
  • Há um descompasso entre educação básica e ensino superior públicos que contribui para o agravamento da desigualdade social no país;
  • A situação atual da educação básica é deplorável e tende a se manter (ou piorar) se nada for feito. Ademais, tal cenário contribui para a desigualdade social, criminalidade e baixa produtividade existentes no Brasil;
  • A melhora da educação básica é capaz de gerar um processo de desenvolvimento socioeconômico no longo prazo.

Uma solução possível para esse dilema é fazer algo parecido com o que foi feito no ensino superior com o ProUni, dessa vez na educação básica. Permitir que os alunos (no caso, seus responsáveis) escolham onde estudar amparados por subsídios do governo. Isso poderia ser feito de duas formas: escolas privadas poderiam realizar parcerias com o setor público e receber alunos bolsistas, e/ou o Estado conceder a gestão de escolas públicas para a iniciativa privada. Ambas as opções já foram implementadas com sucesso em outros países.

As “Charter Schools” dos EUA e Canadá, por exemplo, são instituições que recebem recursos do governo mas são independentes das outras escolas da rede pública – sendo geridas inteiramente pela iniciativa privada. Na Colômbia, as “escolas em concessão” já atendem quase 100 mil crianças apenas em Bogotá, apresentando resultados superiores aos da rede pública padrão.

Já os programas de bolsas, também chamados de sistema de vouchers, são encontrados no mundo todo. Consiste, basicamente, em conceder vouchers para educação de um certo valor para famílias de baixa renda, que o usariam para matricular seus filhos na escola de sua preferência. Com dezenas de escolas competindo pelo dinheiro dos vouchers, a qualidade tenderia a aumentar e o preço a cair. Nos EUA, por exemplo, existem contas bancárias chamadas de ESAs (Education Savings Account) – através dela, os pais podem escolher entre manter seus filhos na escola pública ou resgatar o dinheiro que o governo gasta para mantê-los lá e matriculá-los em uma instituição privada de preferência. No Chile, o sistema de vouchers opera desde a década de 1980, sendo considerado um dos motivos para que o país apresente os melhores níveis de educação da América Latina.

Vale lembrar que em nenhum dos casos é cobrado algo do aluno, o Estado continua garantindo o ensino público. O que ocorre é apenas uma transferência da gestão das escolas, de estatal para privada.

No Brasil, tais ideias muito provavelmente sofreriam alguma resistência. A ideia engendrada na população de que o ensino deve ser “público, gratuito e de qualidade” impossibilita considerar alternativas como essas, mais ortodoxas – por mais que na realidade, essas propostas mantenham o ensino como público e melhoram sua qualidade (ensino gratuito, infelizmente, é impossível).

O Estado brasileiro sofre há décadas com a missão de melhorar o padrão de vida da sua população através da educação. Talvez seja a hora de inovar e tentar ideias alternativas. Implementar essas medidas no Brasil pode ser o começo de uma verdadeira revolução em um país marcado pela concentração de renda e desigualdade social.

Lucas Warwar é graduando em Ciências Econômicas pela UNICAMP.

Notas:

[1]: http://www.oecd.org/edu/education-at-a-glance-19991487.htm [2]: https://www.oecd.org/pisa/keyfindings/pisa-2012-results.htm [3]:http://www.todospelaeducacao.org.br/arquivos/biblioteca/de_olho_nas_metas_2013_141.pdf [4]: http://www.ipm.org.br/pt-br/programas/inaf/relatoriosinafbrasil/Paginas/default.aspx [5]: http://mercadopopular.org/wp-content/uploads/2016/05/Goes-Duque-NPP-IMP1.pdf [6]: http://siteprouni.mec.gov.br/    

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